Opinião: Ney Matogrosso desafia o público para além de sua performance de palco, em novo disco

O artista reinventou hits da MPB e canções do Pessoal do Ceará, dentre 20 faixas. O álbum digital "Bloco na Rua" também saiu em DVD e está disponível nas plataformas digitais desde o último dia 22

Escrito por Felipe Gurgel , felipe.gurgel@svm.com.br
Legenda: Ney caiu na estrada desde janeiro, com o show que agora fundamenta o novo disco
Foto: Foto: Ricardo Nunes

Depois de conhecer o impacto das performances de Ney Matogrosso ao vivo, o ouvinte precisa se contentar com outros estímulos no repertório do artista, quando se depara com a escuta de um álbum do intérprete. Desde o início da carreira, ao lado do Secos & Molhados, a poética de Ney passa pela força do corpo.

A partir desse ponto, a seleção do repertório do novo álbum de Ney Matogrosso, "Bloco na Rua", traz dois trunfos "não visuais" para fisgar o público: a dramaticidade da interpretação vocal do artista e o "peso" do cancioneiro escolhido.

O disco (Som Livre) está nas plataformas digitais desde o último dia 22 e evidencia 20 músicas conhecidas e influentes do acervo da MPB. O material foi gravado ao vivo em julho passado, durante a turnê que começou no início de 2019. Um DVD com o registro do show também foi lançado.

"Eu quero é botar meu bloco na rua", composição do capixaba Sérgio Sampaio (1947-1994), abre o disco. E mostra como Ney, com toda a bagagem que lhe compete, sabe ser cirúrgico na interpretação de um repertório, valorizando a canção original com um clima de suspense e peso no arranjo.

O álbum traz um bloco de hits da música brasileira. A versão de "Jardins da Babilônia" (Rita Lee e Lee Marcucci), com o naipe de metais e teclados em alto e bom som, respeita o apelo festivo da composição original. Para a ótima versão de "O Beco", hit dos Paralamas do Sucesso no fim da década de 80, Ney disponibilizou um clipe ao vivo. E ainda emprestou um arranjo de trilha sonora, ao mesmo tempo que conservou a assinatura dos metais da original.

A maneira como a produção do álbum reinventa esses hits mostra que, em diversos momentos, a ousadia de Ney Matogrosso está nos detalhes. "A Maçã", consagrada na voz de Raul Seixas, sustenta o romantismo de origem, mas confere um tom de marchinha à versão.

Se o ouvinte fecha os olhos ao escutar "Yolanda", conhecida na versão de Chico Buarque, dá pra imaginar Ney dançando, embalado pela estética latina. O clássico "Sangue Latino", do grupo Secos & Molhados, ganha uma roupagem do rock e eletrônica, bem mais dinâmica que a original. E a dramaticidade da primeira composição dá lugar ao vigor de um ritmo mais pulsante.

Autores cearenses

Outro bloco do repertório traz três músicas gestadas por autores cearenses. Crias do Pessoal do Ceará, "Pavão Mysteriozo" (Ednardo), "Postal do Amor" (Fagner, Fausto Nilo e Ricardo Bezerra) e "Ponta do Lápis" (Clodô e Rodger Rogério) ganharam versões instigantes.

"Pavão..." aparece com a força de um arranjo de orquestra e do clima robótico preenchido por teclados e sintetizadores, destoando do apelo mais rústico da original de Ednardo.

"Postal do Amor" e "Ponta do Lápis", registradas por Ney e Fagner pela primeira vez num compacto em 1975, aparecem com ares sofisticados, um lindo arranjo de cordas e a presença do naipe de metais, destaque na sonoridade do álbum inteiro.

Legenda: Bloco na Rua/ Ney Matogrosso/ Som Livre/ 2019, 20 faixas/ Disponível nas plataformas digitais

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