Com mais de 100 mil casos de Covid-19, Ceará não pode reduzir cuidados

O número expressivo de notificações, segundo secretário da Saúde, decorre da quantidade de testes realizados e do fluxo turístico no Estado. Enquanto isso, familiares de vítimas e sobreviventes da doença narram histórias do pós-infecção

Escrito por Redação , metro@svm.com.br
Segundo a plataforma IntegraSUS, ainda há 61.802 casos investigados da doença
Legenda: Segundo a plataforma IntegraSUS, ainda há 61.802 casos investigados da doença
Foto: KID JÚNIOR

E se todas as pessoas que foram contaminadas pelo novo coronavírus no Estado do Ceará fossem habitantes de um único município cearense? Imagine uma cidade na qual todos, sem exceção, apresentaram quadros clínicos da Covid-19, foram examinados e, comprovadamente, testaram positivo para a infecção.

Se esta fosse uma realidade, talvez tivéssemos, hoje, o 9º município mais populoso do Ceará. Isto porque, o Estado já detectou a contaminação pela doença em 103.118 cearenses. O número só não é maior do que a população dos municípios de Fortaleza, Caucaia, Juazeiro do Norte, Maracanaú, Sobral, Crato, Itapipoca e Maranguape, conforme a população estimada para o ano de 2019 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

É como se, em pouco mais de três meses da circulação desse novo vírus, ele tivesse infectado toda a população de Iguatu e iniciado o processo de contaminação em outra cidade vizinha. "Quando a gente ouvia as primeiras notícias vindas da Ásia e, depois, passando pela Europa, por mais que a gente visse o que estava acontecendo no mundo, era difícil acreditar que a gente chegaria numa marca dessas aqui", analisa o médico patologista Igor Costa.

Conforme o especialista, no início, falava-se em cerca de 7 mil mortos no Ceará e esse número era lido, por alguns infectologistas, como "absurdo". Atualmente, de acordo com a plataforma digital IntegraSUS, gerenciada pela Secretaria da Saúde do Estado, 5.895 pessoas já faleceram em decorrência da Covid-19.

Análise

Para a infectologista Mônica Façanha, professora da Universidade Federal do Ceará (UFC), o número representa uma grande quantidade de casos, embora o receio fosse de não haver estrutura de saúde para os pacientes. "A gente sabe que há muitos assintomaticos ou pouco assintomáticos que não entraram nessa conta dos 100 mil, mas, possivelmente, ainda falta muita gente adoecer", analisa, ao passo que alerta para a necessidade de manter os cuidados.

"Não é porque está havendo um relaxamento que a gente pode se sentir totalmente liberado pra todos os contatos sociais", alerta Mônica Façanha. Na visão do patologista Igor Costa, este é o momento de reforçar a importância das ações de combate. "A grande forma de se proteger dessa doença ainda é com prevenção. Se previne da contaminação com máscara, asseio das mãos com água e sabão, álcool em gel e evitar contatos próximos das pessoas", relembra o médico.

É pensando nesses cuidados que se pode evitar a perda e os efeitos de uma doença da qual os cientistas ainda não sabem muito. Edson Cândido, de 44 anos, perdeu o primo Wilmerson no dia 2 de maio, durante o pico da doença no Ceará. Até agora, quase dois meses depois, o "estado de choque" ainda não cessou.

"A gente não conseguiu ainda chorar o luto do meu primo, porque foi muito rápido. E como esse vírus ataca as pessoas, não temos o direito de ter o enterro com dignidade, é tudo muito bárbaro. É como eu estava dizendo para a minha tia, a gente está tentando se salvar para depois pensar no que aconteceu", externa Edson, em referência à sua tia Maria Arlete Cândido, de 77 anos, que também se infectou com o vírus, passando 30 horas internada em uma unidade de saúde cearense.

Wandson Prata, por sua vez, ficou internado durante 31 dias. Aos 49 anos, o bombeiro perdeu 14 kg por causa da doença e teve os rins afetados, sendo preciso tratamento por hemodiálise para conseguir viver melhor. "Eu não me lembro com clareza dos dias que passei lá internado, a gente apaga mesmo. Você tem muita alucinação, muito sonho, mas a consciência mesmo veio poucos dias para eu sair do hospital", narra. Do mês o qual Wandson passou internado, 11 dias foram exclusivamente entubado. As perspectivas de melhoras eram bem baixas. "Meu pulmão estava 75% comprometido e, quando fui fazer hemodiálise, o médico disse que passaria pelos processos, no mínimo, durante três meses, mas superei em um mês, logo recebi alta. Então eu creio que sou um milagre".

Encaminhamentos

Entre notícias boas e ruins já publicadas durante a pandemia da Covid-19, Wandson, Wilmerson e Arlete são apenas três pessoas das 103.118 já registradas com a doença no Estado. Histórias que continuaram, quer sejam narradas pelos próprios sobreviventes, quer sejam pelas lembranças de um ente querido.

Segundo o secretário da Saúde do Estado, Carlos Roberto Martins Rodrigues Sobrinho, o Dr. Cabeto, o "Ceará viveu uma pandemia muito intensa" e foi uma das unidades federativas a chegar primeiramente ao pico por uma série de fatores que estão sendo analisados pela sua equipe. "Entre elas o fato de termos um acesso direto a diversos países, com fluxo de turismo muito alto, além de que também fomos o Estado que mais testou". Atualmente, já foram realizados 251.123 exames no âmbito estadual; a média é de 29,8 testes para cada mil habitantes.

Os desafios para frear a curva de contágio no Ceará agora se voltam para o interior do Estado, por isso, conforme Cabeto, é preciso "primeiro usar a inteligência de epidemiologia no momento certo. Fazer esse balanço de suspender atividades não para prejudicar a economia, mas para salvar a vida das pessoas e organizar o sistema para que as pessoas tenham como ser assistidas".

Para a infectologista Mônica Façanha, "o comportamento das pessoas vai indicar pra que lado a gente vai", se numa tendência de crescimento ou de redução no número de casos. "Era melhor que não tivesse acontecendo no Interior, com certeza, mas é melhor que aconteça em épocas diferentes do que tudo de uma vez", acredita.

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