CE: 7,5% das pessoas mortas por Covid-19 não tinham fator de risco

Quantidade é um alerta para adultos e jovens, mesmo pessoas sem doenças crônicas, puérperas e grávidas, em um contexto de crescimento da contaminação pelo novo coronavírus das faixas etárias entre 30 e 50 anos

Escrito por Cadu Freitas , cadu.freitas@svm.com.br
Legenda: Segundo o boletim, a média móvel de novos óbitos no município é a menor da série histórica
Foto: Helene Santos

"Duda, vou ser entubado. Não sei o que vai acontecer, cuida das pessoas aí pra mim". As palavras ouvidas por meio de um aplicativo de mensagens instantâneas tiraram o chão do administrador Eduardo Manoel Halley, de 45 anos. O apelido carinhoso pelo qual era chamado pelo seu irmão, Ricardo Halley, agora faz parte da série de memórias que ficaram dele.

Ricardo integra uma estimativa de pacientes que pouco se imagina que pudessem vir a ser vítimas da Covid-19. Dados da Secretaria da Saúde do Ceará (Sesa) apontam que 7,5% de todas as mortes provocadas pelo coronavírus ocorreram com pessoas que não integravam nenhum grupo de risco. Ou seja, essas vítimas não eram idosas, não apresentavam doenças crônicas, não eram puérperas e também não estavam grávidas. Nesse sentido, 538 pessoas morreram em decorrência da infecção, considerando o total de 7.122 óbitos contabilizados pela Sesa até o dia 14 de julho, em todo o Estado.

 

Ricardo Halley, por exemplo, tinha 42 anos e, assim como o irmão, era administrador. Embora estivesse como diretor financeiro de uma clínica de vacinação, no último mês de abril, ele sequer pisou na empresa ou trabalhou de forma remota. Foram mais de 30 dias entre uma unidade de saúde e outra, saindo de um tratamento para iniciar um novo, tudo isso provocado pelo coronavírus.

No 1º dia de maio, ele faleceu. Três dias antes, enviou aquele áudio que, até hoje, não saiu da cabeça de Eduardo. Foram as últimas palavras e o último contato sonoro que tiveram. "Sou uma pessoa tranquila em relação a saber que todos nós vamos morrer. Mas o sentimento é de raiva, e não é raiva pela morte, não. É por ter sido por uma coisa tão pequena. Eu perdi um irmão por algo que eu não sei nem o que é", desabafa.

Números

Com o recorte da faixa etária, das 538 pessoas que não integravam nenhum grupo de risco, 255 delas tinham entre 50 e 59 anos; 150 apresentavam idades entre 40 e 49 anos; 90 tinham entre 30 e 39 anos; e 22, de 20 a 29 anos.

Por outro lado, conforme a Sesa , até o dia 14 de julho, outras 992 pessoas não idosas, mas com doenças preexistentes, também faleceram por causa da doença. De acordo com a Sesa, desses pacientes que apresentavam fatores de risco para a Covid-19, 58% possuíam cardiopatia e 43,3% tinham diabetes mellitus.

Apesar de o número de óbitos ser maior no Ceará em decorrência da grande quantidade de vítimas idosas atingidas pelo vírus, a contaminação se espalha mais fortemente entre os adultos. Entre 1º e 16 de julho, cerca de 69% de todas as pessoas com testagem positiva para a Covid-19 tinham entre 20 e 59 anos. Em maio, no pico da pandemia no Estado, esse índice era de aproximadamente 80%. Incluso nele, estava o professor Filipe Adan, de 29 anos.

Caso grave

Foram 11 dias internado, seis deles em uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI) no Hospital Geral César Cals (HGCC). Filipe começou a apresentar os sintomas e, logo buscou atendimento em unidades de saúde mais próximas do bairro onde mora, no Rodolfo Teófilo. Embora tenham ocorrido problemas de direcionamento ao serviço hospitalar, o mais negativo, segundo ele, foi a falta de comunicação com os familiares.

"Eu achei que eu ia morrer. Foi muito difícil até porque a gente fica isolado, sozinho, e aí passa um turbilhão de coisas na sua cabeça, você sente a fraqueza do seu corpo tomando uma proporção grande, fica tentando respirar e não consegue", enumera o educador. A dúvida entre a complicação da própria saúde e a falta de informações sobre a da companheira, que também havia contraído a doença, o deixava ainda mais apreensivo.

Felizmente, embora a namorada tenha apresentado sintomas da doença, o quadro de saúde foi considerado leve. Do lado de cá, ela tentava descobrir informações sobre a saúde do companheiro. No dia 16 de maio, Filipe saiu da unidade hospitalar e a sua alta foi aplaudida pelo corpo médico - uma das cenas que ficarão marcadas não só na sua memória, como continua sendo um dos registros mais bonitos de toda a pandemia.

"Nesse dia, eu e mais três pessoas receberam alta ao mesmo tempo. Era muito gratificante pros profissionais da saude. Você via o cuidado e as recomendações que eles davam, pedindo para fazer exercícios em casa, cuidar da alimentação. Mesmo quando eu cheguei em casa, eles continuaram a ligar, perguntando como eu tava, se me sentia bem", conta.

O motivo

Embora os estudos sobre os efeitos da infecção provocada pelo novo coronavírus ainda sejam muito incipientes, a infectologista Mônica Façanha avalia que a ciência já sabe que a Covid-19 atinge em demasia os mais velhos e as pessoas com doenças crônicas preexistentes. "Talvez porque elas tenham resistência menor, reserva menor para resposta à infecção. Agora, porque 80% das pessoas não vão sentir nada ou vão sentir muito pouco, a gente ainda não tem essa resposta", ressalta a médica, ao afirmar que essas pessoas podem até apresentar dor no corpo, febre alta, mas, raramente terão maiores problemas.

Uma das possíveis justificativas para alguns casos graves e óbitos em pessoas que não façam parte do grupo de risco, segundo a infectologista, é a chamada "Tempestade de Citocinas". O termo se refere à uma reação hiperinflamatória do organismo ao vírus e só foi descoberto pela ciência há duas décadas durante outras epidemias, como a da SARS (2002-2003) e da MERS (2012). "Uma das formas de controle de infecção é o nosso organismo fazer uma resposta inflamatória. Quando a gente se machuca, ficar vermelho, ficar quente são formas que o organismo têm de se proteger. Mas se a gente tem uma resposta muito exagerada, ela pode ser maior do que a agressão que estamos sentindo", explica Mônica Façanha.

Segundo a infectologista, isso ocorre em alguns casos de dengue, quando há infecção sequencial por outro subtipo, por exemplo. "Mas, na Covid, ainda não está claro porque essa resposta exagerada, ao invés de ajudar o paciente, passa a agredi-lo", pontua a médica.

Taxa de letalidade se mantém em 5%

Em atualização nessa quinta-feira (16), o Ceará alcançou a marca de 144.058 casos confirmados de infecção pelo novo coronavírus. Os dados da Secretaria da Saúde do Estado (Sesa) apontam também que 7.139 pessoas perderam a vida em decorrência da doença e a taxa de letalidade se mantém em 5%. 

De acordo com o boletim epidemiológico da Secretaria, 117.563 pessoas obtiveram alta da Covid-19 e ainda há 73.513 casos em investigação. Ao todo, já foram realizados 371.056 exames para detectar o vírus no Estado.

Os indicadores mostram que a taxa de ocupação dos leitos de UTIs está em 72,54%, enquanto a de enfermarias, 38,85%. Cidade mais impactada pela doença no Ceará, Fortaleza acumula 38.869 diagnósticos positivos da infecção e 3.573 óbitos. 

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