Ex-campeões no ostracismo

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O advento de uma nova realidade no futebol cearense excluiu da sua elite três times que já foram campeões locais

Três equipes que brilharam no cenário esportivo cearense e conquistaram o cetro máximo do nosso futebol experimentam hoje o ostracismo enquanto lutam por dias melhores: América, Calouros do Ar e Tiradentes. As circunstâncias acabaram forçando o trio a um exílio da Primeira Divisão do Estadual. Dos três, o caso mais lamentável é do Mequinha, que foi obrigado a pedir licença à Federação Cearense de Futebol (FCF), por não encontrar parcerias que o permitissem disputar a famigerada e deficitária Terceirona em 2008.

Transformar o tradicional Calouros do Ar num autêntico ´balcão de negócios´ foi a única fórmula encontrada pelos seus dirigentes para tentar levar o Tricolor da Aerolândia de volta à Segundona e, posteriormente, à elite. A equipe ainda é controlada pela Base Aérea, haja vista que sua diretoria tem 2/3 de militares. Embora seja presidida pelo capitão Barroso, na prática, quem comanda o campeão cearense de 1955 é o empresário e ex-atleta Carlos Augusto Lima, o Carlão.

Quase extinto

´O Calouros estava em processo de extinção, até mesmo sem material para treinar. Procurei sua diretoria e fechamos uma parceria por cinco anos, período no qual quero levar o time para a 1ª

Divisão´, conta Carlão. Para cumprir seu objetivo, o dirigente foi em busca de socorro no Rio de Janeiro, onde fechou parceria com a empresa Mendonça & Júnior, controlada por ex-jogadores de futebol famosos, como o meio-campista Mendonça, ex-Botafogo, e Mauricinho, ex-ponta do Vasco, dentre outros.

Por conta desse contrato, o Calouros do Ar pode manter nada menos do que dez categorias, inclusive a feminina, além do time principal. Tem sem seu elenco 10 jogadores que vieram do Rio da Janeiro e quatro de Salvador, todos pagos pela parceria. Conforme Carlão, em caso de negociação dos jogadores, a empresa carioca fica com 60, seu grupo com 30% e o Calouros com apenas 10%. Ele explica que o percentual do clube é o menor. No entanto, o Calouros não tem qualquer despesa ou corre qualquer tipo de risco no negócio. Desde janeiro, Carlão já colocou do seu bolso a importância de R$ 44 mil. Ele afirma que já recebeu proposta do Porto/PE e de Portugal para participar da parceria.

Prefeitura negou

Sem ter onde jogar, após a PMF negar o uso do campo do Bom Jardim, o Calouros pelo menos conseguiu algumas alternativas para a realização de seus treinos. O campo de futebol da Vila Olímpica do Genibaú é uma delas. Na realidade, chamar o local de campo é força de expressão. Sem gramado ou qualquer tipo de demarcação ou alambrados, os atletas soam a camisa em meio a um grotesco areal. O técnico Antônio Gilberto Alenquer é quem comanda o Calouros, depois que Wanks foi demitido.

´Temos uma rapaziada boa e que, com alguns ajustes, pode levar o Calouros à classificação´, diz em meio aos jumentos que transitam pacificamente nas bordas do campo do Genibaú o empolgado técnico. O Calouros faz seus treinos também no campo do Ginásio Marista do Modubim e no do Tocantins. Para usar as dependências do Marista, o clube desembolsa R$ 1.000,00 por mês.

O mais laureado dos ´excluídos´, o América, duas vezes campeão cearense, em 1935 e 1966, enfrenta a situação mais difícil. O outrora tradicional clube da Avenida Dom Manuel foi obrigado a pedir licença junto à FCF da Terceira Divisão de 2008. Há 28 anos, o Mequinha é dirigido pelo desportista Alberto Damasceno.

Pioneiro

Foi através de Alberto que o América se transformou no primeiro clube S/A do País, logo após a vigência da Lei Zico. A medida não foi suficiente para livrar o time das agruras impostas pelos novos tempos. O inferno astral do Diabo começou em 1996, quando foi rebaixado para a 2ª Divisão. Até então, a crise ia sendo administrada. Entretanto, em 2000, acontece o novo rebaixamento. Desta feita, para a 3ª Divisão. Sobra o pedido de licença, Alberto diz que é apenas para 2008, ´pois em 2009 pretendemos voltar com toda a força´.

