Pais e Filhos em lados opostos no Clássico-Rei: uma paixão dividida

Diário do Nordeste conversou com uma família que os filhos torcem para times diferentes dos pais, vivenciam a rivalidade em casa entre Ceará e Fortaleza

Legenda: Kauan, Vandin e Seu Miguel: três gerações de uma família que respira futebol, principalmente Ceará e Fortaleza
Foto: KID JUNIOR

Dia de Clássico-Rei é sempre especial e marcante para as torcidas de Ceará e Fortaleza. Um duelo centenário, que mexe com os corações das duas torcidas, mudando a rotina das famílias que compartilham a ansiedade antes do Clássico, a tensão do durante e o desfecho após o jogo. E neste domingo, às 16 horas no Castelão, será disputado mais um Clássico-Rei, pela 22ª rodada da Série A, com um componente que deixa o jogo mais especial ainda: será jogado no dia dos Pais.

Será o momento que pais e filhos acompanharão juntos a partida em um dia tão fraterno, seja aqueles que torcem para o mesmo time, ou que torcem para o rival.

E o Diário do Nordeste conversou com uma família que respira futebol, vivencia Ceará e Fortaleza diariamente em um contexto curioso: os filhos torcem para times diferentes dos pais.

Embora o mais comum seja o pai influenciar o filho na escolha do time de futebol, estreitando laços, assistindo jogos juntos na TV ou estádio, a família de Evandro Barbosa Nunes, de 70 anos e gráfico aposentado, seguiu um caminho diferente do habitual, mas pautado com amor, respeito e companheirismo apesar das escolhas opostas.

Seu Evandro, que gosta de ser chamado de Miguel, é torcedor do Ceará, mas seu filho, João Martins, o Vandin, torce para o Fortaleza.Vandin, hoje com 41 anos, é empresário e pai de um torcedor do Ceará: Kauan, de 18. Os três conversaram com o Diário do Nordeste na Areninha do Pirambu, na Avenida Leste Oeste, todos devidamente trajados com as camisas de seus times do coração.

Legenda: A família do Seu Miguel tem uma relação divertida com Ceará e Fortaleza pelas escolhas dos filhos
Foto: KID JUNIOR

Já em clima de Clássico-Rei, os três respiram futebol o dia todo, conversam amistosamente sobre e mantém um respeito mútuo após jogos do seu time e do rival, convivendo com vitórias e derrotas de uma forma muito particular.

Desde o início do bate-papo, ficou clara a leveza na qual os três falam do amor pelos seus clubes, o momento da escolha e a convivência em casa, já que Seu Miguel, Vandin e Kauan moram na mesma casa.

Escolha dos filhos

Em uma família que gosta de futebol, o pai ter um time do coração é comum e querer que o filho torça para este clube é mais que natural. Mas seu Miguel, nunca influenciou Vandin torcer Ceará, o deixando à vontade.

"Eu tive um time de futebol aqui no bairro, fiz um campo, uma liga, e por essa liga, envolvi meu filho nos jogos, fiz gostar de futebol. Nossa relação com o jogo, com a bola, era grande, ele queria ser maior para jogar no meu time. Mas eu nunca incentivei ou disse para ele torcer Ceará. Nunca. Sempre achei que cada um torce para o time que quiser e foi assim com meu filho".

Vanin lembrou que a escolha pelo Fortaleza foi por influência da mãe, mas que a relação com o pai sempre foi muito respeitosa. 

"Nunca houve pressão para eu torcer pro time do meu pai, ou colocar a camisa do Ceará. Ele não tinha esse hábito de usar tanto a camisa do Ceará na época e passei a torcer Fortaleza por influência da família da minha mãe, por muitos tricolores que tinham. Foi algo natural e a relação sempre foi muito respeitosa. Meu pai veio de uma geração em que a relação com os pais era extremamente respeitosa e tenho muito orgulho disso e de conseguir transmitir para meu filho".

Mas ao contrário do pai, Vanin tentou fazer com que o filho Kauan torcesse para o Leão, mas não teve jeito. Ele lembra com muito bom humor, que até fez um aniversário temático para ele do Fortaleza, de 6 anos, mas que a escolha de Kauan foi definitiva mais pra frente.

"Eu tentei que ele fosse Fortaleza. Fiz um aniversário com o tema do Fortaleza, de seis anos, mas era momento que ele não gostava de futebo. Ele queria brincar de bola, de carrinho, e eu sempre queria assistir o futebol e ele queria só brincar. Ele não gostava de futebol por isso, mas quando ele cresceu, viramos rivais no videogame e foi ai que veio a escolha. Eu jogava com o Real e ele com o Barcelona, e quando fui jogar com o Fortaleza, ele escolheu o Ceará. Ele foi crescendo, os amigos que escola era mais Ceará, e ele pegou uma fase que o Ceará estava na Série A e o Fortaleza na C e esse abismo grande fez com que ele escolhesse o Ceará".

