A cada 10 óbitos de bebês no Ceará, 7 são de crianças com até 28 dias de vida

Em 2018, o Ceará teve 1.039 mortes de bebês antes do primeiro mês de vida. A situação preocupa e as precariedades nas maternidades, sobretudo no interior e na rede de atendimento materno-infantil, explicam a quantidade de óbitos

Escrito por Thatiany Nascimento , thatiany.nascimento@diariodonordeste.com.br
Legenda: As mortes são efeitos de um conjunto de falhas. Em algumas regiões do interior, a situação é ainda mais alarmante
Foto: FOTO: ALEX COSTA

Gerar. Preparar-se durante nove meses para o momento de parir. Entregar-se a um processo que, apesar de natural, é complexo e requer a garantia de diversas assistências integradas para que o parto não se transforme em trauma. No Ceará, a taxa de mortalidade infantil registrada em 2018 foi de 11 mortes a cada 1.000 nascidos vivos. Em números absolutos, 1.470 bebês morreram. Desses, 1.039, o equivalente a 70% do total, faleceram nos primeiros 28 dias de vida. A situação é de alerta, e as precariedades nas maternidades, sobretudo no interior e na rede de atendimento materno-infantil, explicam o cenário.

As mortes são consequências de um conjunto de falhas em, pelo menos, três dimensões de assistência: no pré-natal, na hora do parto e nos cuidados ao recém-nascido. Os índices, informados pela Secretaria Estadual da Saúde (Sesa), dão conta de que as taxas de mortalidade infantil, nos últimos cinco anos, seguem estáveis no Estado. Ainda assim, embora as taxas de mortes estejam dentro do que a Organização Mundial da Saúde (OMS) classifica como "aceitável", precisa recuar.

Divisão

O cálculo da taxa de mortalidade infantil no Brasil leva em consideração todos os óbitos de crianças registrados a partir da hora do nascimento até 1 ano de idade. Dentro deste grupo, explica a obstetra e presidente da Sociedade Cearense de Ginecologia e Obstetrícia, Liduína Rocha, há o óbito neonatal; que vai do nascimento até o 28º dia de vida; e o pós-neonatal; do 28º dia de vida até 1 ano. Entre os óbitos neonatais, há ainda o chamado neonatal precoce, que vai do 1º ao 7º dia de vida.

Conforme Liduína, que também é coordenadora do programa Nascer no Ceará, do Governo do Estado, "metade das crianças que morrem até o primeiro ano de vida, morre na primeira semana". O Diário do Nordeste solicitou à Sesa a quantidade, em números absolutos, dos óbitos neonatais precoces no Ceará entre 2014 e 2018, mas não obteve resposta. Levando em consideração a estimativa da obstetra, em 2018, cerca de 750 crianças morreram no Estado nos primeiros 7 dias de vida.

12 óbitos a cada mil nascimentos
É a meta da Organização Mundial da Saúde (OMS) para a mortalidade neonatal no mundo até 2030

"Quando a gente tem esse indicador predominando, temos que olhar se está acompanhando o pré-natal com qualidade, está acompanhando a linha dos nascimentos com qualidade e se os cuidados com o recém-nascido, após o nascimento, estão sendo adequados ou não", reitera Liduína.

Ela explica que, hoje, de modo geral, o Ceará tem quantidade adequada de pré-natal, mas falta qualidade. "O Comitê de Prevenção à Mortalidade Materno Infantil e Fetal do Estado, anualmente, vem sendo alimentado pelos comitês macrorregionais. Eles tentam investigar os óbitos que aconteceram na semana anterior. Em 2018, mais ou menos 93% dos óbitos infantis eram óbitos evitáveis. Existem as causas de evitabilidade. Um terço deles era evitável por alguma ação no pré-natal que não foi feito adequadamente. Eram crianças que deveriam ter tido uma intervenção mais precoce, criança que tinha sífilis e não tratou", acrescentou a obstetra.

