Encontro de mulheres no Ceará debate opressões e impactos sofridos no ensino remoto e presencial

O encontro será promovido por 13 entidades e contará com a presença de professoras, técnicas administrativas e estudantes de todo o Ceará

Legenda: Professora Zuleide Queiroz, da Urca, participa do encontro e fala sobre as desigualdades no ensino para mulheres, enraizadas na sociedade machista e trazidas pela pandemia
Foto: Natinho Rodrigues

Um ano após o início das aulas remotas, os gargalos expostos diante da Educação se avolumam. Especialistas advertem para o aumento da desigualdade no aprendizado e alertam para os impactos experimentados, sobretudo, para as mulheres. Na noite desta quinta-feira (25), será realizado virtualmente o primeiro Encontro Estadual de Mulheres da Educação.

O tema do evento, que se estende até amanhã será “Mulheres na luta pela vida, em defesa da educação pública e o combate às opressões”. O encontro será promovido por 13 entidades e contará com a presença de professoras, técnicas administrativas e estudantes de todo o Ceará. O evento virtual ocorre no YouTube do SindUece.

A docente da Universidade Regional do Cariri (Urca), Zuleide Queiroz, explica que dois grandes problemas foram identificados nesse atual contexto da pandemia da Covid-19. “A violência, especialmente para as mulheres. E os prejuízos de ensino, no panorama das profissionais, como de aprendizado, quando o recorte se volta às alunas”. 

A especialista em Educação com pós-doutorado na área detalha que o retorno das mulheres ao lar, em alguns casos, cessou o direito ao estudo. Zuleide avalia que, “para as jovens, sobretudo as de periferia ou campo, geralmente pobres e negras, o acesso ao ensino foi inviabilizado, visto que a maioria não tem acesso à internet ou sequer dispõem de celular ou notebook”. 

Soma-se a esse contexto de exclusão, a violência vivenciada por elas

“Aumentou substancialmente. 86% da violência contra a mulher é praticada dentro do lar. Com mais tempo em casa, devido à pandemia e suas restrições, essas mulheres acabam sofrendo mais violência”, pontua Zuleide Queiroz

Quando se volta o olhar às profissionais, Queiroz considera que a violência está igualmente presente. “Violência não é só agressão física. Temos recebidos diversos relatos de assédio institucional, seja em reuniões de departamentos, conselhos, até a forma com que os homens falam com essas mulheres. Esse assédio também impacta na produção da profissional”. 

O assédio institucional é corroborado por Sandra Carvalho, professora da Uece. Ela relata que no ano passado houve um crescimento de denúncias de atitudes abusivas no comportamento de professores com professoras. Campanha foi iniciada por um grupo de trabalho formado por mulheres."Nós sentimos que mudou. Vimos que nossos colegas homens passaram a ter mais cuidado. É a oportunidade de ter essas reações e modificar essa dinâmica", relata a docente.

Sobrecarga  

Além da violência e dificuldade ao acesso remoto – que já são fatores determinantes para o prejuízo educacional – Zuleide aponta a sobrecarga enfrentada por essas mulheres durante a pandemia. “A jornada é quadruplicada. Ela tem que ser mãe, esposa, fazer todas as atividades domésticas e ainda trabalhar, é uma carga excessiva”, conta a docente.  

“O espaço de trabalho”, acrescenta Zuleide, “muitas vezes é inapropriado e tem que ser divido com filhos e esposo. Com tudo isso, identificamos uma singular queda de produção intelectual que nos últimos anos vinha crescendo. A pandemia trouxe esse impacto que está sendo maior experimentado pelas mulheres”.  

A professora da Uece e doutora em Educação, Sandra Maria Gadelha de Carvalho, aponta o chamado "padrão masculinizado" na cobrança em cima de mulheres educadoras e estudantes. 

