Coronavírus: processos de adoção são prejudicados na pandemia

Com a impossibilidade de visitas presenciais, crianças e adolescentes, que deveriam ir para adoção, precisam aguardar ainda mais para terem direito a família. Sem perspectivas, 27 jovens fugiram dos abrigos durante pandemia

Escrito por Redação , metro@svm.com.br
Legenda: Crianças que estão na fila da adoção precisam esperar ainda mais para ganharem novo lar
Foto: FOTO: ALEX COSTA

Análises de documentos, audiências de Destituição do Poder Familiar (DPF), processos de vinculação de adotantes e adontandos foram algumas das etapas-chave do processo de adoção prejudicadas pela pandemia. Com o risco de transmissão do novo coronavírus, atividades presenciais necessárias para uma adoção segura, como o período de vinculação afetiva entre pretendentes e crianças ou adolescentes disponíveis, foram interrompidas. Enquanto isso, órgãos da Justiça buscam, por meio de videoconferências, dar celeridade a processos já em fase de conclusão, mas se preocupam com os prejuízos da demora e da incerteza sobre os novos pedidos.

Uma portaria da 3ª Vara da Infância e Juventude da Comarca de Fortaleza definiu, no dia 13 de abril, que processos com provas já consistentes de crianças que poderiam ser reintegradas à família biológica deveriam ser analisados mesmo sem as audiências com defensores, promotores, juízes, representantes de unidades de acolhimento, de instituições do terceiro setor e de parentes da criança. O objetivo é não causar prejuízo ao andamento das ações.

"Esse retorno para casa, principalmente neste momento de pandemia, é de extrema importância. A situação das crianças dentro das unidades não é confortável", afirma o defensor público Adriano Leitinho. Cerca de 25 casos de jovens que podem voltar às residências de origem ou para a família estendida serão prioridades, já que passar a quarentena no abrigo pode ser prejudicial. Com instituições recebendo mais de 30 pessoas, as unidades impossibilitam o isolamento social. Além disso, se os processos ficam parados, a chance de superlotação aumenta, com a chegada de novos internos.

Apesar de o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) ter aprovado a realização de audiências de forma remota até o dia 30 de abril, o Judiciário da Comarca de Fortaleza apontou não ser possível adotar a videoconferência, por "limitações técnicas" dos abrigos e falta de acesso à internet por familiares.

Diante disse, os processo de Destituição do Poder Familiar (DPF), necessários para inserção da criança ou adolescente no Sistema Nacional da Adoção (SNA), e, a vinculação - processo obrigatório para que elas sejam adotadas, estão suspensos. Foram retomados desde a última segunda-feira (04/05), por meio da Resolução nº 314, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), na Capital, audiências de retorno para famílias biológicas ou de adoção para famílias que já estão com criança ou adolescente em guarda provisória e cursos de preparação de pais e pretendentes.

Urgência

Segundo a defensora publica do Núcleo de Atendimento da Defensoria Pública da Infância e Juventude (Nadij), Ana Cristina Teixeira Barreto, são 408 acolhidos em instituições de acolhimento de Fortaleza, e é preciso fazer com que mais deles voltem para casa ou encontrem novas famílias, mesmo durante a pandemia. Foi solicitado ao Judiciário que casos em que o processo de vinculação afetiva entre adotandos e pretendentes já tivesse sido iniciado, com parecer positivo dos órgãos, também fossem julgados. Assim, as crianças migrariam ao convívio familiar mais cedo.

Apesar das dificuldades técnicas para realizar as audiências remotas, a 3ª Vara da Comarca de Crateús conseguiu efetivar um mutirão de reavaliação de processos por videoconferência. Os representantes da unidade de acolhimento utilizaram os próprios celulares para participação nas audiências. A situação das 13 crianças institucionalizadas no município foi analisada no mesmo dia, e três delas conseguiram sair da unidade de acolhimento.

De acordo com o juiz Marcos Aurélio Nogueira, uma delas foi adotada por uma família substituta, e as outras duas foram entregues para parentes que já tinham vínculo afetivo e condições de cuidar. "A gente se esforçou para que o ato processual acontecesse, para que as crianças não fiquem sem decisão atualizada. Esperar para voltar à normalidade penalizaria muito a situação delas", avalia.

Saúde mental

"Nós que estamos em nossas casas, diante dessa realidade, sentimos medo, insegurança, elevação no nível de ansiedade. E somos pessoas com informação, sabemos o que está acontecendo. Essas crianças, dentro dos abrigos, não", compara a coordenadora do núcleo de psicologia do projeto Rede Adotiva, Gilvânia Andrade. Conforme a defensora Ana Cristina, somente no período de isolamento, pelo menos 27 jovens fugiram dos abrigos de Fortaleza.

Gilvânia explica que quanto mais tempo as crianças passam no abrigo, mais resistência a vínculos afetivos podem desenvolver. "Quanto menos tempo nessa realidade adversa das instituições, mais fácil vai ser criar novos vínculos e confiar mais nas pessoas", pondera. Com o isolamento, ela acredita que a angústia da espera pela saída pode ser aumentada.

Enquanto os órgãos buscam uma alternativa para analisar processos já em conclusão, quem ainda está no início do pedido terá mais dificuldade ainda de avançar. Com visitas aos abrigos e inspeção técnica da casa dos pretendentes suspensas, a espera para a adoção fica ainda maior. No entanto, as inscrições e os cursos de formação das famílias que querem adotar continuam acontecendo.

A microempresária Hanna Menezes, 42, estava prestes a começar as visitas às unidades de acolhimento quando a pandemia começou. Ela e o marido decidiram adotar um adolescente, e o processo tinha tudo para ser rápido, já que esta faixa etária recebe poucos candidatos. "Eu não penso nem tanto em mim, penso neles. Como eles estão? É uma luta contra o tempo pra eles. Uma criança que poderia ser meu filho pode fazer 18 anos daqui a um ano e perder a chance de fazer parte de uma família".

No abrigo em que é coordenadora, Adriana Brasileiro mantém 12 crianças com até dois anos de idade. Como a lista de pretendentes é grande e os bebês são muito novos, geralmente não é necessário período de convivência prévio para fazer a adoção. Mesmo assim, a lentidão tem ocorrido no processo de destituição do poder familiar. Assim, pelo menos duas crianças abrigadas no local que estavam prestes a ter o processo concluído, ficando disponíveis para ir a um novo lar, sofrem com a demora e continuam institucionalizadas.

"O que elas precisam é estar em casa. Por mais afeto que a gente possa ter, por mais atenção que se dê, mas chega a hora de ir pra casa, isso é incontestável. Outras crianças também vão precisar vir, as vagas precisam surgir. É preciso que o Poder Judiciário e os outros órgãos olhem com muito carinho para essa questão", pede Adriana.

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