Mulheres na Engenharia e o desafio de ser minoria na profissão

No Dia da Mulher na Engenharia, a Sisi ouviu o relato de mulheres que atuam como engenheiras e tem que lidar com o preconceito de um mercado predominantemente masculino.

Escrito por Denise Marçal , denise.marcal@svm.com.br
Legenda: Dia Internacional da Mulher na Engenharia é celebrado no dia 23 de junho.
Foto: Banco de Imagens

Mulheres à frente de grandes construções civis é uma cena que pode impressionar quem ainda duvida da capacidade de uma mulher para brilhar onde quer que ela esteja. Embora ainda não seja tão expressiva a presença feminina da área de Engenharia - no Ceará, por exemplo, 12% dos profissionais registrados no Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura (Crea-Ce) são mulheres - elas seguem provando que gênero não define competência técnica. 

Para fortalecer o espaço das engenheiras na profissão, foi criado o Dia Internacional das Mulheres na Engenharia, escolhido pela Women’s Engineering Society (WES) do Reino Unido, para ser comemorado anualmente em 23 de junho. A data celebra as conquistas delas, mas leva a refletir sobre a importância de se quebrar o preconceito. 

"Acho importante celebrar o Dia Internacional das Mulheres na engenharia para quebrar qualquer tipo de preconceito de que a construção civil não é um ambiente para uma mulher e que outras meninas possam se inspirar nas engenheiras de hoje para que tenhamos mais e mais engenheiras no futuro", opina, Beatriz Tote Burlamaqui (@biatote), 27 anos, engenheira civil na Construtora Moura Dubeux. 

Para a engenheira mecânica Lia Carvalho (@liacbezerra), 31 anos, sócia diretora da Tríade Engenharia, celebrar a data é dar visibilidade às profissionais para que se possa "mostrar para meninas e mulheres ao redor do mundo que elas podem sim exercer essa profissão desafiadora e gratificante, mesmo que muitas vezes sejamos tão desencorajadas". Os desafios podem vir na forma de preconceito. “São piadas inapropriadas, questionamentos da nossa capacidade técnica e tentativas de nos desacreditar como profissionais. Em um ambiente tão dominado por homens, precisamos aprender desde cedo a não deixar que essas situações nos abalem e nos tirem do nosso foco”, destaca Lia Carvalho.  

Já a engenheira civil Gabrielle Alcântara (@gabriellealcantara), 26 anos, acredita que a data lembra que as mulheres estão conquistando um espaço antes imposto como "lugar de homem". "Aos poucos, fomos entrando e mostrando a nossa capacidade em campo, pois somos organizadas, responsáveis e inteligentes. Saímos de casa dispostas a enfrentar e vencer qualquer desigualdade, preconceito ou até mesmo assédio”, afirma. 

Conheça um pouco mais essas mulheres cearenses que inspiram outras na carreira de Engenharia. 

Lia Carvalho, engenheira mecânica 

  

Legenda: Lia Carvalho: "Em um ambiente tão dominado por homens, precisamos aprender a não deixar que essas situações nos abalem".
Foto: Arquivo pessoal

"Desde muito nova, soube que iria atuar com engenharia. Sempre tive a curiosidade de entender o funcionamento de máquinas, equipamentos, carros e aviões e, com o passar dos anos, surgiu em mim o desejo de criar e transformar o mundo ao meu redor, contribuindo para a evolução da sociedade.  

Todas as experiências que tive foram importantes para definir a engenheira e empresária que sou hoje, mas com certeza duas foram fundamentais: a construção da Companhia Siderúrgica do Pecém e a manutenção das tuneladoras do Metrô de Fortaleza. Em ambas as experiências, fui desafiada todos os dias, adquiri conhecimento técnico e em gestão de pessoas, resultando em um amadurecimento não só profissional, mas também pessoal. Utilizo esses conhecimentos até hoje para desenvolver minha empresa e exercer meu trabalho com excelência.  

Os desafios são muitos, carregamos muita responsabilidade em cada trabalho, sofremos com a pressão no dia a dia e ainda precisamos lidar com o descrédito de algumas pessoas. Mas é muito gratificante quando conseguimos encontrar soluções para os problemas que surgem, transformar ideias em realidade e concluir o trabalho com sucesso.   

 Meu desejo é ver cada vez mais e mais mulheres na Engenharia. Acredito que a celebração desse dia é importante para que, através da visibilidade dada a nós profissionais que já atuamos na área, possamos mostrar para meninas e mulheres ao redor do mundo que elas podem sim exercer essa profissão desafiadora e gratificante, mesmo que muitas vezes sejamos tão desencorajadas".   

