Livro traduz para o português importante manuscrito sobre a América e o Brasil

Bibliófilo José Augusto Bezerra e a brasilianista Ingrid Schwamborn organizam a obra, com rica iconografia de mapas e ilustrações da época

Escrito por Diego Barbosa , diego.barbosa@verdesmares.com.br
Legenda: Rica iconografia de mapas e ilustrações da época integram o panorama da obra, a exemplo do Mapa-Múndi confeccionado em 1526 sem o nome "America"

Desde que adquiriu a cópia manuscrita da “Lettera al Soderini”, José Augusto Bezerra tomou para si a tarefa de esmiuçar e divulgar os principais detalhes acerca do documento. Trata-se de um opúsculo de 32 páginas, cujos primeiros exemplares são raríssimos, outrora sob posse apenas de algumas instituições de extremo respeito no mundo, caso das bibliotecas do Museu Britânico, da Universidade de Princeton e Palatina de Florença.

“Sabíamos que o original do manuscrito não mais existia e uma cópia secular da carta que deu o nome à América tratava-se de um documento valioso, que devia ser preservado para a posteridade”, situa o bibliófilo cearense.

Com o escrito em mãos, ele se uniu a outros destacados estudiosos para trazer à superfície o livro “A Carta de Américo Vespúcio, em Lisboa (1504) e o mapa de Martin Waldseemüller, com o nome America, delineando as terras do futuro Brasil (1507)”.

Lançada no último dia 24 de agosto durante a XIII Bienal Internacional do Livro do Ceará, com o apoio das Edições UFC, a obra despertou grande interesse do público, haja vista o esgotamento dos exemplares no evento.

Natural: o título chega de maneira a corrigir falhas da tradução da lettera para o latim, que haviam sido cometidas pelo humanista e cartógrafo alemão Martin Waldseemüller, e reafirma a relevância da imagem de Américo Vespúcio – prejudicada, ao longo da história, por interesses de Estado. 

“Tudo enriquecido com dados e provas, por meio de documentos, mapas e preciosas contribuições de renomados autores contemporâneos, como os Drs. Ottmar Ette e Luciano Formisano”, valida José Augusto que, junto aos dois últimos citados e à brasilianista Ingrid Schwamborn, se debruçou num período de dois a três anos no material. A obra, de grande envergadura histórica e social, resguarda ainda grande iconografia de mapas e ilustrações da época.

Legenda: Bibliófilo José Augusto Bezerra organizou a obra juntamente à brasiliana Ingrid Schwamborn
Foto: Foto: Nah Jereissati

A partir desta semana, o livro poderá ser encontrado tanto na Academia Cearense de Letras quanto no Instituto do Ceará, onde já estava. Por assumir caráter bilíngue (português-alemão), também está sendo lido no exterior, ampliando os olhares não apenas sobre o Brasil e o continente americano, como abrindo novas perspectivas de análise sobre uma terra encoberta de detalhes a desbravar. 

Confirmação

O desejo de confirmar se o documento teria realmente pertencido a Francisco Adolfo de Varnhagen – considerado, na visão de José Augusto, pai da História do Brasil – foi o principal motivo para que se iniciasse a empreitada de descortinar o arquivo.

“Também incluo nesse cenário a visão da professora brasilianista Ingrid Schwanborn que, desde os primeiros momentos, reconhecendo a importância do manuscrito, convenceu-me a estudarmos melhor e divulgarmos o raro impresso”, complementa.

Dentre as novidades intrínsecas ao livro, está o fato de essa ser uma fiel e inédita cópia manuscrita do original da “Lettera al Soderini” que pertenceu a Varnhagen, uma das maiores autoridades mundiais nos estudos sobre Américo Vespúcio – inclusive com observações dele, em português, no referido arquivo. E também a pioneira tradução do arquivo do italiano para o português e alemão.

De acordo com José Augusto Bezerra, “essa carta foi fundamental para o conhecimento e divulgação do que depois foi a América e também o Brasil, pois, na terceira viagem, Vespúcio veio logo após Pedro Álvares Cabral para mapear as terras por ele descobertas. Isso porque Cabral só ficara uns dias em Porto Seguro. Aqui, Vespúcio deu nome a locais geográficos importantes, como o rio São Francisco e a Baía de Todos os Santos”.

Legenda: "Mapa de Martin Waldseemuller segundo Americo Vespucio", de 1507

Foi a lettera, com o relatório das quatro viagens nas mãos dos humanistas responsáveis pela estruturação de um novo mapa múndi, que fomentou a inclusão do quarto continente. Daí, decidiram nomeá-lo “America”, em homenagem a Américo Vespúcio, à frente das descrições da nova terra. 

Essa decisão teve repercussões, cujos debates podem ser lidos no livro. Para adiantar, uma das questões envolvendo a nomenclatura deve-se ao fato de o termo ter sido colocado no feminino, pois assim eram os outros continentes. 

Surpresas

A descoberta de uma informação de Adolpho Varnaghen na introdução do livro “Américo Vespúcio, seu caráter, seus escritos”, em Lima (1865), foi a maior surpresa encontrada por José Augusto quando da imersão no material. Adolpho dedica a obra ao marquês Dino Caponi como gratidão por ter lhe deixado consultar o exemplar impresso da lettera. 

“Fez isso, principalmente, por ter lhe presenteado com uma cópia fiel, com fac-símiles, justamente como a que temos, o que confirma que esta foi a lettera que lhe pertenceu”, complementa o bibliófilo. 

Por sua vez, da parte de Ingrid Schwamborn, um dos fascínios na pesquisa foi descobrir, em 2017, que não havia traduções do italiano nem para o português, nem para o alemão, do documento. Foi quando decidiu publicá-lo nas duas línguas, presentes na corrente edição.

A Carta de Américo Vespúcio, em Lisboa (1504) e o mapa de Martin Waldseemüller
Organização: José Augusto Bezerra e Ingrid Schwamborn

Edições UFC
2019, 228 páginas
R$ 60

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