Visita ao Centro de Tradições Nordestinas, em São Paulo, é certeza de reencontro com as raízes

O espaço é aberto à religiosidade, ao forró, ao artesanato e à gastronomia típica do Nordeste brasileiro

Escrito por Ana Beatriz Farias , beatriz.farias@svm.com.br
Legenda: A jornalista Beatriz Farias compara o colorido de fachadas e do artesanato à alegria do cearense
Foto: FOTO: ANA BEATRIZ FARIAS

Quando o caminho até o Centro de Tradições Nordestinas termina, encontro lar. Nas casinhas coloridas da Vila do Forró e nas manifestações artísticas que parecem ter saído do interior do Ceará, aqui citado por ser a minha referência direta como casa. A comida típica servida no local também imprime o gosto da minha terrinha e, nas mãos de gente de cá, vai ganhando tempero típico. É o que acontece, por exemplo, no Chapéu de Couro, um dos restaurantes no CTN, localizado no Bairro Limão, em São Paulo.

O anfitrião e proprietário do espaço, Vicente Nonato, é cheio de bom humor e, como se não fosse suficientemente chamativo, me aparece duplicado. Explico: há uma réplica de Vicente esculpida na entrada do restaurante, dando as boas-vindas a quem chega. "Eu e minha resenha", é como ele faz a apresentação mútua. Somadas às piadas rápidas, o sotaque entrega logo: é um conterrâneo que está ali. Cearense, nascido em Tauá, chegou à capital de São Paulo em 1974. Quando pergunto sobre a chegada, a resposta surpreende: "vim de jegue e deu 120km na estrada". O riso frouxo que sucede a disparada arremata a graça. "Brincadeira, eu vim de ônibus. Querendo encontrar uma vida melhor, ganhar dinheiro. Chegar no Ceará com a mala cheia de grana. Só que não cheguei até hoje. (Risos) Mas tô bem, graças a Deus".

Legenda: O cearense Vicente Nonato reproduziu a própria estátua para dar as boas-vindas no seu restaurante
Foto: FOTO: ANA BEATRIZ FARIAS

Assim como a dele, muitas outras histórias servem de tecido para a trama que faz do Centro de Tradições Nordestinas lugar vivo. A cozinheira Nazaré Fontoura veio de Santo Antônio de Salto da Onça, no Rio Grande do Norte. "Cheguei aqui através de uma tia minha, que eu tinha aqui, porque o meu esposo mandou me buscar pra gente casar", lembra. Há 42 anos em São Paulo, ela se considera mais paulista que potiguar e não pensa em voltar à cidade natal, a não ser para passear. O trabalho aqui no centro de tradições ajuda, já que é atenuante para a saudade que pode vir a bater: "eu nem sinto tanta falta de lá porque convivo aqui. É muito bom, maravilhoso. Um pedacinho do Nordeste pra gente matar a saudade".

Paixão consolidada

Todo o universo que compõe o Centro de Tradições Nordestinas começou a surgir há 28 anos, do desejo de um paulistano que ansiava por acolher os migrantes nordestinos. "O José de Abreu é um empresário paulistano, dono de uma empresa da indústria metalúrgica e um apaixonado pelo Nordeste. Ele, após ler uma notícia que falava de São Paulo como 'uma cidade ingrata com seus imigrantes', fazendo referência à comunidade nordestina que sofria preconceito na época, decidiu alterar esse cenário, mudar essa história", conta Diego Antunes, assessor de imprensa do CTN.

Legenda: O Centro de Tradições Nordestinas surgiu a partir do desejo de um paulistano que ansiava por acolher os migrantes nordestinos
Foto: FOTO: ANA BEATRIZ FARIAS

Desse desejo, surgiu uma rádio denominada Atual. De acordo com a assessoria do CTN, a primeira emissora a tocar programação regional, chegando ao terceiro lugar na audiência da época. "A Rádio Atual virou também um ponto de encontro dos nordestinos. A gente tem relatos de nordestinos que chegavam a São Paulo e iam até a Rádio Atual pedindo apoio, suporte para, por exemplo, encontrar parentes aqui em São Paulo. Realmente se aglomeravam em frente à rádio", explica Diego.