Gabrielle Alcântara, engenheira civil 

Legenda: Gabrielle Alcântara: Disposição em enfrentar o preconceito.
Foto: Arquivo pessoal

“Tive minha graduação concluída em 2018 e atualmente faço pós-graduação em Gerenciamento de Obra, que é o ramo que exerço minha profissão. Consegui logo de cara, ao terminar a faculdade, trabalhar em uma empresa espetacular, onde aprendi muito do que sei.  Com isso, comecei a fazer meu networking e hoje, aos poucos, estou alcançando meus objetivos, mas nunca fiz nada só, tenho pessoas ao meu lado que são essenciais. Aos estudantes de engenharia, só digo: vão pra obra, que boa parte se aprende lá.  

Eu amo ser engenheira! Para mim foi um sonho realizado. Atuo diretamente na construção e sou totalmente apaixonada pelo passo a passo da obra. É lindo ver o projeto sair do papel, dá aquele frio da barriga. Conviver com pessoas e comandar equipes que, na maioria das vezes, são formadas apenas por homens, pra mim é desafiador. Inclusive, antes de fazer a matrícula (da graduação), pensei em desistir e mudar para arquitetura, pois diziam que era uma faculdade mais “feminina”, digamos assim. Depois disso, já no campo mesmo, graças à Deus, sempre todos me respeitaram muito. Mas na época de estágio, tive um pequeno desentendimento com um ajudante de obra e fui ameaçada por ele, mas não passou de palavras. 

Nós, mulheres, estamos cada vez mais dominando um espaço que era imposto para nós como “lugar de homem”. Mas aos poucos fomos entrando e mostrando a nossa capacidade em campo, somos organizadas, responsáveis e inteligentes, e nos canteiros de obra precisam disso. Celebramos por tirar esse preconceito que obra é lugar de homem. Saímos de casa dispostas a enfrentar e vencer qualquer desigualdade, preconceito ou até mesmo assédio, conquistamos nosso espaço e, a cada dia, cresce mais o número de mulheres na Construção Civil”.  

Beatriz Tote Burlamaqui, engenheira civil 

  

Legenda: Beatriz Tote Burlamaqui: inspiração para meninas e futuras engenheiras.
Foto: Arquivo pessoal

Iniciei minha vida profissional como estagiária de engenharia civil. Em 2021, depois de passar por três obras, tive a oportunidade de assumir minha própria obra como engenheira civil, o Parque Rio Branco. 

Sempre quis seguir uma profissão que eu tivesse bastante admiração. Desde criança achava a construção algo fantástico, achava incrível iniciar um terreno sem nada e terminar com o prédio. Hoje, depois de vivenciar a experiência de construir uma obra do zero, esse sentimento continua igual. Sempre que eu passo pelos prédios que eu fiz parte, olho com muito orgulho e carinho lembrando de todas as etapas que eu vivenciei pra chegar até o resultado da entrega.  

Tive uma criação muito empoderada. Meus pais sempre me apoiaram e incentivaram a ser o que eu quisesse ser. Então, eu nunca me senti intimidada, embora realmente seja intimidante, em muitos momentos. Lido com trabalhadores quase na sua totalidade do sexo masculino, tem reunião da equipe de obra em que sou a única mulher, mas isso nunca me intimidou, porque sempre fui tratada com muito respeito, tanto pelos funcionários de campo, quanto por todos os funcionários das construtoras em que eu trabalhei.  

É importante a gente celebrar o Dia Internacional das Mulheres na Engenharia para quebrar qualquer tipo de preconceito de que a construção civil não é um ambiente para uma mulher e que outras meninas possam se inspirar nas engenheiras de hoje. E teve um fato aqui na obra que foi marcante pra mim: estava acompanhando a execução da fundação e passou uma menininha com a avó na rua. Elas pararam na grade da obra e me chamaram. A menina queria entender o que que estava acontecendo, perguntou o que eu era, aí eu expliquei que era engenheira civil. Ela e a avó ficaram bastante felizes por saber que era uma mulher que estava tocando uma obra. Então, acho que ela pôde se inspirar. Ela viu que não existe mais isso. E quem sabe essa menina possa crescer e se tornar uma engenheira. Isso tem que ser discutido para que cada vez mais se compreenda que construção civil também é lugar para mulher”. 

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