Passeio Público: berço de uma grande paixão

Jogada inicia série em alusão ao centenário do Estadual, que deu seus passos mais tenros na famosa praça

O cenário não poderia ter sido outro. Há exatos 110 anos, no Passeio Público, pela primeira vez, uma bola rolava em Terras Alencarinas. Em dezembro de 1903, um navio inglês ancorou em Fortaleza. A delegação inglesa ia praticar o futebol na Argentina, onde já era um pouco conhecido. Os fortalezenses fizeram uma recepção. E a delegação, para agradecer, organizou uma partida de futebol, no 3º Plano do Passeio Público.

No entanto, o futebol só engrenaria de vez, como esporte em Fortaleza no ano seguinte, em 1904. Em dezembro daquele ano, outro navio inglês ancorou na Capital. Já havia ingleses residentes aqui que trabalhavam em firmas e companhias britânicas. E graças ao desportista José Silveira, que trouxe uma bola de couro do Rio de Janeiro, acontecia a primeira partida de futebol no Ceará. O palco foi o Passeio Público. No dia 24 de dezembro, às 15 horas, os cearenses com um time chamado de Foot Ball Club jogaram contra os Ingleses. Apesar de muito esforço, os cearenses perderam por 2 a 0.

Nos colégios

Após a partida, o futebol passou a ser praticado no ano seguinte, em 1905, ainda no Passeio Público. Todavia de 1906 até 1912, o esporte passou por uma crise.

O esporte de origem inglesa ficou um pouco de lado e passou a ser disputado só por alunos dos colégio Liceu e Castelo. Segundo Nirez de Azevedo, em seu livro: "História do Campeonato Cearense de Futebol", graças a esses dois colégios, futebol ressurgiu e se sustentou até a criação do primeiro certame: A Liga Metropolitana de Futebol.

Nos anos de 1912 e 1913, aconteceram na cidade várias partidas de futebol. Já haviam inúmeras praças esportivas e os clubes existentes, tais como English Team, Maranguape e Rio Negro decidiram criar uma liga para que os resultados fossem computados. E em 1914 ocorreu o primeiro torneio no Ceará. Participaram o English Team, Hésperia, Rio Negro, Rio Branco e Stella. O Rio Branco, que possuía bons jogadores, venceu a disputa sem dificuldades.

Liga Metropolitana

Em 1915, a Liga Metropolitana de Futebol ganhou força. E novos adeptos. Naquele ano, participava pela primeira vez, o Ceará, que dominaria o futebol local até o fim de 1919. No ano de 1915 participaram também Maranguape, Rio Negro e Stela.

O campeonato iniciou em julho e teve Stela e Ceará como os principais rivais. No dia 7 de novembro do mesmo ano, no Campo do Prado, aconteceu a grande final. De registro histórico há apenas a edição de 9 de novembro do Diário do Estado, que relata a vitória do Alvinegro desta maneira: "Effectou-se domingo último no final do bairro do Bemfica o anunciado jogo de foot-ball entre as poderosas equipes do Stella Foot Ball Club e Ceará Sporting Club. "A numerosa assistência que enchia as arquibancadas do Stella teve incontestavelmente a magnifica oportunidade de assistir ao lindo jogo desses fortes elevens, cheio de phases e lances lindos".

O mesmo periódico relata em suas páginas que os gols do Ceará foram marcados por Humberto Ribeiro e Pacatuba. Para o Stella, Pedro Riquet. A partir de então, os Alvinegros se tornaram imbatíveis. Conquistaram mais quatro títulos e sagraram-se, no fim de 1919, pentacampeões cearenses.

Ceará de 1915. O Alvinegro surgiu como uma potência nos primeiros campeonatos estaduais. O ápice dessa primeira grande fase da história do clube de Porangabuçu foi a conquista de um pentacampeonato Fotos: Divulgação/ O Fortaleza na década de 20 foi soberano. Com um time repleto de craques, o Leão conquistou quase tudo. Foram dois bicampeonatos e um tricampeonato. Em 1927, a temporada ficou marcada como o ano das goleadas mais marcantes

Toalhas e rivalidade

Com o Ceará Pentacampeão da Liga Metropolitana, o Fortaleza, tendo Alcides Santos na presidência, articulou um bom time para tentar impedir um possível hexa do rival. O certame mudara apenas de nome, mas a rivalidade já começava a se desenhar. O Tricolor investiu pesado e contratou jogadores que já chamavam a atenção em campos como o do Prado, Alagadiço e Pelotas.

