Nos últimos três anos, 162 tartarugas marinhas foram encontradas sem vida em praias do Ceará. O número de mortes representa 84,3% do total de animais encalhados, que somaram 192 no período. As informações são do Instituto Verdeluz, uma Organização da Sociedade Civil (OSC).
A Instituição observou um aumento gradativo de animais em estado de óbito. O menor registro ocorreu em 2017 com 12 mortes. Entre 2018 e 2019, contudo, as mortes de tartarugas saltaram de 39 para 111, quantidade quase três vezes maior. Ao mesmo tempo, os encalhes contabilizados no triênio chegaram a 20, 48 e 124, respectivamente.
Entretanto, segundo a professora Caroline Vieira Feitosa do Instituto de Ciências do Mar (Labomar) da Universidade Federal do Ceará, o número acentuado de um ano para outro não quer dizer que mais tartarugas estão morrendo no Estado. A engenheira de pesca esclarece que o aumento dos casos pode ser devido ao acompanhamento mais intenso do Grupo de Estudos e Articulações sobre Tartarugas-Marinhas (GTAR) do Verdeluz. "Eles passaram a frequentar mais vezes as praias", aponta.
Registros
O levantamento mapeou os dados separando Fortaleza dos demais municípios no litoral do Ceará. Quando analisados os dois grupos, a Capital teve 68 mortes entre 2017 e 2019, enquanto a Região Metropolitana de Fortaleza (RMF) e o interior acumularam 94 óbitos de tartarugas. Conforme o estudante de Oceanografia e voluntário do Instituto Verdeluz, Hélio Marques, os animais achados passam por avaliação imediatamente após a constatação da morte.
"Quando a gente encontra, o procedimento principal é medir a tartaruga e tentar identificar a espécie. Dependendo de como estiver a situação, é feita a necropsia para identificar a causa da morte, ou se estiver em decomposição, a gente enterra na praia", explica.
A maior parte das tartarugas achadas na faixa de areia são a pente e a verde, espécies que desovam no Ceará. Esses animais têm as vidas interrompidas por causa da pesca de rede. A bióloga do Instituto, Alice Frota, aponta que elas não conseguem sobreviver após ficarem presas nos materiais usados por pescadores.
"Acontece bastante, a gente receber tartaruga com uma das patas enrolada em rede de pesca ou em anzol. Muitas encalham com alguma lesão no casco ou na cabeça, porque, às vezes, batem no barco. Algumas também já chegam com algum tipo de amputação porque é comum o pescador, na pressa de não rasgar a rede, acabar cortando o membro da tartaruga", detalha.
Outra causa apontada pela bióloga é a presença de lixo no intestino dos animais. "Isso significa que muitas delas morreram de inanição porque pararam de se alimentar. O cérebro diz que elas estão saciadas, mas não, é o conteúdo que está dentro e elas não conseguem expelir", diz, complementando que o material é visto no exame de necropsia.
As manchas de óleo que surgiram no litoral cearense em setembro de 2019 atingiram 21 das 111 tartarugas mortas no ano passado, segundo Hélio Marques. O Instituto do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) indica que o petróleo cru afetou 48 trechos litorâneos de 18 municípios do Ceará. No entanto, o voluntário pondera que ainda não é possível afirmar se os óbitos das tartarugas foram provocados pelos resíduos.
"Eles tinham óleo no seio do corpo ou estavam cobertos, mas não dá para tirar uma conclusão de que o aumento do número de casos está associado com o óleo". O Instituto, informa, segue estudando a contaminação dos animais afetados pelo resíduo, além de continuar acompanhando os casos de encalhes e óbitos.
Últimos casos
Em janeiro deste ano, nove tartarugas já foram encontradas mortas. Desse número, quatro aconteceram em Fortaleza. Entre os casos, no dia 19 do mês passado, o corpo de uma tartaruga foi visto encalhado nas proximidades da Ponte dos Ingleses, na Praia de Iracema. O animal apresentava marcas de sangue ao redor dos olhos, inchaço e rachaduras no casco.
"O Ceará não tem nenhuma estrutura para reabilitação desses animais para eles serem tratados com veterinário e retornarem ao mar", destaca Caroline Vieira Feitosa, do Labomar. Dessa forma, as tartarugas encontradas com vida são encaminhadas para o Projeto Cetáceos da Costa Branca (PCCB), em Areia Branca, no Rio Grande do Norte (RN).
A bióloga Alice Frota aponta que a Secretaria do Meio Ambiente do Ceará (Sema) ajuda no resgate e no transporte dos animais junto com o Batalhão de Policiamento Ambiental (BPMA). "A gente tem conseguido um apoio muito grande desde o ano passado com a Sema e tem facilitado, mas reabilitação para tartaruga não tem".
A reportagem do Diário do Nordeste questionou à Pasta estadual as políticas públicas direcionadas à prevenção e resgate das tartarugas e como o monitoramento dos animais é feito. A resposta para a demanda não foi enviada até o fechamento desta edição.
Tamar
O Ceará, de acordo com o coordenador regional do Projeto Tamar/Fundação Pró-Tamar, Eduardo Lima, possui duas áreas prioritárias para conservação de tartarugas: a praia de Almofala, em Itarema, e a Volta do Rio, em Acaraú, consideradas relevantes para alimentação desses animais. "Você tem animais provenientes de várias partes do mundo indo para aquele local específico, se concentrar, passar dois, três, quatro anos se alimentando para depois retornar para o local de origem", explica.
A base do Tamar foi instalada no Estado em 1993. Desde então, o projeto acumula o salvamento de mais de 5.800 tartarugas de cinco espécies. Os animais são capturados durante a atividade pesqueira. "Os currais de pesca da região não matam tartarugas. Todos os dias, a gente acompanha e quando os pescadores passam a rede e vêm tartarugas, nós fazemos o manejo", pontua Eduardo Lima.