Referências regionais, homenagens e manifestos cruzaram o DFB Festival

O show das passarelas do DFB Festival confirma que desfiles ainda são um espaço em que as roupas são ferramentas para fazer ecoar sonhos

Escrito por Gabi Dourado , gabriela.dourado@diariodonordeste.com.br
Legenda: No desfile de Gisela Franck, modelos viraram ninfas que giravam em um mundo fantástico
Foto: Nicolas Gondim

Afinal, para que ainda servem os desfiles de moda? O mundo está conectado, não há necessidade de sair de casa para fazer compras e o conceito de roupas para a estação também não se encaixa mais. O que é exibido em passarelas não é mais determinante sobre o que será visto nas ruas, o ciclo contrário, das ruas para a vitrine, é uma realidade. Então, por qual razão insistir em semanas de moda tal qual o DFB Festival, que encerrou no último sábado?

"Eu acrescento o sonho", responde Franca Sozzani, ex-editora da Vogue Itália em documentário disponível na Netflix sobre sua trajetória profissional quando questionada da razão de colocar imagens em seus editoriais que não são de roupas. "O sonho é o único momento em que você é livre para dar espaço à fantasia e aos pensamentos", complementa. E o que se viu no vai e vem de modelos e não-modelos na passarela montada no aterro da Praia de Iracema foram doses de sonhos.

O sonho da Parko, por exemplo, que em sua estreia na semana de moda abriu o evento. Uma marca autoral, criada por jovens e que mantém uma pequena loja na avenida Monsenhor Tabosa. Mas ali, no DFB, se tornou gigante. O sonho materializado em peças de beachwear com cartela de cores em tons terrosos, que flertam com o semiárido, além de estampas florais criadas pela ilustradora cearense Auxi que vestiam, além dos modelos, pessoas que fizeram parte da história da marca e com as quais o público pôde se identificar.

No mar interior de Vitor Cunha, o sonho de quatro jangadeiros que saíram de Fortaleza rumo a Brasília virou poesia em tramas que se arrastavam na passarela tal qual as redes dos pescadores lavam as águas. Os óculos feito máscaras nos olhos transformavam modelos em orixás protetores da natureza enquanto desfilaram peças produzidas em macramês com assimetrias e fluidez, passeando por nuances de azul, céu e areia.

A passarela dá ainda os holofotes a sonhadoras como Almerinda Maria. A habilidade do tecer das rendas ganha formas inimagináveis ao acender das luzes e caminhar das modelos que nesse ano incorporam uma Carmen Miranda desconstruída. A estrela de "Sonho de Papel" se vestiu de bilro, richelieu e renascença unidas em alfaiataria, volumes e tons de laranja como aquelas que mudam conforme o nascer do sol.

Fantasia

Houve ainda quem conseguisse transformar o desfile na materialização de um sonho. Entre folhas secas ao chão, sons da natureza e modelos feito ninfas girando vestidos de linho e organza de seda, Gisela Franck permitiu a quem assistia que entrasse em transe. Se a expertise da estilista é trabalhar peças em tecidos naturais e em tons crus, fazer com que a passarela virasse um universo de natureza fantástica se mostrou necessário para encantar e entrar no clima.

Imagine então quantos sonhos se sonharam juntos durante o desfile do Cariri Visceral idealizado pelos estudantes dos cursos de Costura, Modelista e Figurinista do Senac Crato? O trançado de linhas ou de pespontos ao estilo Espedito Seleiro levou à passarela representações de guerreiras, deusas e cangaceiras num imaginário de mulheres também em conexão com a natureza, mas aquela formada de chão batido e sol a pino.

Legenda: Estampa com dizeres do sapateiro Alves na coleção de Baba

Ao fechar os olhos na hora de se entregar aos sonhos, por vezes são às divindades a que entregamos nossos pedidos. Foi Nossa Senhora dos Navegantes e Iemanjá a quem a Jangadeiro Têxtil se apegou ao levar a história das mulheres dos jangadeiros para o desfile, com músicas que remetiam à vida de quem navega pelos sete mares. Alfaiatarias em linho receberam pinceladas em formas de jangadas e conectou quem assistia ao balanço das águas.

Passado, presente e futuro

Quando se está insatisfeito com o presente e receoso com o futuro, o que resta então é sonhar. No caso da estreante Baba, sonharam com um passado não tão distante e com o apego a referências que são tão nossas. Imagino que não sendo do Ceará alguém da plateia possa não ter percebido que aquela estampa com vários dizeres em vermelho e azul era, no caso, uma reprodução da parede do sapateiro Alves, por anos disposto na Av. Engenheiro Santana Junior. Pelo delirar da plateia a cada entrada, porém, pôde-se perceber o quanto se encontraram naquelas histórias que também faziam parte de suas lembranças. Dava até para ver aquela cutucada no colega ao lado para dizer: "ei, isso aí é do meu tempo".

No mesmo desfile, outros sonhos foram carregados pelas mãos dos convidados a ocuparem aquela passarela: a de quem acredita na educação como ferramenta de transformação social. O ator e jornalista Ari Areia, vestindo um conjunto de listras em cores primárias, levou aos holofotes a obra "Ninguém Solta a Mão de Ninguém", de Tainã Bispo.

Legenda: "Bye Bye Brazil" de Lindebergue Fernandes
Foto: ROBERTA BRAGA e CHICO GOMES

Quem também se apegou ao sonho de um mundo mais inclusivo, colorido e empático foi Lindebergue Fernandes. Em um espetáculo performático, o estilista levou, entre estampas de gatinhos e maxilaços, o questionamento entre o que (e quem) é lixo, luxo, brega ou chique. Nas estampas, o escrito "Bye Bye Brazil" é mais do que uma referência cinematográfica e musical, é um chamado para despedir-se desse que tem sido calcado em intolerância e retrocesso. O riso que ecoava pela passarela parecia, a mim, uma gargalhada de nervoso, daquela que a gente dá quando vê tudo dando errado. Mas, na realidade, Lili disse: "é um riso de deboche".

Se não se sabe ainda porque fazer desfile, lembramos do show apresentado durante o encerramento com Silvânia de Deus em que a cantora Lorena Nunes ecoou: o sol há de brilhar mais uma vez. E esse é o nosso sonho.

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