Museólogos debatem preconceitos e caminhos da formação de público dos museus

Instigados em pesquisa levantada pelo Oi Futuro sobre a visitação dos museus brasileiros, os diretores do Museu do Ceará, Mauc e Museu da Fotografia Fortaleza discutem o tema segundo a realidade dos equipamentos locais

Escrito por Felipe Gurgel , felipe.gurgel@diariodonordeste.com.br
Legenda: O Museu do Ceará se encontra em reforma de manutenção e deve reabrir dentro de um prazo mínimo de 120 dias
Foto: Foto: Felipe Abud

O lugar dos museus no imaginário dos brasileiros reflete a dificuldade com a qual a maioria da população encara a memória e a história do País. Ao se deparar com a possibilidade de frequentar o circuito museológico da própria comunidade, o público traz à tona uma série de estereótipos. “Lugar chato”, “sem novidade”, “melhor é no Louvre, em Paris”, “não representa o povo”, são alguns dos preconceitos mais comuns em relação à visitação e ao acervo desses espaços culturais.  

O Instituto Oi Futuro, organização à frente da gestão do Museu das Telecomunicações (RJ), divulgou o resultado da pesquisa “Narrativas para o Futuro dos Museus” (linkar a pesquisa). O levantamento, feito a partir de uma consulta com 600 pessoas entrevistadas, entre frequentadores e não-frequentadores de museus, identificou estereótipos recentes e habituais. E ainda pautou uma discussão sobre como é possível desconstruir esses mitos para a formação (e fortalecimento) de público dos equipamentos.  

A consulta foi realizada, no segundo semestre de 2018, concentrada em cinco capitais brasileiras: São Paulo/SP, Rio de Janeiro/RJ, Porto Alegre/RS, Recife/PE e Belém/PA. Basicamente, a pesquisa se volta ao esclarecimento de estratégias e soluções de comunicação entre a sociedade contemporânea e os três mil museus registrados pelo Instituto Brasileiro de Museus (Ibram).  

Em entrevista ao Verso, três gestores de espaços museológicos do Estado – o Museu do Ceará, Museu da Fotografia Fortaleza (MFF) e o Museu de Artes da Universidade Federal do Ceará (Mauc) - debateram as impressões levantadas pela pesquisa do Oi Futuro.   

Em torno de 50% dos entrevistados opinou que o museu seria um lugar para ser visitado somente uma vez. Ou seja, a impressão desse público leva a crer que o espaço museológico não deve ser revisitado. Para Carla Vieira, diretora do Museu do Ceará, esse olhar é difundido por conta da imagem dos museus como um espaço “cristalizado, estático”. 

“Hoje existe um grande desafio para se manter uma dinâmica de visitação nos museus. E uma necessidade de realizar a ideia de que o museu é um espaço de transmissão do conhecimento. E no caso dos museus históricos, há um esforço de tratar a história de diversas formas e versões”, situa a museóloga. 

Segundo Silvio Frota, diretor do MFF, o diagnóstico do público, nesse caso, está “completamente errado”. “Se você vai a um museu somente uma vez, você não vê nada. Cada vez que você entra, vê coisa nova. Quando vai de novo, começa a ver detalhes que não viu da outra vez, seu olhar começa a ficar mais crítico”, esclarece ele, sobre a dinâmica de visitação.  

Para Frota, o frequentador que crê nessa ideia quer “apenas dizer” que foi ao museu. “Os museus normalmente são muito grandes. Você precisa retornar, pra perceber as nuances das obras (expostas)”, completa.  

Graciele Siqueira, diretora do Mauc, observa que o retorno dos visitantes se relaciona, hoje, com o contato entre o público e as redes sociais dos equipamentos. “A gente precisa repensar a forma como se comunica, física e virtualmente. É impossível pensar os museus do século XXI sem fazer uso das redes sociais e sem uma programação diversificada para os mais diferentes públicos que já frequentam e que poderiam vir a frequentar”, reflete. 

Acervo vivo 

Durante a apresentação da pesquisa no Oi Futuro, o pesquisador museológico Michel Alcoforado (RJ) destacou que 64% dos entrevistados enxergam a carga histórica que cada peça exposta traz. “O acervo do museu é uma experiência. E é fundamental para o público estabelecer laços emocionais com os espaços”, sugere ele, situando o conceito de “Acervo Vivo”. 

Indagados se existe hoje um esforço da gestão museológica pela renovação dos acervos e das possibilidades de interação entre as peças e o público, os gestores locais refletem como o acervo é dinâmico.  

Um mesmo objeto pode gerar inúmeros problematizações, conta inúmeras histórias. E há muitos atores envolvidos nisso: desde o pesquisador que lida com o objeto; ao curador, que opta pela exposição desta peça; o serviço de mediação com o público; além do visitante, que observa e constrói sua própria leitura”, pontua Carla Vieira.
 

A diretora do Museu do Ceará nega, no entanto, que a curadoria dos espaços seja totalmente “isenta” a respeito das impressões do público. “Quando se define uma política de acervo, se elabora uma exposição, você elenca narrativas para o público visitante. Mas cada experiência de visita é peculiar. As exposições não têm um texto objetivo”, reforça.  

Inovação 

Graciele Siqueira acrescenta como a gestão dos acervos já tem investido na digitalização do conteúdo exposto – a fim de estimular, por meio da apresentação dos objetos no ambiente virtual, a visita presencial ao museu. “Penso a digitalização como uma das diversas pontas da grande estrutura que envolve as atividades diárias nos museus e centros de documentação”, qualifica. 

Para Sílvio Frota, embora haja a limitação de recursos financeiros para viabilizar os museus, cada equipamento garante o “acervo vivo” com a rotatividade do calendário de exposições. “Mesmo os que passam dificuldades têm alguma renovação. Eles têm reservas técnicas, então sempre está se renovando: com exposições inéditas ou com as obras do próprio museu”, complementa.  

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