Casulo para um forasteiro

Escrito por André Costa , andre.costa@diariodonordeste.com.br
Legenda: O primeiro passo é a exigência para se chegar a algum lugar. E, sem rumo, apaixonei-me por Fortaleza.
Foto: FOTO: JL ROSA

A maioridade civil me concedeu muito mais do que o poder legal de usufruir plenamente de todos os meus direitos e, por conseguinte, ser responsabilizado pelos meus atos. Foi aos 18 anos que quebrei o casulo paternal que, até então, me revestia de segurança e empurrei o medo da solidão para bem longe. A simbólica idade me levou além.

Fechar as portas da casa onde nasci, cresci e me desenvolvi enquanto homem não foi fácil. É horrível perder o equilíbrio. Se distanciar do único porto seguro experimentado ao longo de quase duas décadas era assustador. Despencar de forma atabalhoada em meio ao mundo infinito e desconhecido dificultava qualquer plano racional de traçar uma jornada segura.

Daquele abraço apertado e duradouro de despedida que dei em meus pais, colhi cada vibração de afeto e carinho emanada por aqueles corações quentes e verdadeiros. Segui. O primeiro passo é a exigência indispensável para se chegar a algum lugar. Tinha que seguir rumo a "algum lugar". E quem disse que eu precisava ter um destino? Às vezes, a hora de seguir chega muito antes à existência do lugar desejado. Começava, então, minha peregrinação.

Estando sem lar, qualquer abrigo singelo poderia ser um novo casulo. A vida me apresentou primeiro à cidade do Crato, depois Juazeiro do Norte, Dublin, na Irlanda e, finalmente, Fortaleza. O forasteiro que aprendeu a viver sem lar foi enamorado por um cidade cosmopolita: a cidade da luz, Terra do Sol.

Não foram os arranha-céus exuberantes fincados na extensa, vibrante e plural orla de Fortaleza que me conquistaram. Oito anos após ter rompido o casulo, meus olhos já tinham fotografado incontáveis belezas - seja as construídas por mãos divinas, ou as erguidas pelo homem.

Não foi o mar quilométrico. Tampouco foram as noites festivas em polvorosa, quase intermináveis que chegam a desafiar os limites do corpo e da euforia. Não foram, também, os parques ecológicos ou os mercados charmosos e repletos de variedades. Nem as pessoas acolhedoras e dispostas a te ajudarem.

Fortaleza me revestiu, tal qual aquele casulo rompido anos atrás, pelo todo e não pelo singular. O singular, aliás, não está presente nesta cidade, terra natal de meu amável e protetor pai.

A soma confere à capital cearense um ar único. Praia, orla, prédios, parques, festas, mercados e pessoas quentes, assim como a cidade. Já o trânsito, não, esse não me cativa. Mas me é útil, veja só. Os longos minutos depositados em congestionamentos diários me faz refletir. Analisar. E, porque não, contemplar?! Da janela do meu carro vejo a vida. Crua como ela é. Sem maquiagem. Verdadeira. Aqui habita o todo.

Fortaleza, no entanto, não abriga somente o belo. Constato a pobreza e o abandono social estampados na face dos moradores de rua e, no mesmo quadro, vejo prédios, museus, parques e riqueza. Não somente a conferida pelo dinheiro. Mas aquela possibilitada pela soma das diferenças.

Fortaleza não está imune aos desnivelamentos sociais das grandes cidades. Não está alheia aos problemas das metrópoles. Mas quem está?

Foi com esse cenário de erros e acertos - inerentes à Fortaleza - que eu fui forjado. Hoje meus escorregos não me incomodam como outrora.

Quando caio, antes mesmo de beijar o chão, já calculo quanto tempo careço para me levantar. A não-imunidade nos torna real. E a síntese dessa realidade resultou em um novo casulo. Fui abraçado pela luz, pelo sol. Por Fortaleza.

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