Pela Amazônia: mochilaço em Manaus sob viés espiritual abraça novas perspectivas sobre a floresta

Atividade, realizada pela Companhia de Jesus, acende fogo de cuidado e preservação da terra-pulmão do mundo

Escrito por Diego Barbosa , diego.barbosa@svm.com.br
Legenda: A cada novo passo, a gama de olhares sobre a mata e sobre si mesmo aumenta
Foto: Foto: Clarisse Vasconcelos

Em algum momento da caminhada, a mochila pesou mais. O sapato proveu calo, a pele sentia arder pelo sol forte. Mas era preciso seguir. E foi necessário pensar assim em vários outros instantes em que o cansaço bateu à porta. Mochilar tem dessas minúcias: cada passo constrói uma nova camada interna. É metáfora oportuna sobre os caminhos que a gente percorre na vida de todo dia. Não dá para esmorecer.

Fortaleza ficou para trás em uma quinta-feira. Na sexta, Manaus já era casa, o lar em que realizaria experiência de peregrinação idealizada pelo programa Magis Brasil, da Companhia de Jesus. Era minha segunda vez. A primeira foi no Espírito Santo, há quatro anos; nesta nova incursão, as expectativas afloraram com maior força. Não sem motivo.

No exato período em que os olhos do mundo se voltam com maior afinco para a floresta-pulmão – tão dilacerada, tão consumida por fogo alto – estaríamos, mais de 60 jovens e eu, a refletir como fazer para construir uma ecologia integral naquele ambiente, baseada nos afetos que cada um trazia em si. Tudo muito claro, portanto: na contramão do destruir, nos utilizaríamos de mesmo calor para gerar vida.

Legenda: Unidos, mais de 60 jovens vivenciaram experiência de gerar aconchego para a floresta
Foto: Foto: Rafael Oliveira

Assim, saindo do centro da cidade, em que fica localizada a Casa Magis Manaus, um micro-ônibus nos conduziu à altura do quilômetro 890 da BR-174. Era lá que faríamos a primeira parte do mochilaço, com itinerário total de 16 quilômetros e previsão de oito horas de caminhada. Na retina, paisagens humanas – de traços indígenas, afros e brancos, bonito caldeirão de feições – e cenários de asfalto e mata. Cada detalhe evocava novos horizontes.

Manhãzinha ainda, a dinâmica proposta pela equipe à frente da atividade envolvia pequenas pedras. Nelas, deveríamos projetar nossos anseios para a jornada espiritual, registrando, em palavras, apelos e sentimentos.

A fim de driblar a exaustão e continuar a promover olhares mais aprofundados sobre nós mesmos, cinco paradas foram feitas durante o percurso, cada uma refletindo sobre um sentido do corpo e investindo no artesanato local como forma de aproximarmos de nossa ancestralidade, da seiva bruta de onde viemos.

Porta aberta para o conhecimento daquela terra sagrada, uma cidade mestra em surpreender.

Legenda: Dinâmica envolvendo pedras suscitou mergulhos interiores
Foto: Foto: Diego Barbosa

Imersão

Aperfeiçoar a visão gerou mergulho no verde. Lado a lado na estrada, o aglomerado de árvores enlaçava quem ainda era novato em território nortenho, feito eu. Tudo era belo na fartura de espécies botânicas, e o simples passeio do olhar pelo tapete natural emanava a forte energia amazônica.

Ouvir o fôlego da terra também germinou imersão. O assobio das aves e o leve roçar dos galhos um no outro, fazendo cair as folhas das copas, era banho de alento. O sol que castigava, assim, era o mesmo que iluminava o desabrochar da natureza. Ali, era muito fácil entender que tudo precisa de um equilíbrio, e que o organismo natural era feito o nosso, porque era parte de nós também.

Legenda: Estradas de asfalto e terra foram percorridas
Foto: Foto: Diego Barbosa

A experiência do tato conectava-se a quem caminhava junto durante a andança. Sinônimo de carinho e cuidado, o gesto interligava vivências. Como quando contei os saberes do Ceará para uma amiga amazonense que fiz lá, e vice-versa.

Contou-me das lendas da região, do clima quente e úmido, da diversidade de expressões indígenas e do desafio constante em mantê-los como principais agentes e donos da terra que sempre foi deles. 

