O uso de medicamentos do chamado 'Kit Covid' voltou ao debate após entidades médicas e científicas brasileiras assinarem documento pedindo o banimento dos medicamentos no tratamento da Covid-19. A elaboração do boletim foi liderada pela Associação Médica Brasileira (AMB).
Especialistas ouvidos pelo Diário do Nordeste ressaltam que os medicamentos não possuem eficácia comprovada, mas alguns defendem o uso mediante prescrição do médico. O conjunto de medicamentos batizado como 'Kit Covid' inclui cloroquina, azitromicina, hidroxicloroquina e ivermectina.
O infectologista Roberto Justa relata que o uso "indiscriminado" destes medicamentos que "não se mostraram eficazes no tratamento da doença" não passa "de uma grande farsa".
"Tal farsa tem um custo muito elevado, financeiro e principalmente de vidas perdidas. Muitos acreditaram nisso e relaxaram em medidas que realmente funcionam, como isolamento social, uso de máscara, higienização das mãos", afirma.
Sem comprovação de eficácia
O posicionamento do infectologista, que integra o Coletivo Rebento - Médicos e Defesa da Vida, da Ciência e do SUS é corroborado pelo boletim do Comitê Extraordinário de Monitoramento da Covid-19 grupo liderado pela Associação Médica Brasileira (AMB).
Em um dos itens, a entidade reforça a contra-indicação de medicações como a hidroxicloroquina e a ivermectina e pedem, portanto, que esses medicamentos sejam banidos do tratamento contra a infecção.
"Não possuem eficácia científica comprovada de benefício no tratamento ou prevenção da COVID-19, quer seja na prevenção, na fase inicial ou nas fases avançadas dessa doença, sendo que, portanto, a utilização desses fármacos deve ser banida", diz o texto.
Autonomia do médico
Médico da linha de frente do atendimento a pacientes com Covid-19, Vicente Freire defende que, no atendimento ambulatorial, é necessário respeitar a autonomia do médico. "Nenhum medicamento tem eficácia comprovada. As evidências são conflitantes, é necessário estudar mais", explica.
Ele aponta que o ideal é que houvesse a vacinação em larga escala e o acesso a medicamentos com eficácia comprovada. Na ausência disso, ele afirma que cada médico deve ter a liberdade de, ao fazer o acompanhamento do paciente, poder prescrever o medicamento mais adequado.
O presidente do Conselho Federal de Medicina (CMF), Mauro Ribeiro, afirmou que não irá rever a posição sobre os medicamentos usados como "tratamento precoce".
"Nesse momento não vemos necessidade de modificar o parecer e temos dificuldade de entender por que tamanha resistência de se respeitar a autonomia do médico e a do paciente para o tratamento de uma doença que não tem tratamento conhecido nessa fase", afirmou nesta quinta (25).
Roberto Justa critica a posição da entidade. "(Isso) vai de encontro a um dos princípios fundamentais da bioética, 'primum non nocere' ('antes de tudo, não fazer mal' ao paciente) e distorce a compreensão do que é autonomia médica", argumenta.
Acompanhamento médico
Diretor da Sociedade de Cirurgia Vascular Regional Ceará, Vicente Freire esclarece que existem dois casos em que a utilização de medicamentos do 'Kit Covid' é comprovadamente contra-indicada.
"O uso hospitalar não se mostrou benéfico para os pacientes. Os hospitais não utilizam em pacientes hospitalizados, a não ser em casos específicos", detalha. Um dos exemplos é a ivermectina, utilizada para balancear efeitos negativos do uso de corticóides - medicamentos necessários em pacientes que estejam fazendo uso de oxigênio.
Ele enfatiza ainda que as pessoas não devem fazer o uso de nenhum medicamento que integra o 'Kit Covid' sem a prescrição e o acompanhamento médico. "Na pandemia, as pessoas, por conta do medo, estão se colocando em um risco desnecessário", afirma.
Entre os efeitos colaterais, ele cita alterações hepáticas, sangramentos intestinais e problemas no sistema imunológico. Na última semana, foram registrados, em São Paulo, cinco pacientes que estão na fila do transplante de fígado após o uso das medicações.
"Precisa de avaliação médica. (Os medicamentos) Não têm eficácia comprovada) e é arriscar a própria saúde por acreditar que o remédio vai fazer efeito, mas sem ser avaliado pelo médico", afirma Freire.