São Paulo Fashion Week tem recorde de negros e indígenas e destaca novas brasilidades

Das 43 apresentações virtuais programadas para acontecer até o fim da semana, 34% são de grifes com donos não brancos

Escrito por Pedro Diniz/Folhapress ,
Esta é uma imagem do são paulo fashiom week
Legenda: 43% dos donos de grifes do São Paulo Fashion Week 2021 são não brancos
Foto: Nelson Almeida

Depois de uma mudança radical sobre o que se entende por moda brasileira na prática, a São Paulo Fashion Week inicia nesta quarta-feira (23) sua 51ª edição tentando mostrar essa evolução.

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Se a edição passada direcionou os holofotes para a equidade racial na passarela, com a obrigação de que metade dos modelos que desfilam para as marcas sejam negros, afrodescendentes, indígenas ou asiáticos, o retrato do país que será visto agora está também na escalação das marcas.

Das 43 apresentações virtuais programadas para acontecer até o fim da semana, 34% são de grifes com donos não brancos, trazendo um retrato mais realista da diversidade de cores e ideias da produção brasileira de roupas.

O número só foi possível de ser atingido com a entrada de designers vindos do evento autoral de moda Casa de Criadores, entre eles, o piauiense Weider Silveiro e o pernambucano Walério Araújo, o retorno do estilista Wilson Ranieri à semana de moda e, principalmente, à estreia do Projeto Sankofa, que levará oito marcas de criadores não brancos à plataforma paulistana de desfiles.

Idealizado pelo coletivo Pretos na Moda, cofundado pela modelo Natasha Soares e o mesmo que iluminou a discussão sobre a proporcionalidade racial na indústria fashion, em parceria com a startup de inovação social Vetor Afro-Indígena na Moda, ou Vamo, cocriada pelo estilista Rafael Silvério, o projeto é o primeiro gestado fora do escopo dos organizadores da SPFW a ter espaço na programação.

Além da marca homônima de Silvério, as etiquetas Ateliê Mão de Mãe, Meninos Rei, Mile Lab, Santa Resistência, Naya Violeta, Az Marias e TA Studios vão apresentar os filmes de moda que, mais do que roupas, devem reverenciar as origens afro-indígenas do país.

O pulo do gato da iniciativa não se resume à exposição das roupas nas próximas três temporadas, mas também às mentorias que os estilistas recebem de advogados, psicólogos e estilistas do evento. Um deles é Isaac Silva, que vê como "uma evolução natural e urgente" do calendário da moda a inserção de profissionais que, como ele, tiveram de batalhar por representatividade num mercado competitivo como o da costura.

"Saber que tem alguém por você, que você pode ligar para tirar dúvidas, é muito importante para quem está começando".
Isaac Silva
estilista

Essa edição, aliás, representa para Silva a consolidação de sua trajetória na moda. Primeiro estilista brasileiro convidado a criar uma coleção para a marca de chinelos Havaianas, ele encerrará o penúltimo dia de apresentações mostrando roupas que são extensões dos pares criados nessa parceria inédita, que unem tanto as raízes indígenas da moda nacional quanto as de origem africana.

Ele criou suas próprias estampas gráficas, em parceria com a designer Neon Cunha, para fundar o que chama de "grafismos brasileiros", que tem como ideia fundir o padrão de repetições das capulanas, lenços de algodão usados na cabeça, e elementos essencialmente nacionais, como a semente olho de boi.

As roupas têm modelagem descolada do corpo para se adaptar a diferentes silhuetas e dar mobilidade a quem veste, "porque, nesse momento de mundo, ninguém quer mais se preocupar em se adaptar à própria roupa", diz o designer, que deu o nome de Axé Boca da Mata à série com mais de 20 looks.

O filme é ambientado em cenário de mata fechada, um lugar que, Silva explica, é sagrado tanto para os indígenas quanto para os povos da África, ou seja, "para nós, brasileiros".

Foi pensando no Brasil e em como o estilo nacional absorveu padrões internacionais da costura que Weider Silveiro levará à sua apresentação referências às silhuetas helênicas. Em vez do ideal branco, loiro e europeu, as modelos não brancas vestem pedaços de alfaiataria desconstruída, camisaria vitoriana e plissados que remetem ao olhar eurocêntrico, aqui, revisto pelo olhar de um deste que é visto como um dos maiores designers afro-brasileiros do país.

O espírito ativista que diversas vezes permeou o trabalho de Silveiro, segundo ele, agora está por trás das roupas, "no processo". Os profissionais que o ajudaram na execução são marginalizados pela indústria, como pessoas trans, negros e da periferia. "São elas que me inspiram, do início à finalização do trabalho. É um design que não parece afro-brasileiro, mas é", afirma.

É uma coleção essencialmente urbana, chamada Città, ou cidade, em italiano, que mostra silhuetas simples, a exemplo de saias longas e justas fáceis de usar, bem ao estilo dos anos 1990. "É tudo pensado no produto final, porque é o meu momento como estilista, de tornar a roupa feminina digerível e contemporânea. Um menino, que queira, também poderá usar."

Esse tipo de abertura à roupa não binária está expressa também no rompante de diversidade que a São Paulo Fashion Week assumirá. Sustentabilidade, empreendedorismo feminino e inserção social farão parte de toda a programação, que incluirá palestras pagas e ações pensadas em conjunto com pensadores que devem se desdobrar em instalações artísticas marcadas para ocorrer em novembro.

O estilista Luiz Cláudio, da marca Apartamento 03, por exemplo, fará um encontro com a escritora e colunista deste jornal, Djamila Ribeiro, e o diretor criativo da Osklen, Oskar Metsavaht, com o neurocientista Sidarta Ribeiro. Serão quatro encontros criativos, idealizados em parceria com o organizador Marcello Dantas.

"Todas as bases do que estamos vivendo hoje estão em renegociação. Queremos falar sobre raça, identidade, gênero, ou seja, tudo o que nos afeta, e levar isso para a moda, que sintetiza as mudanças de comportamento. Queremos causar essa fricção de pensamentos", afirma Dantas.

A grande diferença em relação ao passado do evento é que a programação se estenderá ao longo dos meses e culmina em novembro, com o resultado prático dessas discussões, dando corpo ao que a organização chama de Festival SPFW+. Ações presenciais não estão descartadas, a depender da evolução da pandemia da Covid-19 no país.

"É a primeira edição dos novos 25 anos da São Paulo Fashion Week. Queremos criar um sistema de conversas contínuas, de conectar as semanas do primeiro e segundo semestre para criar pontes. Não é uma versão só para agora", afirma o idealizador da SPFW, Paulo Borges. "É um momento de regenerar."

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