Poesia insubmissa de Baudelaire ganha obra com criações publicadas 2 anos após morte do escritor

Caminhando entre a sensualidade e o satanismo, poesia de Baudelaire continua atual

Escrito por Diego Barbosa , verso@verdesmares.com.br
Foto: FOTO: ETENNE CARJAT

Nome canônico na literatura universal, o francês Charles Baudelaire (1821-1867) fez história por ser considerado o primeiro poeta moderno. Ao priorizar um olhar mais acurado sobre a composição e construção do texto - em face do rigor menos formal forjado, à época, a partir do valor dedicado apenas à inspiração autoral -, o escritor rompeu formatos convencionais de narrativas poéticas, imprimindo originalidade e reinvenção ao que desenvolveu.

Ofício insubmisso, no melhor dos termos, recuperado no livro "Pequenos Poemas em Prosa", uma das mais recentes publicações da Editora Via Leitura. A obra apresenta 50 escritos lançados originalmente em 1869, dois anos após a morte do autor, sob o título de "O Spleen de Paris - Pequenos Poemas em Prosa".

Em entrevista ao Verso, Eduardo Veras - crítico literário, poeta, professor de Literatura da Universidade Federal do Triângulo Mineiro e um dos tradutores do material, com Isadora Petry - explica que a organização do livro, realizada, em primeiro instante, pelos editores Charles Asselineau e Théodore de Banville, amigos de Baudelaire, é questionada em vários aspectos pelos especialistas, pois se baseia em publicações parciais de poemas isolados ou em pequenos blocos, realizadas na imprensa francesa a partir de 1857.

"A exemplo das outras traduções brasileiras, optamos por seguir a edição corrente, que, por sua vez, se baseia quase integralmente naquela de 1869, acrescentando, quando necessário, notas explicativas", sublinha.

Temáticas

Entre os temas que mais devem chamar a atenção da audiência, Eduardo elenca dois: a descida do poeta à cidade moderna, ou seja, a aproximação com a experiência cotidiana, vulgar - observada no famoso poema "Perda de Auréola" -; e as relações do escritor com o público, corrente em "O Cão e o frasco", em que, dirigindo-se a seu cachorro, o francês diz: "Tu te pareces com o público, ao qual não se deve jamais apresentar perfumes delicados que o exasperem, mas dejetos cuidadosamente escolhidos".

"Essa associação aparentemente banal entre o leitor e o cão incapaz de apreciar um perfume delicado tem múltiplos desdobramentos na obra e na visão de mundo baudelariana, que eu arriscaria definir como profundamente autocrítica e pessimista", situa, apontando que o projeto de tradução para a obra procurou manter o equilíbrio entre a comunicabilidade e o aprofundamento crítico.

Por conta disso, não deve faltar tanto a melancolia intrínseca ao que ele produziu nos poemas aqui mencionados quanto o conceito embrionário próprio da publicação, tendo em vista que instaura uma nova estética literária. Nela predominam inspirações de todo tipo - da sensualidade ao satanismo -, o que continua provocando rebuliço nos meios conservadores e alcançando poetas de toda ordem.

"A obra dele oferece argumentos para os dois lados da batalha, uma vez que se caracteriza pela duplicidade, o jogo contraditório e autocontraditório. No Brasil, seus ecos contemporâneos, finalmente livres do monopólio de escolas literárias, são perceptíveis, por exemplo, no interesse de alguns poetas pela interlocução com o leitor, na busca pela aproximação", observa Eduardo Veras. "Baudelaire, assim, continua a ser amplamente citado textualmente por poetas e escritores atuais, aqui, na França e mundo afora".

Pequenos Poemas em Prosa

Charles Baudelaire

Tradução: Isadora Petry e Eduardo Veras

Via Leitura

2019, 112 páginas

R$ 29,90

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