Foi ao perceber que o projeto desempenhado "não era só um trabalho, mas uma missão" que José de Abreu começou a ocupar um espaço que na época era um grande terreno baldio para executar planos maiores. "Foi assim que se formou o complexo, como a gente define hoje, com restaurantes e palco para shows. Aos poucos, o CTN vai ganhando essa forma que ele tem. Então esse espaço gigante começou muito pequeno, no entorno da Rádio Atual, e ganhou toda a cidade de São Paulo", relembra Diego Antunes.

Muitas vertentes

Entre as dimensões abrigadas por este coração nordestino que pulsa em meio à selva de pedra de São Paulo, está a fé, disseminada aqui por meio da Capela Imaculada Conceição. Nela, onde acontece regularmente a celebração da missa, é possível apreciar, entre outras imagens, as reproduções de Padre Cícero e de Frei Damião. A devoção, no entanto, não se encerra no lugar sagrado. Por toda parte, é possível ver uma ou outra manifestação das crenças no eterno.

Legenda: No espaço destinado à religiosidade, uma imagem do cearense Padre Cícero
Foto: FOTO: LIA LOBO

Outras vertentes que podem ser experienciadas no CTN são a cultural e a musical. Cabe muita coisa nesse lugar, que dá espaço para as principais festas do ano - como Carnaval e São João, por exemplo -, fazendo sempre a referência às formas celebradas no Nordeste, e também para shows de artistas consagrados no cenário nacional.

A culinária é outro ponto forte do espaço. "Nós temos a gastronomia, que é um dos pontos mais procurados. O CTN é conhecido em São Paulo pelo melhor baião de dois da cidade, diga-se de passagem", sorri Diego, lembrando que são 11 restaurantes e 12 quiosques trabalhando com a comida típica do Nordeste e que o trabalho social arremata as diversas funcionalidades do grande lar. "É uma outra frente de atividades que o CTN exerce. Temos entre 5 e 10 projetos funcionando ativamente. É uma outra missão que o Centro de Tradições Nordestinas abraçou entendendo seu papel para contribuir com o entorno do bairro do limão", conta.

E assim todo movimento que foi brotando ao redor da antiga Rádio Atual fez com que a vontade que José de Abreu teve, lá atrás, de acolher todo nordestino que chegasse a São Paulo, se tornasse uma bela realidade. Verdade que é colorida, vasta, múltipla e diversa, assim como o Nordeste o é.

Roteiro

Funcionamento

O Centro de Tradições Nordestinas está situado no Bairro do Limão, Rua Jacofer, 615, na capital paulista. Funciona diariamente a partir das 12h; de segunda a sexta-feira, até as 19h; sábados, até 5h, e domingos até 22h. A entrada é gratuita e os frequentadores do CTN podem conferir a programação no site ctn.Org.Br.

Festas

Nas sextas, sábados e domingos, o público pode se divertir com grandes shows de forró, arrocha, sertanejo, samba e diversos ritmos da música brasileira. Pelo palco do CTN já passaram artistas como Elba Ramalho, Ivete Sangalo, Leonardo, Zezé di Camargo e Luciano, Aviões do Forró, Calypso, Jorge e Mateus, Wesley Safadão e Luan Santana. Os ingressos são disponibilizados pela internet e na bilheteria do CTN.

Religiosidade

Construída em 1989, a capela em homenagem ao Frei Damião simboliza a fé nordestina na cidade de São Paulo. O Centro conta ainda com um Memorial ao Frei e espaço de devoção ao cearense Padre Cícero.

Gastronomia

Iguarias como baião de dois, buchada de bode, escondidinho de carne seca e bobó de camarão são os pratos mais pedidos entre os frequentadores. Já no quesito sobremesa, é a tradicional cartola (banana frita com queijo coalho, açúcar e canela) que faz mais sucesso.

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