Unidades

No que diz respeito à qualidade das maternidades, Liduína avalia que esse é um dos grandes gargalos. O diagnóstico inicial do Nascer no Ceará, criado em 2018, constatou que diversas maternidades do Estado não garantem assistência adequada. Um dos planos do programa é redimensionar a rede de unidades do tipo. Aquelas que fazem menos de 300 partos ao ano devem passar por reestruturação.

Isto porque, esclarece a médica, por não realizarem partos com frequência, nessas maternidades os profissionais "não estão habituados a conduzir assistência ao parto. A maioria desses profissionais não tem intimidade com a obstetrícia. São médicos generalistas, recém-formados, e esses profissionais precisam ter um treinamento de educação continuada e eles precisam entender os fluxos e protocolos".

1.470 mortes de bebês no Ceará
A taxa de mortalidade infantil no Estado, em 2018, foi de 11 mortes a cada 1.000 nascidos vivos.

Liduína acrescenta que "temos maternidade no interior do Estado que em um ano houve três partos, 10 partos. Certamente quem está lá não está acostumado a acompanhar os partos. O local onde uma mulher vai parir, o CEP dela é um dos principais determinantes pro risco de ela morrer ou não", enfatiza a obstetra.

A proposta de redimensionar a rede, com a diminuição dos pontos de assistência obstétrica hospitalar, segundo ela, visa aumentar a qualidade dos que permanecerem. Um dos passos para isso é garantir que as equipes tenham, pelo menos, médico obstetra, enfermeiro obstetra, técnico de enfermagem, médico neonatologista, anestesiologista e enfermeiro neonatologista. Sobretudo, em regiões como Sertão Central e Litoral Leste, onde conforme a enfermeira e coordenadora do Cuidado Materno-Infantil da Sesa, Silvana Napoleão, a realidade é a mais preocupante no Ceará.

Via de parto

Outro fator relevante nesse cenário é que, embora o parto vaginal seja considerado mais seguro que a cesárea, as condições de realização desses procedimentos são que determinam a segurança do nascimento do bebê. "Quando a gente olha para o Ceará e analisa a realidade obstétrica do interior, fica muito claro que temos uma rede de atenção ao nascimento que não é, na maioria das vezes, segura, nem para a gestantes e nem para crianças. Uma parte significativa das crianças que morreram com a mãe tendo tido parto normal, muito provavelmente foram partos que não foram assistidos adequadamente. Então, a questão não é o parto. É a assistência".

Liduína reforça que os melhores indicadores de mortes materna e de mortalidade infantil são em países onde a taxa cesárea é baixa e a taxa de parto vaginal muito alta.

Contudo, a obstetra reitera a interferência da ambiência segura para a mãe e para a criança. "Ressalto que a cesárea é uma tecnologia que salva vidas, quando indicada. Mas quando a gente banaliza o uso da cesárea, a gente aumenta o risco de prematuridade para as crianças e todas as complicações da prematuridade e aumenta a chances de hemorragia materna. Então, tem que usar a cesárea para quando ela é bem indicada".

No Ceará, o parto cesariano, embora seja considerado menos seguro, é realizado com mais frequência. Segundo dados do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DataSus), até abril de 2019, 17.048 cesarianas foram feitas no Estado, contrastando com 15.664 partos vaginais. Nos anos anteriores, a diferença permanece. Em 2018, foram 49.942 vaginais e 53.265 cesarianos.

A coordenadora de Políticas e Atenção à Saúde da Sesa, Magda Almeida, reitera as percepções das profissionais do programa Nascer no Ceará. Ela reforça as preocupações com os "ambientes inseguros de saúde". "A gente não está tendo qualificação adequada para fazer este tipo de parto (vaginal). Falta uma maior formação da equipe de médicos e enfermeiros obstétricos que possam identificar sinais de alarme na gestação", avalia.

No interior, destaca ela, com equipes reduzidas e maternidades que não realizam tantos partos quanto a Capital, mães e bebês estão mais propícias a serem vítimas do despreparo profissional.

"As maternidades do interior fazem menos de 300 partos por ano e são ambientes muito inseguros, pois não têm plantonista para cobrir os plantões e não há profissionais suficientes para reconhecer rapidamente uma gestação de risco", analisa Magda.

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