Realizadores locais e norte-americanos experimentam linguagem da animação

O cearense Cláudio Martins, em intercâmbio com animadores locais e dos Estados Unidos, produzem curtas, dentre outras formas de fazer filmes

Escrito por Felipe Gurgel , felipe.gurgel@diariodonordeste.com.br
Legenda: A campanha do Unicef foi uma das primeiras animações veiculadas na TV pública da Guiné Bissau
Foto: Foto: Divulgação

A movimentação da vida nômade do animador Cláudio Martins encontra reflexo em sua reputação profissional. Cearense, nascido em Fortaleza, ele passou pelo Rio de Janeiro (RJ), Manaus (AM), Madrid (Espanha) e, envolvido no cinema de animação, ajudou a construir um intercâmbio entre realizadores brasileiros e norte-americanos após viver dois anos em Los Angeles (Estados Unidos).

O resultado desse intercâmbio circula pelo mundo e, em entrevista ao Verso, Cláudio comenta as produções mais recentes. Sob encomenda do Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância), ele fez o roteiro e dirigiu um filme curto de animação infantil, em 3D, em prol da campanha de conscientização pela vacinação das crianças na Guiné Equatorial (África).

O traço dos personagens foi criado pelo ilustrador Carlitos Pinheiro, também cearense. "Trabalhamos com sete pessoas nesse filme. Envolveu artistas de Fortaleza e de São Paulo", situa Cláudio Martins. Com uma trilha sonora cantada em espanhol, a animação tem sido veiculada em rede nacional na Guiné, através do canal de TV pública do País africano.

Segundo o realizador cearense, a população da Guiné tem pouco acesso a conteúdos criativos pela televisão. "Lá, eles só têm uma TV pública, e outra privada. Eles vivem em condições sociais muito precárias, normalmente os governos não têm recursos ou não estão nem aí mesmo. Tem uma série de problemas lá, mas o foco da campanha é a vacinação", explica Cláudio Martins.

Ele acrescenta que a campanha visa conscientizar as mães da Guiné sobre a importância da vacinação. De olho no apelo da cultura africana, Cláudio enfatiza como a abordagem da animação manteve, de propósito, um diálogo com os símbolos afros. "A África é um continente que influenciou muito outros lugares e várias pessoas não sabem disso. O que a gente come (no Brasil), por exemplo, tem uma grande herança africana. E hoje eles querem passar uma ideia mais moderna do que são", reflete o animador.

Experimental

De 2016 a 2018, quando viveu nos Estados Unidos, Cláudio dirigiu e roteirizou um curta mais "experimental" de animação. Ao lado do também conterrâneo Pedro Paulo Araújo (residente em Los Angeles até hoje) e de uma equipe da produtora La Maraca (EUA), o animador concebeu "The Hidden" (2018), um filme abstrato, baseado em uma narrativa poética de Leland Hickman (1934-1991).

Legenda: Com abordagem experimental, "The Hidden" entrou no circuito de festivais norte-americanos
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O texto original foi publicado no início da década de 1980. Forte, o poema versa sobre um caso de violência sexual. "Ele (Hickman) foi abusado pelo pai e cresceu traumatizado. Nosso filme é adulto, tem uma coisa meio sexual, violenta. Mas é algo bem abstrato, (o formato) é tradicional, preto e branco, com a narração do próprio autor. Fizemos no ritmo da voz dele", detalha o animador Cláudio Martins.

"The Hidden" já foi exibido no circuito de festivais americanos, a exemplo da programação da última edição do Poetry Film Festival, realizada em Los Angeles em novembro de 2018. Segundo Cláudio, com a intenção de sustentar o apelo universal da atual edição do curta, não há planos para se traduzir o filme em outro idioma.

Sebastiana

Além da animação para o Unicef e "The Hidden", Cláudio dirige outro projeto de filme. "Sebastiana" é uma adaptação da obra literária ("Ela tem olhos de céu", Editora Gaivota, 2012) de Socorro Acioli e Mateus Rios; e conta com parceiros locais como Carlitos Pinheiro, Edu Peixoto e Rod Mendez. Thales Ayala assina o roteiro.

Ainda inédita, a animação também vai virar jogo. O projeto foi aprovado em um edital do extinto Ministério da Cultura (MinC) e uma das exigências do concurso incluía a criação do game. "Sebastiana" é o nome da protagonista do enredo.

Legenda: Personagem de "Sebastiana": o curta ainda é inédito e traz ilustrações de Carlitos Pinheiro
Foto: Foto: Divulgação

"Estamos conduzindo duas equipes (a do filme e a do jogo). O filme é animado, mas sem diálogos. Nós optamos por isso, pra deixar mais universal, e passar esse curta em qualquer lugar do mundo, além das TVs públicas, como a TV Brasil e a Cultura", observa Cláudio Martins.

Embora seja uma animação, "Sebastiana" não se trata de um filme infantil. A exemplo de longas como "A Viagem de Shihiro" (Hayao Miyazaki, 2003), a produção envolve um imaginário mais denso à estética visual animada.

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