Jonnata Doll & Os Garotos Solventes calibram sua poética do "submundo" em novo disco 

O terceiro álbum da banda cearense traz o conterrâneo Fernando Catatau na produção. A vida em São Paulo e a conjuntura de extremismo político inspiraram o repertório

Escrito por Felipe Gurgel , felipe.gurgel@diariodonordeste.com.br
Legenda: Jonnata Doll & Os Garotos Solventes chegam ao terceiro álbum
Foto: Foto: Marcelo Madou

Bem antes de se mudar para São Paulo, o cearense Jonnata Doll era habitué do underground fortalezense. Vocalista da extinta banda punk Kohbaia, o artista marcou pela entrega, quando ocupava os palcos da cidade, e se tornou uma voz expressiva dos inadequados.  

Sobre esse sentimento de inadequação, o artista continua a criar e agora Jonnata Doll & Os Garotos Solventes lançam seu terceiro álbum, "Alienígena", editado pelo selo Risco e disponível nas plataformas digitais desde ontem (21). O álbum tem produção do conterrâneo Fernando Catatau (Cidadão Instigado) e co-produção de Loiro Sujo, baixista dos Solventes. 

A banda ainda traz Edson Van Gogh e Léo Breedlove, nas guitarras, e Felipe "Popcorn" Maia na bateria. O novo trabalho sucede "Crocodilo" (2016). A produção do segundo álbum já marcava o reconhecimento que Jonnata & Cia conquistaram, no cenário independente, depois que se mudaram para a capital paulista. Além do cearense Yuri Kalil (também do Cidadão Instigado), o carioca Alexandre Kassin, uma assinatura bastante reconhecida desse metiê, produziu o repertório.

Doll rodou pelo Brasil cantando com os remanescentes da formação da Legião Urbana, Dado Villa Lobos (guitarra) e Marcelo Bonfá (bateria), durante a turnê de 30 anos da banda clássica de Renato Russo (1960-1996). E agora procura cavar mais espaço com a própria obra. "Alienígena" terá shows de lançamento no Sesc Pompeia, em São Paulo (SP), no próximo dia 6 de setembro; e em Fortaleza, no Cineateatro São Luiz (Centro), dia 29 do mesmo mês.     

Em entrevista ao Verso, o vocalista comentou as inquietações políticas que envolvem as novas músicas, fala sobre a influência de São Paulo na sua criação (o disco traz duas faixas com referências explícitas à megalópole, "Vale do Anhangabaú" e "Edifício Joelma"), além de incluir o olhar dos Solventes na concepção do álbum. 

Há uma diferença de quase três anos entre o lançamento do último disco e este. Esse repertório foi criado a partir de uma indignação recente com o que tem acontecido no Brasil? Ou há algo feito anteriormente a esse momento político e social?

Ele surgiu a partir do momento em que começou o movimento da elite branca para tirar a presidenta Dilma Rousseff do governo. O bater de panela de marca cara. E as músicas foram vindo de lá para cá, a última a ser composta foi "Matou a Mãe", que já trata do presidente atual. Mas nem tudo se refere diretamente aos acontecimentos políticos e sim, como eles alteram nossa vida em comum na cidade de São Paulo.

Como o nome "Alienígena" foi escolhido para batizar o disco? 

O Catatau deu a ideia. Vem do fato de nos sentirmos aliens nordestinos em SP. Mas na real, no Ceará, também nos sentíamos aliens. Eu fui considerado autista na escola, porque não me enquadrava.. Então alienígena é uma vibe, um estranhar do familiar, quase uma metodologia antropológica.

As músicas sinalizam uma poética bem atravessada pela sua experiência de morar em São Paulo. O que mudou na percepção do Jonnata que debandou pra SP, em relação ao que vivia em Fortaleza?

Foi o entendimento de autobiografia. Que não é só falar de si, para ser relevante você tem que focar no lugar em que sua experiência te coloca em relação ao outro, a cidade e à cultura. Tentei fazer o que (William) Burroughs fez em "Junky" e "Queer". Veja bem... tentei.

O teu trabalho é reconhecido pela presença de palco, pela maneira como você expressa tuas letras... Mas para além disso, existe um olhar seu a respeito dos outros estímulos que envolvem a obra, como a estética visual do álbum, por exemplo?

Apesar de meu nome estar na frente, somos uma banda e o conceito do visual, por exemplo, é do Loiro Sujo, que também co-produziu o álbum. E o (Edson) Van Gogh pensou numa guitarra que fosse forte, mas sem necessariamente ter os velhos timbres distorcidos. Quanto à performance ao vivo, ela sempre chega primeiro e, de certa forma, nosso show, muitas vezes, é como ver uma "barroada", um acidente na estrada. Mas a música em si é o que mais nos dedicamos, por isso que o Catatau está conosco!

 

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