Kauan lembrou que a influência dos amigos, a "rivalidade" com o pai e a fase do Vovô foi determinante para sua escolha.

Legenda: Na família Nunes, os filhos fizeram escolhas diferentes dos times dos pais
Foto: KID JUNIOR

"Como ele disse, quando ele tentou me fazer torcer Fortaleza, eu era muito pequeno e eu não gostava de futebol, porque para mim, quando tinha jogo de futebol ele não queria brincar comigo. Mas eu cresci, vi a ascensão do Ceará, tinha o convívio com amigos e fui de interessando e me apaixonei pelo Ceará. Fora a rivalidade no videogame".

Dia a dia em casa

Depois das escolhas, o convívio em casa foi sempre amistoso, respeitando o momento de cada um, principalmente após vitórias de um ou derrota de outro. Morando na mesma casa, cada um tem suas manias em dia de jogo, em especial em Clássico.

Vanin lembra que o pai sempre fica mais carrancudo quando o Ceará perde e que respeita o momento dele, sem conversar muito sobre futebol e nunca zoar de "seu" Miguel.

"Nós moramos na mesma casa. Eu no segundo andar e meu pai no térreo. A gente está conversando sobre futebol o tempo todo e os dias após um jogo do Ceará ou Fortaleza é diferente. Quando um perde, dá vontade de dar uma cutucada, a gente dá alguma indireta, mas eu sei que ele fica carrancudo quando o Ceará perde e respeito, falamos de outras coisas. Quando o Fortaleza perde eu nem desço pra não passar na frente", disse, rindo.

Kauan lembra que quando os dois times perdem no mesmo dia ou fim de semana, ninguém quer saber de assistir TV ou ver reportagens sobre.

"Conversamos sobre futebol o dia todo, no almoço é sagrado. Quando um ganha o outro perde, só quem está feliz vê os programas de esporte. Quem perde não quer nem ver. E quando os dois perdem não tem nem globo esporte. Quando os dois ganham a gente assiste tudo". 

E em dia de Clássico? Ah, sem dúvida é um dia diferente, tenso, segundo Vandin. 

"A relação nossa em dia de classico é tensa. Moramos na mesma casa e sempre tem alguma coisa pra contar. Em um clássico anterior, o Ceará fez 1 a 0 e eu deixei de assistir, subindo pro meu andar. No outro, que o Fortaleza ganhou de 2 a 0 pela Copa do Brasil, cada um assistiu na sua tv e no seu andar, tive vontade de brincar com o papai, mas como ele se zanga mais eu fiquei quieto".

Seu Miguel lembra que Clássico-Rei é muito emocional e ainda fica nervoso, mesmo com sua experiência de 70 anos.

"Clássico-Rei mexe com a gente. Eu já tenho 70 anos, mas o coração bate mais forte quando tem esse jogo, fico muito nervoso".

Quem também fica muito nervoso em Clássico-Rei é Kauan. Ele diz que em alguns prefere nem assistir. Mas quando o Vozão ganha, ele tem vontade de tirar sarro do pai.

"Eu não gosto de assistir clássico, fico muito ansioso. Muitos em nem vejo. Mas Ceará ganha, dá vontade de implicar com meu pai. Quando acaba o jogo, a gente fala sobre outras coisas", disse Kauan, arrancando risadas do pai e do avô.


Juntos

Pela diferença de idade e gerações, Miguel, Vandin e Kauan vivenciaram o Clássico-Rei de forma diferente. Seu Miguel sempre foi ao estádio, viu muitos clássicos até no PV e lembra que não havia violência, Vandin pegou a época do Castelão também sem maiores problemas, mas Kauan nunca viu um Clássico-Rei do estádio devido à violência.

 

Legenda: Os três prometeram assistir o Clássico-Rei juntos neste domingo, Dia do Pais
Foto: KID JUNIOR

 

Eles esperam um dia assistir um Clássico-Rei juntos e se programarão para isso. Enquanto não acontece, eles prometeram assistir juntos neste domingo, no dia dos Pais.

"Vamos assistir junto. De qualquer jeito, vamos fazer esforço de assistir juntos", disse Kauan.

"Esse ano vai ter a postagem do três assistindo o Clássico-Rei no dia dos pais", prometeu Vandin.