Plataforma “Cultura Dendicasa” exibirá os 400 projetos selecionados pelo edital da Secult

Apesar dessa vitória, artistas avaliam que ainda é pouco para minimizar o difícil momento do setor em meio à pandemia

Escrito por Antônio Laudenir* , laudenir.oliveira@svm.com.br
Legenda: Por meio da plataforma online “Cultura Dendicasa”, a população terá acesso gratuito aos trabalhos aprovados no edital emergencial da Secretaria de Cultura do Estado do Ceará

A vida sem arte é impossível. E o difícil momento causado pela pandemia da Covid-19 confirma isso. Diante do horror, consumir cultura permite adentrar outro cenário. Propicia reflexão, leveza e busca por sabedoria. É intensa a procura por entretenimento nestes dias de confinamento social. A movimentação online dos últimos 60 dias, caso notório da popularização das “lives”, nos permite uma rápida apreciação.

Em outra esfera, o novo coronavírus afetou em cheio aqueles que trabalham e ganham a vida produzindo conhecimento e cultura. É toda uma cadeia profissional parada. A lona do circo deixou de subir. Palcos e teatros vazios. Bibliotecas de portas cerradas. Segurança, motorista, técnicos que cuidam de som e luz ficaram sem trabalho e renda.

Depois de muita luta da classe, o Ceará conquistou uma ação emergencial voltada a estes pais e mães de família. O “I Edital Festival Cultura Dendicasa: Arte de Casa Para o Mundo” é uma realidade. Dos 1.700 projetos inscritos, 400 foram selecionados e, a partir deste sábado (23), o conteúdo será disponibilizado aos poucos na plataforma online “Cultura Dendicasa” (http://culturadendicasa.secult.ce.gov.br). O acesso é totalmente gratuito.

Este novo portal da Secretaria da Cultura do Estado do Ceará (Secult), órgão responsável pelo edital, foi desenvolvido para perdurar além do período de enfrentamento do novo coronavírus, com a publicação de notícias e da programação online da Rede de Equipamentos da instituição. Semelhante a uma plataforma de streaming, o site também tem o objetivo de agregar, difundir e preservar a memória e patrimônio da cultura cearense em acervo de formato digital.

Só com o material do certame emergencial, a Secult estima mais de sete mil minutos de conteúdo ao final, o que representa um total de 123 horas de material produzido pelos participantes. A pluralidade das atrações e o perfil diversificado dos participantes são uma marca. Dados divulgados pela Secretaria ajudam a traçar um panorama do Dendicasa.

Raio X

A música foi a linguagem com mais presença (124 projetos). Tem forró, rock, MPB, reggae e instrumental. O campo audiovisual chegou junto com 37 participações. Seguem literatura (33), cultura popular e tradicional (32). Tem ainda teatro (31), dança (27), artes visuais (26), artes integradas (26) e circo (16). Humor e comédia (16) também se unem à fotografia (8), além de cultura afrobrasileira (7) e indígena (5).

A primeira colocada no edital é a vaqueira aboiadora Dina Maria Martins Lima, mestra da Cultura em Canindé. Ela inscreveu o vídeo “Aboios, Prosas e Memórias”. Em seguida, representando a cultura indígena, aparece Vanda Lúcia Roseno Batista, da Etnia Cariri (Crato), com um produto audiovisual sobre os Kariri de Umari. Nesta primeira semana de lançamento do portal Cultura Dendicasa, estarão disponíveis 40 conteúdos digitais resultantes do certame. A inclusão de 40 projetos semanalmente acontecerá até todos estarem disponibilizados.

Entre os destaques iniciais, estão o “Cumpadcast”, conteúdo com três programas no formato de rádio, cujas temáticas estão voltadas para o mês junino, a representatividade feminina de ontem e de hoje e a visibilidades trans e LGBTQI+ na cultura nordestina; e ainda o show “Repente, Cordel e Viola”, de Guilherme Nobre, com demonstrações de modalidades usadas pelos poetas cantadores, além de um breve mergulho na literatura de cordel.

Caso seja confirmada a participação de todas as propostas artísticas anunciadas, o cearense também terá a oportunidade de acessar vídeos com caráter educativo. A previsão é de diferentes cursos. Quer aprender aquarela ou construir (e tocar) pife? Vai ter. Tem aula de violão, guitarra, figurino, fotografia. Se você pensa em dominar a arte de dançar forró e até o passinho, chegou a hora.

