Pais denunciam recusa de escolas privadas para matricular filhos autistas na Grande Fortaleza

Não existe embasamento legal sobre limite no número de alunos com deficiências ou transtornos por sala, diz advogada

Foto: Thiago Gadêlha

Desde fevereiro deste ano, o supervisor de manutenção Mauro Alves Lima, de 39 anos, tem tentado renovar a matrícula das filhas Fernanda (4) e Eduarda (6) em uma escola particular localizada em Maracanaú, Região Metropolitana de Fortaleza (RMF). No entanto, em sua última tentativa, no dia 5 deste mês, Mauro relata ter ouvido uma recusa da instituição após informar que a filha mais nova tem o Transtorno do Espectro Autista (TEA)

 

Segundo o pai, as meninas estudavam no Centro Educacional São Francisco desde o início da vida escolar de ambas. Contudo, por causa da insegurança causada pela pandemia, Mauro disse que só pôde procurar a escola no começo de fevereiro para a renovação, quando o bimestre já havia começado. 

“Tentei várias vezes vagas para elas, mas não consegui. No começo de abril liguei para uma outra filial da escola e fui informado de que havia uma vaga. Quando conversei com a diretora, presencialmente, e explicitei que a mais nova é diagnosticada com TEA, foi-me informado que não havia como aceitá-la, pois ela valia por duas crianças e que já havia outras crianças especiais na série, como uma espécie de cota”, relata Mauro.

Mesmo assim, o pai lembra ter reforçado a ideia de que não tinha a intenção das crianças terem aulas presenciais, “justamente pelo medo da infecção”, ou seja, elas continuariam no formato remoto, conforme aconteceu em 2020. A resposta dada pela instituição foi, novamente, de negação e pedido para que o pai buscasse outro colégio.

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"Eu acredito que, para o colégio, eu era um pai-problema"

“Na minha opinião, eu sentia que o colégio já estava tentando ‘se livrar’, pois eu também sempre fui muito vigilante pelas minhas filhas, sou um pai ativo no colégio, estou sempre atento aos direitos e reclamava do tratamento, por vezes. Então, eu acredito que, para o colégio, eu era um pai-problema”, desabafa Mauro, acrescentando ter conhecimento pleno da realidade discriminatória, já que também é membro da Associação Fortaleza Azul, formada para a assistência de pessoas com autismo e seus familiares. 

Procurado, o diretor geral das unidades do Centro Educacional São Francisco, Raimundo Rodrigues de Menezes, em Maracanaú, afirma que não há recusa de alunos dentro do Espectro Autista na instituição.No entanto, diz que há datas específicas para o processo de matrícula

“Nós temos um limite de alunos e uma proporção por sala. Hoje temos três alunos especiais por sala e nós não conseguiriamos colocar mais durante esse período atípico, com quadro de funcionários reduzido também. Nós recebemos alunos com TEA e inclusive os temos em grande quantidade. Mas, não conseguimos atender o município inteiro, principalmente após o grande número de alunos migrantes para a escola após vários fechamentos devido à pandemia”, pontua.

Insegurança

Situação semelhante viveu o advogado Carlos Diego, de 34 anos, pai do pequeno Carlos Arthur, de dois anos e cinco meses, diagnosticado com TEA. Neste ano, Diego conta que tentou matricular o filho em uma determinada escola particular de Fortaleza, mas foi recusado devido ao diagnóstico do menino.

“Já tinha conhecimento da dificuldade que seria pelo relato das mães no grupo que temos sobre o TEA. Na ocasião, quando tentei o primeiro colégio, a diretora da instituição disse que ia ver se conseguia aceitá-lo porque ele não usa máscara”, coloca.

Porém, de acordo com a Lei Federal Nº 14.019, as escolas não podem fazer a recusa da matrícula alegando o não uso de máscaras pelos autistas. Diego conta que, diante da insegurança apresentada pela escola, preferiu procurar outras instituições para realizar a matrícula do filho. 

Embasamento legal

De acordo com a presidente da Comissão de Educação e Cidadania da OAB-CE, Sônia Cavalcante, não existe embasamento legal sobre limite no número de alunos com deficiências ou transtornos por sala

O que existe é a Lei 12.764/2012 em que assegura todos os direitos da pessoa autista. Os direitos dizem respeito a uma vida digna, com integridade, respeito, proteção, acesso ao serviço de saúde e ensino de forma completa”
Sônia Cavalcante
Advogada

Neste sentido, a presidente reforça que a escola não pode e nem deve negar a assistência ao autista. “A escola pode chegar a ser multada em três a 20 salários mínimos, em caso de recusa do aluno especial”. A advogada orienta procurar a Defensoria Pública, o Ministério Público da Educação ou o  Conselho Tutelar para assegurar a matrícula em qualquer instituição de ensino. 

Ciente dos direitos, Mauro afirma que já está buscando maneiras legais de proteção. “Fui ao Decon e me orientaram a procurar a Procuradoria da Infância de Maracanaú, mas eu ligo e não consigo o atendimento. Assim minhas filhas continuam sem estudar, pois não consegui vagas em escolas da cidade”, diz.