A luta diária e feminina das enfermeiras

No Dia do Enfermeiro, a SISI ouviu profissionais mulheres sobre a difícil realidade da pandemia e a exaustão física e mental diante da desvalorização da categoria

Escrito por Claudia Riello ,
Dia Internacional da Enfermagem.
Legenda: Dia Internacional da Enfermagem.
Foto: Shutterstock, Inc.

“No dia das mães, na saída do plantão, encontrei uma paciente que foi a óbito, uma senhora jovem, vítima de Covid-19. Na hora imaginei que ela tinha filhos e familiares. Como seria enterrar uma mãe no Dia das Mães? Uma lembrança ruim que prefiro esquecer. De certa forma, não consegui ficar tão feliz nesse dia”. 

O relato é da enfermeira, especializada em clínica-médica, cirúrgica e obstétrica, Liliane Costa, 62 anos, mãe de dois, e releva o sentimento de milhares de profissionais da saúde, que passaram a conviver com a exaustão de múltiplas jornadas, além do medo e incertezas provenientes da pandemia.   

“Ter que me isolar dos meus filhos, do meu marido e dos meus pais foi um dos momentos mais difíceis da minha vida. Mas pensei: ‘agora é o momento que os pacientes mais estão precisando de mim’”, desabafa a enfermeira Marianne Maia, 37 anos, especialista em Enfermagem Obstétrica pela Universidade Estadual do Ceará (UECE), Mestre em Enfermagem pela Universidade Federal do Ceará (UFC) e, atualmente, Doutoranda em Enfermagem na UFC. 

A tensão e o medo de ser contaminada pelo vírus experimentados por Liliane e Marianne fazem parte da rotina de milhares de profissionais de enfermagem. Não sem razão, pois ver de perto muitos colegas morrendo também foi uma das experiências mais dolorosas da categoria. De acordo com as informações do Observatório da Enfermagem, do Conselho Federal de Enfermagem (Cofen), um total de 55.331 casos foram reportados e 778 óbitos registrados no Brasil.  

Dentre os casos, 47.205 mil ou 85,31% é composto por profissionais mulheres, sendo 526 ou 67,61% de vítimas fatais. Devido à falta de informação relacionada a Covid-19, a Cofen passou a disponibilizar notificações a respeito de óbitos e contaminações diretamente aos profissionais de enfermagem, os dados são relacionados entre março de 2020 até maio de 2021. 

“Ser brasileira, mulher e enfermeira já é difícil no nosso país e, trabalhar na linha de frente, é a tarefa mais árdua da minha vida”, entrega Marianne Maia. 

Enfermeiras: Liliane Costa e Marianne Maia.
Legenda: Enfermeiras: Liliane Costa e Marianne Maia.
Foto: Arquivo pessoal

Antes e depois da pandemia 

“Com a pandemia, minha vida mudou radicalmente. Antes eu tomava banho apenas quando chegava em casa, usava mais a máscara cirúrgica, conseguia, por um instante, sorrir para os pacientes”, relembra Marianne Maia. 

No período pandêmico, os profissionais da saúde precisam estar paramentados com máscaras N95, cobrindo e marcando o rosto. Além disso, é preciso colocar o avental, óculos, face shields e luvas sempre que for atender algum paciente nas áreas de Covid-19. Só podem ir ao banheiro ou beber água após se desparamentar para evitar a contaminação. A rotina se tornou desgastante de forma física e emocional. “Fiquei realmente com muito medo, tanto que desenvolvi ansiedade”, afirma Liliane. 

“Antes da pandemia eu não tinha medo de contaminar minha família. Agora, tomo banho quando saio do hospital. Quando chego em casa, separo minha roupa, tomo banho novamente. Meu filho caçula quer logo me abraçar e eu falo que só pode depois do banho. Uma rotina completamente diferente do que era habitual”, completa Marianne. 

Desvalorização da categoria 

Muitas profissionais, assim como Liliane Costa e Marianne Maia, precisam trabalhar em mais de um local para conseguir suprir as necessidades. “De forma geral, o enfermeiro não consegue sobreviver apenas com um vínculo empregatício devido aos baixos salários”, afirma Liliane Costa. 

Liliane é uma das milhares de mulheres, profissionais da saúde, que precisam lidar com jornadas triplas ou quadruplas no dia a dia. Antes de se aposentar, lecionou durante 25 anos na Universidade de Fortaleza, dando aulas em diversas disciplinas do curso de enfermagem. Passava 40 horas durante a semana nas salas de aula, além dos plantões no serviço noturno em hospitais, onde presta serviço até hoje. Sem falar das atividades em casa, com os filhos e família. 

“É uma rotina cansativa, estressante e de extrema responsabilidade pois estamos tratando com vidas. Qualquer erro, negligência, omissão e imperícia, responderemos legalmente embasado em nossa lei por exercício profissional e código de ética da enfermagem”, ressalta Liliane Costa. 

A categoria reivindica melhores condições de trabalho e salário. A lei 2564/20, que tramita no Senado Federal, reivindica os direitos de melhores condições de salário e jornadas de trabalho para os profissionais de enfermagem.

“Essas disparidades de remuneração entre as profissões de saúde não deveria estar presente nos dias atuais. Observa-se que em países desenvolvidos, o enfermeiro é valorizado, muito diferente da nossa realidade”, afirma Marianne Maia. 

“Trabalhar na enfermagem é, muitas vezes, ir sem condições, mas saber que o paciente precisa de você. É trabalhar sabendo que está sendo mal remunerada, é lidar com o sofrimento, mas ao mesmo tempo com a alegria de um paciente curado”, completa. 

12 de maio 

A data foi escolhida em homenagem a dia de nascimento de Florence Nightingale, 12 de maio de 1820, considerada a percursora da enfermagem moderna. Atuou durante a Guerra da Criméia em 1854, cuidando dos soldados feridos de forma empírica.  

No Brasil, 613.011 mil enfermeiros estão registrados no Conselho Federal de Enfermagem (Cofen), desses, 25.608 mil estão no Ceará (dados atualizados em 1° de abril deste ano). De acordo com a Cofen, a categoria de enfermagem é composta por 85% de mulheres

“Historicamente, a enfermagem é uma profissão, na grande maioria, exercida por mulheres. Isso se dá pelo fato de que as mulheres se destacavam pelo cuidado e zelo dos familiares”, complementa Liliane Costa. 

Liliane e Marianne se sentem muito orgulhosas da profissão que escolheram. “Amo sim minha profissão, pois parte do que sou e construí devo a enfermagem”, afirma Liliane.  

Liliane Costa e família.
Legenda: Liliane Costa e família.
Foto: Arquivo pessoal

A enfermagem é inspiradora! Na nossa profissão, as mulheres são a principal força de trabalho, são essenciais para a assistência ao paciente. Tenho muito orgulho e espero que um dia sejamos valorizadas, não só em datas comemorativas, mas sim, no dia a dia”, enfatiza Marianne Maia que ainda cita um pensamento de Florence, a Mãe da Enfermagem.

Marianne Maia e os filhos.
Legenda: Marianne Maia e os filhos.
Foto: Arquivo pessoal

"Escolhi os plantões porque sei que o escuro da noite amedronta os enfermos.  Escolhi estar presente na dor porque já estive muito perto do sofrimento.  Escolhi servir o próximo porque sei que todos nós um dia precisamos de ajuda.  Escolhi branco porque quero transmitir paz.  Escolhi estudar métodos de trabalho porque os livros são fonte do saber.  Escolhi ser enfermeira porque amo e respeito a vida!, Florence Nightingale”.