O Leão acertou com goleiro Quinderé e atletas de peso que se tornariam os primeiros ídolos, como Humberto Ribeiro e Juracy. E não deu outra. Com um time repleto de craques, o Fortaleza venceu os certames de 1920 e 1921 e perdeu o seguinte para o rival Ceará. O ano era 1922. A Liga Metropolitana tinha sido um sucesso e o novo Estadual, organizado pela então Associação Desportiva Cearense, já tomava espaço no gosto da população local.

Bicampeão e favorito ao certame de 1922, o Fortaleza manteve praticamente todo o elenco dos dois anos anteriores. Já o Ceará tentava acompanhar o ritmo e se virava como podia.

Para por fogo na disputa, o então presidente da Associação Desportista Cearense, Silvio Gentil de Lima, chamou a Taça daquele ano de "Taça do Centenário da Independência".

Pelas principais ruas da cidade, a conversa não poderia ser outra. Quem iria vencer o certame daquele ano? O Fortaleza liderava as apostas e iniciou a disputa arrasador, com vitórias sobre Ceará, América, Botafogo e Guarany. Humberto Ribeiro e Juracy eram os nomes dos jogos.

No entanto, na reta final, o Vovô conseguiu mais fôlego e colidiu de igual para igual com o Fortaleza na decisão. O Campo do Prado estava lotado em 10 de setembro de 1922. A torcida compareceu e viu um show, mas não de Humberto Ribeiro ou Juracy, até então destaques do cearense, mas sim de Walter Barroso. O Ceará goleou o rival por 4 a 1 e levou a Taça do Centenário da Independência. Fato marcante é que a partir daquele ano surgia uma das maiores rivalidades do futebol nacional.

O Fortaleza, confiante e mais do que favorito, reservou um banquete para comemorar o tricampeonato no famoso Rotisserie Sportman. Local charmoso, situado no Centro da Capital. A diretoria do Ceará, sabendo da reserva, manteve a sua, porém, pediu para que o gerente trocasse as toalhas do salão de tricolores para alvinegras. Nascia então, ali, a grande rivalidade.

Massacre de 27

Após esse desfecho desastroso de 1922, o Fortaleza se recuperou e tomou os títulos de 1923 e 1924. O sonho da diretoria leonina era conquistar o tricampeonato. E de novo o time era o favorito. Mas o certame mais uma vez foi decidido ponto a ponto, com o Fortaleza vencendo o turno e o Ceará dando o troco no returno.

No dia 18 de outubro de 1925, quando o Fortaleza comemorava o seu 10º aniversário, os dois times chegaram ao campo do Alagadiço para decidir o certame. O jogo foi disputado sem energia, e já no escuro, o árbitro terminou a partida, que ficou em 0 a 0. Em 1º de novembro, mais uma partida. Com gols de Pau Amarelo e Braun o Ceará, mais uma vez, adiou o sonho dos tricolores de conquistar o tricampeonato.

Com um timaço, o Fortaleza levou os certames de 1926, 1927 e 1928. O título de 1927 foi o mais marcante.

Fato histórico se deu no dia 17 de julho, ocasião em que Leão aplicou a maior goleada já vista em Clássicos-Rei: 8 a 0 no rival. O "Massacre de 27" aconteceu no Campo do Alagadiço, situado nas proximidades da Igreja de São Gerardo. Gols de Hildebrando (3), Pirão (2), Xixico, Humberto e Juracy.

Em 1929, problemas financeiros e divergências entre diretores e jogares tricolores fez com que um possível tetra fosse adiado. O Maguary, o chamado "Clube dos Príncipes", venceria naquele ano e o Fortaleza daria uma pausa em suas atividades, retornado apenas em 1933.

GIORAS XEREZ
ESPECIAL PARA O JOGADA