Com nova suspensão, desafios no ensino continuam na rede pública

A renovação do decreto, que barra as aulas presenciais por mais 30 dias, impõe mais dificuldade a estudantes que não têm acesso a ferramentas tecnológicas. Alunos e professoras relatam desafios e criatividade para o aprendizado

Escrito por Redação , metro@svm.com.br
Legenda: Sem computador, Carlos Elias usa o celular da mãe para fazer pesquisas e trabalhos
Foto: Foto: Thiago Gadelha

Diante da nova prorrogação por 30 dias na suspensão das aulas presenciais, que faz parte do decreto com medidas mais rígidas de isolamento social contra a Covid-19, estudantes veem prolongados também os desafios impostos para o aprendizado à distância, sobretudo na rede pública de ensino, onde o acesso a computador e internet é raro.

Na rede privada, o distanciamento provocado pelo novo coronavírus é superado com notebooks e tablets, mas na rede pública os alunos precisam de criatividade e força de vontade para não interromper os estudos. Carlos Elias de Sousa, 12 anos, é aluno da Escola Municipal Nossa Senhora Do Perpétuo Socorro, no bairro Álvaro Weyne. Em casa, ele realiza as atividades que recebeu dos professores. Os exercícios foram entregues à mãe do garoto no dia em que ela foi buscar uma cesta básica doada pelo programa "Comida em Casa", da Prefeitura de Fortaleza. Uma relação de tarefas foi passada, além de pesquisas. O problema é que a família de Carlos Elias não tem computador.

Para o garoto realizar as pesquisas escolares, ele usa o celular da mãe. "Está sendo estranho, pois sou acostumado a fazer trabalhos na escola. Sinto falta de alguém explicando e tem o barulho do pessoal da minha casa que atrapalha", explica Carlos Elias.

A falta de internet e computador também é uma realidade de alunos da rede estadual de ensino. Na Escola de Ensino Médio São José, no bairro São José, muitos estudantes possuem apenas pacotes promocionais de internet para uso no celular, com acesso apenas a mensagens de texto, em aplicativos como Facebook e WhatsApp. Existem alunos que até buscam supermercados do bairro para usar a rede Wi-Fi e baixar as tarefas. De alternativa, para quem não tem nenhuma solução digital, a direção da Escola imprime as atividades, que são entregues na portaria da instituição de ensino.

Camila Monteiro, coordenadora E.E.M São José, conta que boa parte dos alunos afirmam usar internet compartilhada com vizinhos, pagam de forma conjunta para reduzir custos. Ela observa uma motivação e uma nova cultura de estudos que não existia entre os alunos. "Boa parte dos alunos da escola pública não são autônomos nos estudos. Estamos vendo isso acontecer agora. Estamos vendo-os estudando, buscando professores, mandando e-mails, vendo vídeos no YouTube, procurando formas de aprender. A cultura do estudo, que nem todo mundo tinha, talvez esteja começando a surgir por conta da necessidade. Não estamos de férias e, sim, estudando".

Na E.E.M São José, assim como nas demais instituições do Estado, professores estão transmitindo aulas pelo aplicativo Google Meet. Os alunos também tem acesso ao Google Classroom, com acesso aos professores, atividades por e-mail e reuniões virtuais.

"Tem que ter uma desenvoltura hoje. Ele deixa de ser professor de sala para ser um verdadeiro youtuber, participando de lives". A coordenadora comenta ainda que o mesmo entusiasmo é passado pelos alunos da Educação de Jovens e Adultos (EJA).

Emocional

Para Isabel Ciasca, professora titular do Departamento de Fundamentos da Educação da Universidade Federal do Ceará (UFC), perda maior seria a vida de crianças e adolescentes por conta do Covid-19. Na avaliação da profissional de educação, os alunos enfrentam longos trajetos, seja na Capital ou interior, para chegar em casa ou na escola. Eles poderiam ser transmissores do vírus Sars-CoV-2 fazendo esse deslocamento diário.

"A vida não tem preço. Eles podem aprender o que seria passado em sala aula em outro momento. Do ponto de vista emocional, eles perdem o contato diário com amigos e professores, uma sociabilidade importante em diferentes faixas etárias. É interessante para eles ter esse convívio cheio de troca de experiências dentro da escola. Sim, pode haver algum impacto emocional", explica a professora.

Quanto à disparidade em recursos nos setores público e privado, Isabel Ciasca avalia que a pandemia apenas acentuou o que não é novo. "Embora alguns pais não concordem, o uso das tecnologias é irrevogável. Está acontecendo, nãovai voltar atrás. O que precisa é democratizar esse acesso para que elas sejam utilizadas na forma coletiva também na educação".

Ações

Com a prorrogação do decreto estadual que estabelece, por mais 30 dias, as ações de isolamento social, as pastas de educação da capital e do Governo do Estado afirmam que seguirão com as práticas de ensino em casa. A Secretaria Municipal da Educação (SME) tem disponibilizado para os alunos, desde o início de abril, atividades pedagógicas em regime de domicílio, em conformidade com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB). As orientações seguem o que pede o Conselho Nacional da Educação (CNE).

As diretrizes da Secretaria da Educação do Estado do Ceará (Seduc) apontam o livro didático como principal ferramenta para as aulas remotas. As atividades domiciliares são computadas como parte das 800 horas letivas obrigatórias. A Seduc também disponibiliza diversos sistemas online para professores e alunos realizaram as atividades pedagógicas. Há ainda uma parceira com a TV Ceará para a transmissão de aulas diárias.

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