Entre os artistas responsáveis pelos 400 trabalhos convocados, predominam cearenses que concluíram ou ainda estudam algum curso do Ensino superior (202). Os identificados com o gênero masculino são maioria com 65% dos selecionados (258). O número de mulheres é de 118 (30%). A lista inclui travesti (3), mulher transexual (3), homem transexual (1), não binário (12) e 5 pessoas responderam “Outras”. Marcam presença representantes de 51 municípios, sendo 50% das propostas provenientes do interior do Estado, com destaque para Juazeiro, Maracanaú e Crato nas primeiras colocações. A outra metade advém de 81 bairros da Capital. O Benfica lidera no total de participantes. Centro, Aldeota, Sapiranga/Coité e Papicu completam a lista dos cinco primeiros em Fortaleza.

Vale lembrar que o I Edital Festival Cultura Dendicasa: Arte de Casa Para o Mundo conta com o investimento de R$1 milhão provenientes do Fundo Estadual de Cultura. Esse valor, por lei, é um recurso exclusivo para a implantação de políticas públicas culturais. A quantia é oriunda do Fundo Estadual de Cultura. Outro dado considerado positivo pela Secult é que 358 artistas (89%) não haviam sido selecionados por editais da secretaria. A informação leva em conta a implantação do Mapa Cultural do Ceará como mecanismo de inscrição, no ano de 2016.

“Nesses tempos emergenciais, o edital tem um papel social e econômico. Tem outro aspecto que é humanitário, que é o compartilhamento das artes desses conteúdos para as pessoas, a arte resgata. A arte tem um papel de saúde, de promoção da saúde, traz bem-estar emocional”, argumentou o secretário da Cultura do Ceará Fabiano dos Santos Piúba.

Os artistas falam

Desde 19 de março, data do primeiro decreto que fechou todos os estabelecimentos do Estado, com exceção de serviços essenciais, o setor cultural vive dias de incerteza e aflição. A declaração de um profissional do meio musical resume bem o cenário. “O mercado de eventos foi o primeiro setor a parar, a fim de evitar aglomerações, e será o último a retornar aos trabalhos”, disse o empresário da produtora Social Music, Pedro Neto.

Do cara que emprega ao humorista que faz os passantes da Praça do Ferreira rir, a perspectiva é das mais sinistras. União foi o caminho. Inúmeros trabalhadores do setor, de campos artísticos diferentes abraçaram a solidariedade em tempos de pandemia.

Para citar alguns feitos memoráveis, a turma do humor realizou campanha para coleta de alimentos. A Rede de Apoio aos Artistas foi outra força de empatia e solidariedade nesse momento. Durante 50 dias de trabalho, uniu 196 voluntários. Um total de 155 cestas foram entregues em 73 bairros de Fortaleza e até municípios da Região Metropolitana.

A batalha destes profissionais também se materializou no campo político. Produtores, técnicos, integrantes de diversas categorias profissionais e prestadores de serviços de várias atividades da economia da cultura, arte, entretenimento e turismo se uniram por meio do grupo Gabinete de Crise da Cultura. O Fórum de Teatro do Ceará também foi voz de alerta. Vale citar a presença do movimento #TodosPelaCulturaCE.

Uma das conquistas é o I Edital Festival Cultura Dendicasa: Arte de Casa Para o Mundo. Em nota encaminhada à impressa e gestores dos equipamentos culturais, o Grupo Gabinete de Crise da Cultura debateu erros e acertos do edital. O conhecimento da causa é total. A ideia de um grande e permanente festival online foi a primeira das 16 propostas apresentadas em carta publicada pelo movimento no dia 19 de março.

O documento foi assinado por mais de 100 agentes da cultura, entre coletivos, entidades, fóruns e adesões individuais. Após reclamações da classe, o edital chegou a sofrer alterações. No entanto, algumas ideias propostas ficaram pelo caminho. Para os artistas, faltou ao texto do edital um caráter mais educativo, no sentido de conscientizar os participantes de um fato. Só se inscreve quem realmente atravessa necessidades e não dispõe de outra fonte de renda. Critérios como renda pessoal, renda familiar, presença no Cadastro Único dos programas sociais podia ter sido a melhor saída.

Outro sensível incômodo é a relação reveladora entre inscritos e selecionados. “A velha e dura realidade do ‘cobertor curto’, como em quase todo edital cultural, cujo números de inscritos costuma revelar uma demanda muito maior, incluindo uma ‘subnotificação’ (para tomar emprestado um dos termos do momento), dado o grande contingente que não consegue ser informado da própria existência do edital ou não tem condições de dele participar”, defendem.

É preciso continuar lutando por outros editais e outras medidas urgentes de apoio nesse momento, segundo avalia o grupo. “Com suas limitações, mas também virtudes, o edital é a resposta mais concreta que esse movimento conseguiu até agora, no Ceará. Uma conquista da sociedade civil, fazendo-se escutar pelo Poder Público. Longe de ser suficiente para sequer começar a dar conta do imenso desafio social que existe e é urgente”, falam, unidos, os artistas.

*Colaboração: Roberta Souza

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