Sandra Carvalho é professora da Uece e doutora em Educação
Legenda: Sandra Carvalho é professora da Uece e doutora em Educação
Foto: Arquivo pessoal

"Para nós mulheres, além da sobrecarga, temos também o tempo de produção e o tempo de gerir casa e filhos. É uma cobrança desigual, temos também familiares adoecendo. É o que nós chamamos de padrão masculinizado. É preciso desnaturalizar esse modus operandi acadêmico que não é equitativo"

Desigualdade 

Diante tantos fatores, Zuleide visualiza um horizonte “ainda mais desigual”. Ela acredita que a retomada, na pós-pandemia, virá com inúmeros desafios. “Quando falamos em de aulas remotas, não podemos esquecer que 40% não conseguem ter acesso à internet e, portanto, ficam com o aprendizado comprometido. E, dentro deste universo, quase 90% são mulheres. Eu sempre costumo lembrar que basta uma crise política para que os direitos das mulheres sejam questionados. Nesses casos, além de questionados, eles estão sendo tomados”, critica.  

A especialista recorda ainda que a junção de fatores como exclusão e desigualdade, “são cruéis e trazem consequências graves”. No encontro, Zuleide revela que todas essas questões estarão em pauta e, antecipa que um dos principais intuitos é manter a “resistência” para que os direitos conquistados ao longo dos últimos anos sejam preservados.

Sandra Carvalho cita ainda outro prejuízo do padrão de cobrança em cima desse perfil.  "Quem está por exemplo, em pós-graduação, tem um perfil de produção de artigos, publicação em revistas qualificadas. E, nessa pandemia, já temos pesquisas que denotam que os artigos de mulheres pesquisadoras tiveram queda de 50%

Levantamento preliminar do projeto brasileiro Parent in Science (Pais na CIência) aponta disparidade na produção científica entre homens e mulheres no contexto pandêmico. 52% das mulheres com filhos não concluíram seus artigos, enquanto 38% dos homens não concluíram. 40% das mulheres sem filhos não concluíram os trabalhos, contra 20% dos homens na mesma situação.

Evasão escolar

Aliada à violência doméstica e sobrecarga, Sandra Carvalho aponta que, conversando com suas alunas, percebe um abismo ainda maior quando se fala de evasão escolar.

"Um dos maiores fatores de afastamento da universidade é maternidade e casamento. Quando se casa ou se torna mãe, a jornada duplica muito, porque, infelizmente, ainda não há uma divisão equitativa do trabalho na sociedade"

A professora da Uece, que também é pós-doutora em Ciências Sociais avalia que é a unificação trazida pelo Encontro Estadual será importante para dar visibilidade às diferentes opressões e desigualdades sofridas pelas mulheres no âmbito educacional. "O evento nos motiva para que fiquemos nessa luta. É um momento para oportunizar reações para nos fortalecermos e nos ampararmos.

Unificação

A viabilização do encontro se deu, de acordo com a professora Sandra Maria Carvalho, da Uece, a partir do primeiro encontro de mulheres da Uece, que também juntou outras instituições, realizado ano passado. Ela conta que, para este ano, como forma de unir as pautas e universidades, e também devido ao avanço da pandemia, foi decidido pela junção dos eventos. 

"Ampliamos também a extensão do evento. Ele não é mais só para mulheres da educação, é sobre mulheres na educação, mas é aberto. Isso foi positivo para fortalecer a luta. Será um encontro muito potente, pois a gente sabe que há grupos que tem sido atingidos de forma mais dura.

Programação

25 de março, quinta
18h30 – 20h
Ação Artística-Cultural
Mesa de Abertura: Mulheres na Luta pela vida, em Defesa da educação pública e no combate às opressões. 

26 de março, sexta
16h – 17h30
Ação Artística-Cultural
Mesa temática: Violências contra a mulher: assédio moral e sexual
18h30 – 20h
Mesa temática: Trabalho e Produtividade acadêmica em tempos de pandemia

Onde: YouTube do SindUece