Raimundo Fagner lança sua biografia autorizada

Confira trechos do livro que será lançado em Fortaleza nesta terça-feira (16)

Escrito por Felipe Gurgel , felipe.gurgel@diariodonordeste.com.br
Legenda: Fagner teve sua vida pesquisada, durante três anos, pela jornalista Regina Echeverria (SP)
Foto: Fotos: Acervo Raimundo Fagner

Em 2019, quando completa 70 anos de idade, Raimundo Fagner continua com a marca que pautou uma carreira de quase cinco décadas. Com personalidade forte, temperamental, o cantor e compositor sempre foi determinado pelo sucesso popular. Conseguiu transitar e engatar parcerias para além da música - seu principal metiê até hoje. 

A biografia “Raimundo Fagner: quem me levará sou eu” (Editora Agir) oferece um recorte sobre o perfil do cearense para além do músico: um sujeito extremamente ligado às raízes, e afeito a circular dentre outros meios com apelo massivo e de poder, como o futebol e a política. 

Com a presença de Fagner, o livro será lançado nesta terça (16), às 18h30, na Livraria Cultura (Aldeota), ao lado da autora Regina Echeverria e da editora Janaína Senna. O encontro é aberto ao público e inclui uma sessão de autógrafos da obra. Em entrevista ao Verso, o cantor pontua que a publicação integra as comemorações de seus 70 anos e antecede o lançamento de um álbum inédito. 

Até outubro – Fagner aniversaria no dia 13 desse mês – ele lançará o disco, incluindo parcerias com Renato Teixeira, Zeca Baleiro e Moacir Luz. Com a biografia lançada, o artista enfatiza que está na melhor fase de sua carreira e finaliza um ciclo de vida. “É como pular de uma fogueira e ir pra outra. Eu não estou só ‘vivo’, estou muito vivo. E recebendo um reconhecimento que nunca imaginei. Sempre busquei muito realizar coisas, o sucesso, porque a gente depende da competição no nosso trabalho. Mas nunca imaginei ser tão reconhecido pelas gerações novas também”, observa o cantor. 

Apurada e escrita pela jornalista Regina Echeverria, a biografia é aberta com a história de Bruno, o filho de Fagner, reconhecido pelo cantor depois de adulto, e segue, evidenciando o crescimento pessoal do cearense, sempre ligado à terra natal e à família dos pais, Seu Fares e Dona Chiquinha. A narrativa ainda foca no caminho de um artista obstinado pela música – sob os reflexos do desinteresse de Fagner como aluno do ensino escolar. Fotos de várias fases da vida pessoal e profissional do biografado também ilustram boa parte das 440 páginas. 

Legenda: Quando era criança, Fagner viveu em Fortaleza e Orós

A obra é temperada por trechos das cartas que Fagner escrevia para a família enquanto vivia por Brasília (DF), Rio de Janeiro (RJ), São Paulo (SP), dentre outros lugares pelo Brasil e pelo mundo. Nessas declarações, o cearense sai da figura “forte” que sempre envolveu sua personalidade, demonstra fragilidades e tenta defender, perante o conservadorismo familiar, a própria vocação artística. 

Pesquisa 

O cantor situa que sua irmã, Marta Lopes, e Tereza Tavares, diretora administrativa-financeira da Fundação Raimundo Fagner, tocaram boa parte do processo de realização do livro. Organizadora do Acervo Raimundo Fagner, Marta serviu de referência para a pesquisa de Regina Echeverria. 

“Quando entrei, já foi no tempo de acompanhar o que a Regina tinha escrito. Houve uns contratempos no meio disso, demorou bastante. Foi uma coisa muito dolorosa mesmo esse processo, mas graças a Deus está aí na rua. As pessoas gostando, outras criticando, mas isso faz parte do jogo mesmo”, recapitula o cantor. 

Indagado se conseguia recordar da maior parte das histórias do livro, garante que lembra de tudo. Ele acrescenta que dentre os vários conflitos que teve, precisou aliviar em alguns episódios. “Você lidar com tantos fatos, tive atritos com muita gente. No meu livro, eu quis um pouco amenizar. Regina teve uma certa dificuldade com isso, mas o livro é meu”. A autora confirma a interferência. “O que ele falou tá falado. Eu fiz o que ele quis”, conta a biógrafa.

O estranhamento com Belchior (1946 – 2017), parceiro no clássico “Mucuripe”, aparece em vários capítulos. Fagner se queixava da “inveja” do poeta sobralense, quando os dois ainda dividiam apartamento no Rio de Janeiro e o cantor fortalezense começou a receber uma série de convites pra tocar. E o conflito, segundo a narrativa do livro, culminou, mais adiante, até em briga por um casaco.

Intensidade 

“A sensação que eu tenho é que vivi muito, trabalhei muito, desde criança sempre gostei disso. Virei o mundo inteiro, viajei muito. Muita coisa não entrou, mas eu posso fazer outro livro, sobre futebol, por exemplo. E isso me motiva a contar outras histórias”, vislumbra.

Legenda: O cantor ao lado de sua mãe, dona Chiquinha, na Fundação Raimundo Fagner

A linha do tempo da obra abarca os primeiros anos de vida, em Fortaleza (onde nasceu) e Orós (sua cidade de coração), e reforça como Fagner começou a cantar cedo, a sonhar com música e programas de auditório. “Sempre pensei no estudo como um plano B, fui um péssimo aluno, só estudava o que eu queria. Já tinha essa intuição, de que minha vida seria na música”, recorda.