FIQUE POR DENTRO
Clubes têm tradição de muitas décadas

O América surgiu em 11/11/1920 a partir de uma cisão no Ceará. É que o Alvinegro se sagrara pentacampeão cearense de 1915 a 1919 pela Liga Metropolitana Cearense de Futebol. Nesse período, os juvenis foram tetracampeões. Por influência dos atletas profissionais, o campo e a sede do Ceará foram negados para as reuniões e treinos dos times inferiores, que se rebelaram e fundaram o América Foot-Ball Club em 11 de novembro de 1920. Até 1951, quem representava a Base Aérea de Fortaleza era o América. Nesse ano, entretanto, foi fundado o Calouros (em 01/01/1952), que passou a ser o time da Base. Copiando uma tendência que se espalhou pelo Brasil, liderados por oficiais da Instituição, a Polícia Militar resolve fundar uma equipe de futebol com o nome do seu patrono. É aí que surge no dia 15/09/1961 o Tiradentes, cujo mascote passa a ser o Tigre.

ESTACIONOU NA SEGUNDONA
Tigre sobrevive de contribuições

O Tiradentes foi o quarto colocado do hexagonal final da Segunda Divisão e, por isso mesmo, vai ter que tentar novamente em 2009 o retorno à elite — só os dois primeiros, Guarany e Maranguape, conseguiram ascensão. O Tigre foi rebaixado para a Segundona em 2002, tendo retornado à disputa principal em 2005. Acontece que, nesse mesmo ano, foi mais uma vez degolado. Nos últimos três anos, incluindo 2008, tentou, em êxito, reviver seus grandes momentos, como em 1992, ano em que dividiu com Icasa, Fortaleza e Ceará o título de campeão cearense.

A tarefa não tem sido das mais fáceis, segundo o seu presidente José Arimatéia Fernandes. Para ele, a forma ´pesada´ como as prefeituras do interior estão investindo em seus clubes é o principal motivo da derrocada dos times tradicionais da Capital. ´É uma disputa desigual. Enquanto não temos qualquer apoio da Prefeitura de Fortaleza, no interior acontece exatamente o contrário. A tendência é de que Tiradentes, Uniclinic e até o Ferroviário acabem parando na 3ª Divisão, fazendo companhia ao Calouros´, desabafa o dirigente.

Conforme Fernandes, a maior parte das equipes que disputaram a Segundona teve folha salarial superior aos participantes da elite —excetuando Ceará e Fortaleza. ´São números expressivos. Alguns times foram reformulados até três vezes. O próprio Tiradentes foi obrigado a investir alto, já que, se usássemos apenas atletas da nossa base, com certeza cairíamos para a Terceirona e a situação ficaria pior ´.

O Tigre sobrevive da contribuição voluntária dos PMs. A arrecadação gira em torno de R$ 35 mil. Do time que disputou a Segundona, os salários mais altos eram de Genivaldo e Juranílson, ambos vindos do Ceará. A dupla ganhava R$ 2.500,00. Oito garotos da base recebiam o salário mínimo. A média era de R$ 1.500,00.

APOSTA NO FUTURO
Atleta elogia parceria com empresa carioca

Entre os 10 jogadores cariocas que fazem parte do elenco do Calouros do Ar encontra-se o zagueiro Edmar. O atleta começou nas categorias de base do CFZ do Rio de Janeiro. Edmar da Silva Pereira, 23 anos, passou por equipes como Madureira e América/RJ antes de vir para o Tricolor da Aerolândia. Ele acredita que ´o futebol cearense é uma vitrine. Todos os nossos jogos são gravados em DVD. É a partir desse material que os jogadores são negociados. Estou satisfeito aqui no Calouros. Espero ficar o tempo suficiente para conseguirmos subir para a 2ª Divisão e se possível ser negociado com um time do exterior´, disse Edmar.

FERNANDO MAIA
Repórter