Primeira edição do projeto Cinema no Brejo visa inserir jovens do Maciço de Baturité no audiovisual

Iniciativa amplia reflexões sobre as práticas culturais da região por meio de atividades lúdicas e encontros semanais

Escrito por Diego Barbosa , verso@verdesmares.com.br

Florista por ofício, Denilson Lima é desbravador de outros terrenos para além do jardim. Atento ao entorno onde faz morada - o distrito de Uirapuru, a seis quilômetros da sede do município de Guaramiranga -, ele se descobre também no descortinar de imagens presentes tanto em suportes estáticos, feito a fotografia, quanto em recursos que priorizam o movimento na tela, feito o cinema.

Não à toa, desde setembro passado emerge em saberes provenientes dessa atmosfera, participando de cursos, oficinas e atividades no segmento. Foi daí que conheceu o realizador de cinema Leonardo Câmara e conseguiu aprender, com ele, técnicas que lhe possibilitaram pensar a arte de capturar momentos de uma outra forma.

"Hoje todo mundo acha que sabe bater foto, filmar, fazer tudo, mas mexer realmente com uma câmera e criar uma história a partir daquilo ali é diferente", esclarece.

É um aprendizado que deve reforçar e transmitir a partir deste mês durante a realização do projeto Cinema no Brejo, iniciativa em que Denilson e Leonardo atuam, respectivamente, como colaborador/participante e coordenador, junto a uma equipe composta por Clara Bastos, Ana Paula Vieira e Rúbia Mércia na gestão.

Em sua primeira edição, o laboratório de formação e experimentação audiovisual, contemplado pelo Edital Rumos Itaú Cultural 2017-2018, traz aulas teórico-práticas gratuitas aos jovens da região do Maciço de Baturité.

Com sede em Mulungu, os momentos acontecem aos fins de semana e devem se estender até maio deste ano, quando estarão completos os três ciclos do projeto, "Brincar", "Trabalho" e "Terra".

De acordo com Rúbia Mércia, a ideia para a realização do programa surgiu ainda no começo do ano passado.

"Eu e o Leonardo Câmara sentamos para pensar a ideia principal da ação, que seria essa formação rural lá no Brejo, no Maciço de Baturité. Ele já vinha desenvolvendo um cineclube na região e me chamou para organizarmos a iniciativa juntos, somando também outras pessoas", explica.

A proposta, segundo ela, é que as atividades desenvolvidas possam aproximar os municípios vizinhos e as escolas neles inseridas, gatilho oportuno para favorecer também o intercâmbio de distintos conhecimentos e pessoas.

Tudo reforçado por uma rede que agrega desde o transporte para levar os estudantes que moram mais longe até convidados externos de forte atuação no cinema, que devem compor as formações para ampliar o arcabouço de olhares.

Legenda: Aspectos lúdicos são trabalhados nas atividades do projeto
Foto: Foto: Marina Holanda

Ao término do projeto, o planejamento é que haja uma exposição com o material dos ciclos temáticos e lançamento de um catálogo da formação, que reunirá as produções feitas no papel (textos, colagens, anotações e fotografias dos estudantes).

Lúdico

No total, para as 40 vagas ofertadas, foram realizadas 86 inscrições por estudantes de localidades do Maciço de Baturité, a exemplo de Lameirão, no município de Mulungu.

O intento da organização é que os exercícios desenvolvidos possam fazer com que os envolvidos observem com melhor atenção o cotidiano e, a partir daí, ressignifiquem memórias e histórias próprias do lugar em que vivem.

Legenda: Os estudantes são orientados a valorizar as pessoas da comunidade, bem como o lugar em que vivem
Foto: Foto: Leonardo Câmara

"Tem uma atividade bem bacana que chamamos de Mapa Afetivo, algo que vai se desenvolver ao longo de todo o curso. Nela, o aluno vai construindo o seu próprio mapa afetivo, considerando o local onde mora, o entorno, sua família e amigos, por exemplo. É um exercício de composição que se aproxima do cinema ao considerar essas diferentes instâncias", detalha, abrindo uma fresta para que saibamos como funciona a metodologia aplicada.

Feita em etapas, a dinâmica citada já propôs aos participantes que desenhassem em um papel aquilo que desejam filmar.

No próximo fim de semana, eles vão efetivamente filmar o que desenharam e, a partir daí, outros elementos vão sendo adicionados no mapa de forma artesanal, para que compreendam aspectos técnicos do audiovisual, como noções de plano, cena, enquadramento, entre outros.

Legenda: Concentrar maior atenção no entorno é uma das propostas do Cinema no Brejo
Foto: Foto: Leonardo Câmara

Leonardo Câmara - que também atuará como mediador de oficinas - garante que, se depender do entusiasmo expressado pelos jovens ao participar dos cineclubes, as práticas têm tudo para render bons resultados.

"O cineclube, que iniciei por volta de um ano, foi fundamental para a gente desenvolver essa metodologia do projeto que pensasse a realidade de cada comunidade, de cada escola, e como elas poderiam conversar entre si".

"Dos filmes que já exibimos, entre curtas e longas, menciono o 'Jonas e o circo sem lona', que conta a história de um jovem de uma região periférica da Bahia que começa a fazer espetáculos de circo com a família. Eles chegam até a criar o próprio circo e são crianças do meio rural as participantes, por isso a importância de tê-lo passado para os alunos daqui", complementa. "É uma porta de entrada para que eles se vejam na obra, comentem sobre ela e possam pensar em como reproduzir algo na localidade em que estão".

Multiplicadores

Trabalho de Corpo é outro exercício que deve ser realizado durante a formação, no ciclo "Trabalho". O mote é estabelecer, por meio do movimento corporal, pontes com a terra e os profissionais que com ela lidam, sempre deixando, à espreita, reflexões sobre o fazer cinematográfico.

Nesse movimento, Denilson Lima, do começo deste texto, é todo alegria e boas expectativas. Presidente da Associação Comunitária União Serrana Uirapuru (ACUSU) - entidade que apoia o projeto junto à Secretaria de Cultura de Mulungu e mais quatro escolas parceiras - ele afirma que o Cinema no Brejo será um pontapé para desenvolver mais ações no segmento naquela localidade.

"Meu amigo, isso é uma coisa que está enriquecendo a nossa comunidade. É uma oportunidade única. É um projeto que vem gratuito, pra ensinar a galerinha. Até os meninos aparecerem, não tinha tido nenhum projeto audiovisual por aqui. E a galera tá empolgada", festeja.

E completa: "Pretendo trazer um curso profissionalizante pra cá. Eu ainda não entendo bem o audiovisual, mas acredito que é uma forma de enriquecer muito essa comunidade do Uirapuru. Somos muito pobres de cultura, de conhecimentos. Vejo que, com essa ferramenta, podemos dar um passo mais longo", profetiza.

"E as coisas vão melhorar por aqui, tanto em termo de ensinamento, de histórias, como conhecimento de pessoas, de amizades".

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