Do tempo em que todos podiam sonhar

No coração da cidade, o Cineteatro São Luiz guarda sinais de uma época em que Fortaleza tinha menos pressa e mais tranquilidade para apreciar suas atrações

Escrito por Marlyana Lima , marlyana.lima@svm.com.br
Legenda: No coração da cidade,o Cineteatro São Luiz guarda sinais de uma época em que Fortaleza tinha menos pressa e mais tranquilidade para apreciar suas atrações
Foto: FOTO: YAGO ALBUQUERQUE

Mal tinha completado 11 anos. Era tímida a menina que cresceu nas ruas do bairro Monte Castelo. Os tempos eram outros. 1978. Àquela época havia cadeiras nas calçadas e as portas das casas ficavam abertas até altas horas. Andar sozinho pelas ruas era algo tranquilo. Nada de mal nos acontecia. Furto em plena luz do dia? Se aconteceu, nunca soube.

Fortaleza respirava ares mais leves e permitia estripulias aos jovens que, como eu, um dia fugiram de casa para ver um filme no Centro da cidade. E, para a menina, não era um filme qualquer. Era Star Wars. O começo da maior e mais emocionante saga já mostrada no cinema.

Para chegar ao destino, o trajeto era fácil. Bastava pegar o ônibus na Rua Conrado Cabral e parar na Praça da Estação. Três ou quatro quarteirões a pé e pronto! Lá estava a Praça do Ferreira, a Coluna da Hora, as bancas de revistas, os vendedores de bombons... Um mundo que meus filhos nunca puderam ver sozinhos quando eram pequenos. A cidade que eles herdaram já não é mais propícia à aventura que um dia vivi.

Fugi de casa por algumas horas, deu medo, mas foi sensacional.

Era uma tarde de junho e no centro da praça lá estava o "palácio" onde todos os sonhos se realizavam. Ali cabiam drama, comédia, aventuras e até viagens espaciais. Era assim que víamos o Cine São Luiz. O prédio sempre foi mágico, majestoso. Anos atrás, quando os cinemas de rua resistiam à modernidade, era possível ver as filas quilométricas nas ruas, serpenteando até chegar às bilheterias.

Ao ver a multidão, o coração da menina fujona disparou. Uma hora de espera e lá estava a porta do cinema aberta, dando as boas-vindas.

O cheiro da pipoca, o ruge-ruge de gente procurando uma poltrona para sentar, o som estrondoso que vinha da telona. Não havia dúvidas. A aventura já ia começar.

Era pequena a menina. Mas ali ela se sentia gigante e, se pudesse, teria parado o tempo para ver melhor aqueles enormes lustres de cristal, aquele mármore nas escadas, nas paredes, no chão. Cenário de conto de fadas, como na história de Cinderela que saiu do borralho direto para o baile do príncipe.

Lá dentro, o barulho das pessoas só não era maior do que a alegria da pirralha magrela. Como podia um lugar guardar tanta beleza? A decoração tinha tantos detalhes. Os arabescos de gesso subiam pelas paredes desenhando figuras de um estilo jamais visto. E as poltronas de couro vermelho enchiam o lugar que, a essa altura, estava repleto de gente ansiosa.

E o mais lindo de tudo: todos eram iguais. Não tinha rico, nem pobre, só gente feliz. Pelo menos, era isso que a menina enxergava. Não tinha gente branca ou preta, até porque, para que reparar na cor? Isso para ela nunca mudou. No cinema, respira-se igualdade. Seu escurinho apaga as futilidades sociais.

Para quem não sabe, São Luiz, o cine, que teima em permanecer vivo na Fortaleza moderna dos multiplex, também faz milagres.

Naquela tarde de 1978, fez uma menina de periferia, estudante de escola pública, acreditar que um dia ela seria mais do que uma fã na multidão. Um dia, ela viveria de sua paixão (pelo cinema e pelas letras). Um dia escreveria em jornais, assinaria seu nome em textos sobre filmes e diria a outras meninas iguais a ela que o sonho é como a arte. Vai além do impossível para transformar a vida.

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