Ceará perde 140 bolsas de pós-graduação da Capes; corte na UFC é de quase 10%

Redução de incentivo à pesquisa vem ocorrendo desde o fim do Governo Dilma, mas se intensificou na gestão Bolsonaro. Estudo aponta que, no Brasil, perdas nos incentivos financeiros podem chegar a 50% após portaria da agência de fomento à pesquisa

Escrito por Cadu Freitas , cadu.freitas@svm.com.br
Foto: Camila Lima

Os programas de pós-graduação cearenses perderam 140 bolsas após a publicação de uma portaria editada em março pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). A instituição é a maior financiadora de pesquisa do Brasil e, após o decisão, redistribuiu os auxílios financeiros a mestrandos e doutorandos por instituições, estados e até regiões.

Um estudo, publicado no fim de junho, tendo como base dados obtidos pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), a partir de uma ação judicial do Ministério Público Federal do Rio Grande do Sul, mostra que as novas regras levaram a perdas de até 50% das bolsas de pós-graduação em todo o País. 

De acordo com o coordenador da pesquisa, o astrônomo e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Thiago Signorini, o Ceará tinha 1.952 bolsas de cota permanente, ou seja, que são garantidas pela Capes e podem ser repassadas a demais alunos quando um estudante se forma ou abandona o curso. Agora, após as modificações na agência de fomento à pesquisa, sobraram 1.812. 

A Universidade Federal do Ceará (UFC) foi a que mais apresentou perdas. Até as mudanças na Capes, a instituição detinha um total de 1.593 bolsas permanentes; com as novas regras, agora são 1.444: corte de 9,4% na quantidade de pesquisas fomentadas nos campi cearenses. Embora alguns cursos tenham perdido bolsas, a Universidade Estadual do Ceará (Uece) ganhou mais oito benefícios da Capes, indo de 261 para 269.

Conforme Signorini, a pesquisa comprovou a redistribuição das bolsas entre instituições de estados diferentes por causa da nota do programa (a Capes ranqueia cada um entre os conceitos 3 e 7, do menor para o maior). “Quem perdeu mais foram os programas de notas menores, e os de notas maiores ganharam mais. Pode até ter gente no Ministério da Educação ou na Capes que defenda isso - que os programas de notas maiores são melhores - mas isso não é verdade. O que acontece no País é que um programa mais antigo está mais estabelecido, tem mais volume”, avalia o astrônomo. 

Pesquisas básicas

Segundo o pesquisador, o critério utilizado foi o número de doutores formados por cada programa de pós-graduação. “O que a Capes fez foi tirar bolsa desses programas pequenos e colocar nos grandes. O problema é que esses programas grandes já têm acessos a muitas outras fontes de financiamento e já estão, de certa forma, saturados. Do ponto de vista de regionalidade, foram bolsas que saíram de outras regiões do País e acabaram indo pro Sudeste, onde tem os programas mais antigos e maiores”, completa. 

Na análise do pró-reitor de Pesquisa e Pós-Graduação da UFC, Jorge Herbert Soares de Lira, o corte de bolsas vem ocorrendo desde o fim da gestão Dilma Rousseff, mas se acentuaram neste ano. Segundo ele, uma proposta havia sido discutida com a comunidade acadêmica no início do ano, mas com a mudança na Presidência e a posse de Benedito Guimarães Aguiar Neto, baixou-se uma nova regra que não havia sido discutida anteriormente.

A portaria a qual Jorge Herbet se refere é a número 34, publicada em 9 de março deste ano. Nela, a redistribuição das bolsas deveria respeitar novos critérios, como o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do município onde o curso é oferecido e o número médio de alunos que se formaram doutores e mestres. Mas a Capes não explica, de forma detalhada como isso ocorre. “Nessa nova proposta, houve perdas principalmente porque há bolsas que vêm para a pró-reitoria de Pesquisa e a gente utiliza de forma estratégica, para compensar programas que são novos, que têm poucas bolsas e não têm nota tão elevada”, explica o professor. 

O pró-reitor da UFC ainda argumenta que há uma mudança na estratégia de pesquisa que pode ser problemática, uma vez que há uma ótica “imediatista” em que os estudos têm de ser feitos focados em demandas específicas necessárias, como saúde pública e saneamento básico, por exemplo. “Às vezes as grandes soluções pra impasses tecnológicos, sociais, econômicos vêm da pesquisa básica”, narra o professor, ao passo que justifica que a Universidade construiu ao longo de 50 anos um parque de pesquisas básicas “muito sólido, muito robusto, em alguns casos de expressão internacional e isso pode ser afetado”. 

