Seminário "Cultura, Democracia e Liberdade" tem teatrólogo Aderbal Freire-Filho como convidado

O evento é aberto ao público e acontece nesta segunda (17), no Theatro José de Alencar

Escrito por Felipe Gurgel , felipe.gurgel@diariodonordeste.com.br
Aderbal Freire-Filho defendeu o teatro como uma potência acessível e de forte apelo político
Legenda: Aderbal Freire-Filho defendeu o teatro como uma potência acessível e de forte apelo político
Foto: José Leomar

Os embates políticos do Brasil fortaleceram as "bolhas virtuais" - ou seja, a reunião, via WhatsApp ou pelo Facebook, por exemplo, de grupos sociais que pensam igual. A visão do teatrólogo Aderbal Freire-Filho, um cearense radicado no Rio de Janeiro (RJ) há quase 50 anos, enxerga o campo das artes e da cultura justamente como um dos lugares propícios para transitar fora das bolhas.

A partir dessa e de outras questões, o artista retorna a Fortaleza para participar dos debates da programação do Seminário "Cultura, Democracia e Liberdade", promovido pela Secretaria da Cultura do Estado (Secult/CE). O evento será realizado nesta segunda (17), a partir das 9h, no Theatro José de Alencar (Centro). O acesso é gratuito.

"A cultura e a arte são um território em que, em tese, não existem bolhas. Você vai encontrar na sua rua um cara que toca violão e compõe, e dialoga sobre política e futebol com seus amigos", diz Aderbal. Segundo o teatrólogo, o campo passa por um momento delicado, e tensionado pelo discurso que considera este universo como "frescura".

Para Aderbal Freire-Filho, a "bolha" que apoiava a candidatura de Jair Bolsonaro à presidência, quando o presidente eleito tinha 1% das intenções de voto, é um território da ignorância, de onde parte a ideia que arte e cultura não teriam relevância. "Ele (Bolsonaro) começou a atuar nessa bolha. Certamente, essa bolha cresceu muito, com gente que não é exatamente igual a eles. São pessoas que relativizam esse universo", pondera o teatrólogo.

Um dos pontos mais críticos dessa perspectiva, destaca Aderbal, é a ameaça às instituições democráticas. Mas ele enxerga no cenário político do Nordeste, no entanto, uma possibilidade de contraponto à questão. "Hoje existe um movimento de criminalização dos artistas, de atribuir aos artistas uma imagem de quem não trabalha. Mas, apesar dessas ameaças, a possibilidade de criação é plena. Você não vai deixar de criar e de ter voz porque existe uma perseguição", reflete.

Presença

O teatrólogo observa como os encontros presenciais relativizam a força dessas bolhas nos canais digitais. Aderbal Freire-Filho vê "outro nível de debate" quando as pessoas se encontram a cara a cara. O próprio espaço de diálogo, em si, é um convite para os diversos modos de pensar e de ler o mundo.

"No mundo virtual, você não entra num grupo fechado. Mas aquelas pessoas de repente vão ao cinema, para um show de música, ouvem Chico Buarque, Gonzaguinha. Daí você cria a possibilidade de se criar um mundo mais informado e poético. O discurso da poesia não é entendido só pela lógica, você se transporta para outro nível de leitura", avalia o artista.

Postura

Uma fala comum, entre os artistas, sinaliza que a própria poética das obras já traz um apelo político em si, independente do artista se engajar nas instâncias e grupos de gestão cultural. Questionado a respeito, Aderbal Freire concorda que toda arte é, de alguma forma, política. Porém, identificar o grau de comprometimento político de uma obra artística, para o teatrólogo, se trata de um território "muito difuso".

"A gente pode encontrar uma expressão poética obscurantista, um artista absolutamente de direita. O Nelson Rodrigues, que a gente precisa respeitar como o maior autor de teatro de todos os tempos, era chamado de reacionário. Se fala que ele teria diálogo com os militares na época da ditadura. Mas existe algo mais irreverente do que o teatro dele, as crônicas dele sobre futebol?", interroga Aderbal.

Teatro

Veterano do cenário teatral, pelo qual milita, atua e dirige desde a década de 1970, período da mudança do Ceará para o Rio de Janeiro, Aderbal Freire-Filho percebe a linguagem como uma potência acessível e de forte apelo político.

Porém, o teatrólogo procura desconstruir essa ideia de que o teatro seja, necessariamente, mais barato de se produzir, em relação às demais linguagens artísticas. Mesmo os agentes do teatro de rua, enfatiza Aderbal, reivindicam assistência oficial.

O diretor reconhece que as peças não exigem condições técnicas como a do cinema, por exemplo, mas coloca em questão o "custo humano", sobretudo. "O teatro pode ser feito em uma sala, quase como na rua, com a diferença que você tem de pagar o aluguel. Você pode fazer isso ao menor custo, mas tem o custo humano! Quem faz teatro também come, tem filhos na escola. Existe, no Brasil, uma dificuldade enorme nesse sentido", observa.

A dificuldade, segundo Aderbal, envolve uma inadequação do teatro em relação à "sociedade de mercado. A linguagem perde espaço numa sociedade inculta. Na Alemanha, por exemplo, os teatros são cheios. E aqui no Brasil muita gente sabe sequer onde encontrar (os teatros). Acham algo 'chato', 'elitista'", critica o diretor.

O teatrólogo pondera ainda a situação inadequada, sinalizando que, em termos de criatividade, o teatro passa por um momento de liberdade e também diversidade.

"Agora os autores incorporam Shakespeare, se escreve com muita liberdade. Não vejo diferença no que se faz no Ceará ou no Rio. Você pode fazer um bom teatro em qualquer lugar do mundo", atesta Aderbal Freire-Filho.