União da Ilha do Governador aposta em 15 mil peças artesanais do Ceará para o desfile de 2019

Trechos das obras de José de Alencar e Rachel de Queiroz comporão carros e vestes da Escola de Samba carioca. As lendas do Ceará também ganham formas em diversas alegorias

Escrito por João Lima Neto , joao.neto@diariodonordeste.com.br

Basta entrar no barracão da União da Ilha do Governador para remeter ao Interior do Ceará. A escola de samba retrata figuras do imaginário popular nos carros e trajes. Os versos e memórias de José de Alencar e Rachel de Queiroz, expoentes da literatura brasileira, remontam a história do Estado no enredo. A típica rede cearense cobre as escadarias das alegorias, além de compor o cenário montado em cima dos veículos, enquanto arabescos de Espedito Seleiro emolduram diferentes peças.

"O Ceará que nos escolheu. Um grupo do Sindicato da moda que chegou até a gente. Criamos 'A peleja poética entre Rachel e Alencar' falando da grandeza da obra de dois escritores que descrevem muito bem o Ceará. Nesse enredo, a parte da moda entra no último setor. Mostraremos um Ceará apaixonado e altamente gabaritado pela literatura. Depois, todo ele feito por meio das mãos de artesãos cearenses, de rendeiras, bordadeiras, artes plásticas", diz o carnavalesco Severo Luzardo Filho.

O carnavalesco justifica o enredo como "um emaranhado de conhecimentos e sabores, desde o litoral até o sertão". A escola desfilará "causos" descritos em páginas amareladas. Cenas de uma terra ornada pela caatinga ou por imensas campinas serão retratadas.

Guilherme Estevão, desenhista da Ilha, é o braço direito de Severo. No trabalho sobre o Ceará, a preocupação com a autenticidade do conteúdo. "A maneira encontrada para 'linkar' o trabalho desses dois autores são as peças dos carros e das alas construídas por cearenses. São 15 mil peças de artesanato como descanso de pratos de palha, flores de palha e franjas de carnaúba colhidas por unidades de artesãos que se engajaram nesse processo. Gerou uma cadeia produtiva e essa interação com o Rio de Janeiro".

Legenda: Parte de um dos carros alegóricos da União da Ilha do Governador com decoração inspirada no trabalho do cearense Espedito Seleiro. O artesão cearense será homenageado em uma das alas da agremiação, no Carnaval de 2019
Foto: Foto: João Lima Neto

Nos três andares do barracão, mãos cariocas montam com cola, tinta e tesoura diferentes peças. A Escola se divide em cinco setores com artes, culinária, festas, belezas naturais e moda. Todos esses elementos são representados com base nas obras dos escritores. "A Rachel e o José falaram do Ceará de uma maneira pujante. O enredo é estruturado dessa forma. Romance, crônica e entrevistas dos dois estão ali. A gente colheu uma série de referências visuais para compor cada elemento dos carros", explica Estevão.

Moda

No local, a estilista cearense Rebeca Sampaio também dá muitas cores à escola. Natural de Brejo Santo, ela é formada em fashion design pelo Instituto Marangoni, em Londres, e atua pela primeira vez no Carnaval. "Estou realizando um sonho. Nasci no interior e fui morar em Fortaleza com 10 anos. Sempre carrego nas minhas criações um pouco da minha cultura do Ceará. Sempre trago minhas vivências voltadas ao artesanato. Estamos trazendo muita coisa do Estado, principalmente o feito à mão. Na Comissão de Frente, é bem visível esse trabalho", comenta.

Rebeca explica que, por atuar no mundo das passarelas, é um desafio se distanciar da moda. "Estou aprendendo. Está sendo legal. A dificuldade é me distanciar do fashion. Às vezes, com o Severo, é preciso rasgar, envelhecer e sujar roupas. É um pouco estranho. Na moda, quanto mais novo e acabado melhor. Aqui, como vai usar uma vez, não tem problema. É mais o visual".

Legenda: Detalhe do carro alegórico com traços do trabalho do Mestre da Cultura Espedito Seleiro
Foto: Foto: João Lima Neto

Veja a letra do samba-enredo da União da Ilha em 2019:

Vixi Maria! A ilha a cantar
Traçando em meus versos a minha alegria
Menina rendeira me ensina a bordar
No céu emoção, no chão simpatia

O Sol
Onde aquece a inspiração é luz
Meu sonho
É vida, vento, brisa à beira mar
Ouvindo poesias de Raquel
Suspiro nas histórias de Alencar
E hoje desfolhando meu cordel
Das lendas que ouvi no Ceará
É doce, é fogo, sabor e prazer
Aroma no ar, plantar e colher
Eu moldei no barro
As recordações que vivi com você

Violeiro toca moda à luz do luar
Sanfoneiro puxa o fole e
Convida a dançar
Vou pedir a Padim Ciço
Abençoe nosso povo
Essa fé vai nos guiar

Chão rachado, meu sertão
Peço a Deus pra alumiar
Terra seca que não seca a esperança
Arretada vocação de te amar
O sal da terra segue o meu destino
Sangue nordestino sempre a me orgulhar
A natureza cantada em meus versos
Traduz a beleza desse meu lugar
Linda morena vestiu-se de amor
Teceu a vida com fios dourados
Eu de chapéu de couro e gibão
Enfeitei o meu coração
E a moda desfilou ao seu lado

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