Apresentou-me sabores típicos, de frutos feito buriti, açaí e cupuaçu. Nesse movimento, experimentei o din din de taperebá (nosso conhecido cajá) e degustei o agridoce do tucumã, tirado diretamente do pé (bem delicioso, vale ressaltar).

Legenda: No total, 16 quilômetros foram percorridos do começo da manhã ao fim da tarde

O paladar se agigantava em meio à variedade de cores e traduzia o espírito além-fronteiras da atividade. Conectava-se, ainda, com o cheiro de cada coisa que era posta à altura dos olhos e dentro da boca ao simples transitar por dentro da mata. Um roteiro literalmente integral em vários sentidos.

Aproximações

Nossa última parada foi na Fazenda da Esperança, voltada para acolher homens que estão em processo de recuperação da dependência química. Existe outra, dedicada à admissão apenas de mulheres na mesma situação. São lares em que pulsam, com vigor, fortes testemunhos e vivências.

Legenda: Diferentes elementos da cultura indígena compuseram ornamentação nas paradas durante a caminhada
Foto: Foto: Diego Barbosa

Aprendemos muito ali, estreitando o laço com o lado mais humano que há em nós. A parcela que anseia por pés no chão e o encarar face a face. Logo no alvorecer do novo dia, essa premissa ficou muito limpa: fomos apresentados ao trapiche onde faríamos nossas reflexões mais profundas, em que brotavam os pensamentos mais intranquilos.

De lá, partimos para um grande abraço coletivo, em conexão com lares maiores, a terra em ebulição de afetos.

O itinerário espiritual não findou em atividades assim: continuou no cenário urbano. Permitiu-me conhecer a Manaus dos belos prédios, de incontornável arquitetura, feito a do Teatro Amazonas, um dos principais equipamentos culturais da cidade.

Legenda: O tacacá é iguaria regional que pode ser consumida no Largo de São Sebastião, no Centro de Manaus
Foto: Foto: Clarisse Vasconcelos

Também a intensa movimentação do Mercado Municipal Adolpho Lisboa, reduto de várias gentes, cheiros, sabores. E ainda a riqueza visual do Palacete Provincial, com exposições que abraçam a história da região.

Meia hora antes de regressar para Fortaleza, ainda tomei banho no igarapé. A bagagem, como previsto, ia transbordando de saberes. No avião, observava o tapete – único, nosso e multicor – das experiências vividas. 

Legenda: Banho no igarapé é atividade obrigatória durante passagem por Manaus
Foto: Foto: Diego Barbosa

Se tem algo que aprendi nesse vagar pela Amazônia maiúscula é que é preciso pisar suavemente naquele chão sagrado. Herdei pensamento de Ailton Krenak. Certa vez, o líder indígena e ambientalista escreveu:

“Se as pessoas não tiverem vínculos profundos com sua memória ancestral, com as referências que dão sustentação a uma identidade, vão ficar loucas neste mundo maluco que compartilhamos” 

É verdade. Distanciar-se da rotina ingressando no verde é o primeiro passo para perceber que residimos numa casa comum, em que cada coisa age em comunhão com outra. E isso é suficiente para gerar consciência.

> Roteiro

COMO CHEGAR
De Fortaleza para Manaus tem voos diretos pela Gol e Latam e com conexão pela Azul.

TRADIÇÃO
Quem passa por Manaus, não pode deixar de conhecer o Mercado Municipal Adolpho Lisboa. O local reúne artesanato, gastronomia e histórias da cidade. O acesso é pela rua dos Barés e Manaus Moderna, Centro.

Legenda: Cocares e outros artefatos presentes no Mercado Adolpho Lisboa
Foto: Foto: Diego Barbosa

CULTURA
No Palacete Provincial, exposições cinco museus apresentam a riqueza artística da região, rememorando também importantes episódios históricos. Também localizado no Centro, na Praça Heliodoro Balbi.

Legenda: Obra envolvendo representação de palafitas em mostra no Palacete Provincial
Foto: Foto: Diego Barbosa

ARQUITETURA 
O imponente prédio do Teatro Amazonas é um dos lugares imperdíveis para visitação. Inaugurado em 1896, resguarda patrimônio histórico e cultural do Estado. Fica no Largo de São Sebastião, Centro.

Legenda: Teatro Amazonas surpreende pela imponente arquitetura, beleza e longevidade
Foto: Foto: Diego Barbosa

ESPIRITUALIDADE
Para saber mais sobre outras experiências da Companhia de Jesus, acesse o site do programa Magis Brasil.

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