Bolsas de empréstimo

O estudo realizado pela UFRJ ainda aponta para consequências a médio e longo prazo na redução de bolsas, isso por causa da inclusão de uma nova modalidade de auxílio: a bolsa de empréstimo. Neste formato, um estudante pode concluir o seu curso na pós-graduação, mas aquela bolsa deixará de existir ao fim e não poderá ser redirecionada para outro aluno. Conforme a análise, o Ceará tem 286 bolsas nesse formato, das quais 243 são da UFC. Em linhas gerais, em até quatro anos, todas elas deixarão de existir.

Conforme a pesquisa, o Brasil tem, atualmente, 69,5 mil bolsas permanentes. Antes da inclusão do modelo de empréstimo, esse número era de cerca de 78 mil. Ao todo, somando permanentes e de empréstimo, o País tem 84,1 mil bolsas patrocinadas pela Capes. Para Thiago Signorini, “uma das conclusões do estudo é que quase 20% das bolsas do Brasil vão sumir nos próximos anos”. 

Em nota, a Capes disse que, a partir do novo modelo de distribuição de bolsas, aumentou em 3.805 o número de bolsas em cursos de pós-graduação no Brasil, saindo de 80.981 para 84.786. Segundo a agência, “42% dos cursos tiveram ganhos de bolsas e 38% mantiveram o mesmo número de bolsas” e “em cursos com redução de bolsas, nenhum estudante foi prejudicado”, uma vez que a instituição “manterá o pagamento do benefício até o final da sua vigência, por meio de bolsas empréstimos”. Segundo a Capes, esse modelo “veio para corrigir distorções na distribuição de bolsas no País”.

A agência de fomento à pesquisa ressaltou ainda que “as pesquisas, os programas de formação de recursos humanos e bolsas vigentes estão e serão mantidos”. 

Efeitos dos cortes

A redução na quantidade de bolsas para mestrandos e doutorandos no Ceará vem provocando um efeito dominó, que reverbera na quantidade de vagas ofertadas pelos cursos. No Programa de Pós-Graduação em Geografia da Uece, por exemplo, seis bolsas foram cortadas e, com a política implementada pelo Governo Federal, a tendência é de adaptação à nova realidade.

“Estamos gradualmente diminuindo a quantidade de vagas ofertadas para tentar equalizar a disponibilidade de bolsas, porque já temos uma fila de espera dentro do próprio programa de alunos matriculados que precisam”, afirma o professor Frederico Holanda, que coordena a pós-graduação. Segundo ele, 12 alunos do doutorado estão na lista de espera para receber o incentivo à pesquisa e, dos estudantes da última seleção, realizada em 2019, nenhum dispõe de bolsa ainda. 

“Alguns que estão classificados mais pro final, provavelmente, eles vão terminar o doutorado sem ter, porque não vai ter como concluir e repassar a tempo”, argumenta o coordenador. Conforme Frederico, além dos cortes, que já são ruins, é muito difícil lidar com as ações do MEC e da Capes porque há “descontinuidade” e uma série de “incertezas”. “Tem uma afirmação e, quando se passam dois dias, aquela afirmação já foi desmentida. Cada semana, é uma novidade, não tem um parâmetro para que se possa planejar. É difícil e a gente está andando às cegas sem saber qual tendência e indicações seguir”. 

As consequências das decisões tomadas também interferiram no Programa de Pós-graduação em Ciências Marinhas Tropicais da UFC. “No nosso caso, a gente perdeu infelizmente algumas bolsas porque o modelo de distribuição não é muito adequado. Mesmo a gente sendo um curso de nota 5 e estando numa área estratégica, que é a área de mar, economia do mar, pesca, aquicultura, mesmo com essa relevância socioeconômica”, avalia o vice-coordenador do curso, Marcelo Soares. 

Por causa do corte, o programa já reduziu o número de bolsas a fim de garantir que os novos alunos recebam o auxílio financeiro. Por isso, segundo o pesquisador, não há estudantes sem o benefício, uma vez que mestrandos e doutorandos estão tendo apoio da Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico (Funcap), do Governo do Estado.

“A nossa sorte é que o Governo do Estado do Ceará, através da Funcap, tem investido muito forte na questão das bolsas, senão estaríamos numa situação muito complicada. E Manter a quantidade de ingressos é muito importante até pra tentar justificar o custo-benefício da universidade pública”, finaliza.

Resposta

A CAPES informa que nenhuma bolsa destinada aos programas institucionais de pós-graduação será cortada. Os auxílios, considerados como empréstimos, voltarão ao sistema de pós-graduação e serão redistribuídos de acordo como os critérios do modelo de concessão implementado a partir de março.

A CAPES reforça ainda que o modelo será aperfeiçoado anualmente para melhor atender ao conjunto dos programas de pós-graduação e corrigir as distorções.

No caso dos cursos emergentes, que estão em fase inicial de implementação, a CAPES destaca que será lançado em breve um edital, em parceria com as fundações estaduais de amparo à pesquisa, como 1.800 bolsas para áreas estratégicas dos estados. E outras 720 bolsas específicas para os estados da Amazônia Legal.

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