Sem diminuir a ambição do biografado, a obra revela que a meta de Fagner era alcançar a posição de sucesso de Roberto Carlos. Indagado se, como leitor da própria história, destacaria alguma revelação do livro, o cantor aponta passagens da biografia: “Naturalmente, muita gente não sabia do Bruno. Agora mesmo, quando faço show, as pessoas vêm falar comigo e perguntam por ele. E muita coisa aconteceu no aspecto profissional, os atrevimentos da infância”.

Segundo ele, a biografia se distingue por se tratar da trajetória de um músico que se relacionou com outras áreas. “Num contexto geral, é uma pessoa que trabalhou em grupo, e sempre teve bons parceiros, a começar pelo Belchior, o Fausto (Nilo). Aqui no Rio, Vinicius (de Moraes), Ferreira Gullar, tantos poetas. Gente no mundo do futebol, música, política. Acho que isso pode fazer diferença em relação a outras biografias”, avalia Fagner.

Serviço  
Lançamento do livro “Raimundo Fagner: quem me levará sou eu”

Com sessão de autógrafos para o público. Nesta terça (16), às 18h30, na Livraria Cultura (Shopping Varanda Mall, Av. Dom Luís, 1010, loja 8, Aldeota). Acesso gratuito. Contato: (85) 4008.0800 

Legenda: Fagner faz show na Praça Verde do Centro Dragão do Mar, no ano 2000

Confira trechos da biografia

(Sobre o caso que Fagner teve – sem revelar a identidade da mulher - na época do lançamento do primeiro LP, “Manera Fru Fru Manera” (1973). O cantor teve um filho deste relacionamento, Bruno. A paternidade foi confirmada quando o rapaz já era adulto)  

Bruno nasceu em 1974. Porém, Fagner e a mãe conseguiram seguir a vida sem grandes atropelos em consequência de seus atos. Quando era menino, inúmeras vezes Bruno visitou o “tio Fagner”, aguentou brincadeiras na escola por ser parecido com o cantor e, ao crescer, reparou a enorme dessemelhança que havia entre ele e seus irmãos.
 

(Bruno reconhece até uma certa semelhança de temperamento com o pai biológico, conforme mostra essa citação abaixo no Capítulo 1).  

Eu vejo que o nosso temperamento é muito parecido, eu só me controlo mais do que ele. Não tenho muita paciência. Tenho esse grave defeito e acho que ele, de alguma forma, também tem um pouquinho. Sou muito intolerante com as pessoas, não aturo muita coisa. Já tolerei muito, mas acho que aconteceu alguma coisa na minha vida, não sei se pessoalmente ou profissionalmente, que me fez mudar. A diferença é que ele solta e eu guardo um pouco mais, mas não muito.”
 

(No capítulo 4, a narrativa mostra que Fagner e Belchior só ganharam respeito da turma do Bar do Anísio, reduto de intelectuais e boêmios de Fortaleza no final da década de 1960, quando fizeram "Mucuripe")  

No Bar do Anísio, Fagner também conheceu Belchior. “Éramos o segundo time, o plano B, mais jovens do que os outros que não nos davam a menor trela. Belchior se levanta da mesa e fala: “Magro.” Era como ele me chamava. “Olha essa letra aqui.”” (Fagner) Era “Mucuripe”. Fagner a levou para casa e, no dia seguinte, uma surpresa: chegou com a música pronta. Todo mundo gostou. Ficaram espantados. A partir desse episódio passaram a vê-lo com outros olhos.
 

(Em trecho no capítulo 7, ele relata, em carta para os pais, como começou a destoar da trajetória de Belchior) 

Se por um lado as coisas não podiam estar melhores, por outro nem todo mundo parecia feliz com o sucesso de Fagner. Ele conta, em carta de 12 de novembro, sua estranheza diante do comportamento do conterrâneo Belchior. "Ele anda meio espantado com as novidades, pois não esperava que tudo fosse acontecer tão forte e tão depressa. Anda meio encabulado comigo, sente-se meio por baixo. Andou fazendo uns troços meio chatos. Os convites que chegam são muito mais para mim. Ele anda com a cara no chão. Eu tenho é muita pena dele, das imbecilidades que faz"
 

(O capítulo 15 mostra como Fagner, já estabelecido na carreira e no Rio de Janeiro, em 1983, tornou-se amigo do recluso João Gilberto, ícone da bossa nova) 

Aconteceu em Iacanga, próximo a Bauru, no interior paulista. Participaram cerca de cem mil pessoas. Entre os convidados, estavam João Gilberto, Raul Seixas, Erasmo, Fagner. Naquela noite, o grande nome da bossa nova, que se apresentaria depois do cearense já na madrugada, assistiu à apresentação de Fagner debaixo de chuva. A partir disso, viraram amigos e se falavam horas e horas, mas só por telefone, como é de costume de João. Ao vivo e a cores mesmo, nunca mais se viram.
 

(No capítulo 16, Regina Echeverria dá uma síntese sobre a atuação política de Fagner. Ao longo da trajetória, segundo a biografia, o cearense foi mais ligado à política regional, e menos ao contexto nacional) 

Não se pode afirmar que Fagner tenha sido um militante político no sentido estrito da palavra. Apoiou a luta contra a ditadura militar e o movimento por eleições livres, o Diretas Já. O povo queria eleger um novo presidente, mas a escolha ficou por conta do Congresso Nacional, que cravou o nome de Tancredo Neves. Por trapaças do destino, este adoeceu na véspera da posse e, em 21 de abril de 1985, morreu. Fagner o conheceu, apoiou sua candidatura, mas seu foco na política era mais regionalista, mais nordestino, decididamente mais cearense. O atual senador Tasso Jereissati, por exemplo, teve seu apoio quando se candidatou ao governo do estado em 1986.

 

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