Encarnação feminina da primeira onda do punk, Patti Smith tem dois novos livros lançados no Brasil

A artista, estrela maior do Popload Festival, ocorrido no último fim de semana em São Paulo, continua sua jornada espiritual pela literatura com "O ano do macaco" e "Devoção"

Escrito por Dellano Rios , dellano.rios@svm.com.br
Legenda: Fase prosadora de Patti Smith dá o tom dos dois recentes lançamentos literários da artista no Brasil
Foto: Foto: Jesse Dittmar

Duas novas traduções de Patti Smith chegaram este mês às livrarias, via Cia. das Letras, para aproveitar a passagem da autora pelo País. Com sua banda, a cantora não é uma visitante regular do Brasil (seu último show havia ocorrido em 2006).

Ícone da cena punk nova-iorquina, Patti Smith foi a estrela maior do Popload Festival, que aconteceu no fim da semana passada, em São Paulo; e cumpriu agenda de divulgação de “O ano do macaco” e “Devoção”.

Que seus livros sejam lançados assim, aos pares, não deve ser tomado apenas por estratégia editorial de aproveitar o momento de holofotes sobre uma de suas escritoras para divulgar os novos títulos. É, também, a consequência natural de uma artista que, tendo despontado na música pop, vive e cria cada vez mais no campo literário

Hoje, Patti Smith chama atenção para o que escreve, não apenas por ser a artista de palco que é. E ela parece ter gostado disso. Seu último trabalho solo de estúdio, “Banga”, data de 2012. De lá para cá, adicionou cinco livros à sua bibliografia.

“O ano do macaco” é o mais recente dos trabalhos de Patti Smith, a escritora. Chegou no fim de setembro ao mercado anglófono, e ganhou imediatamente traduções mundo afora. Por seu estilo, é o sucessor natural de “Só garotos” (2010) e “Linha M” (2015), relatos memorialistas e impressionistas. “Devoção” saiu lá fora em 2017, unindo relato, ficção e ensaio sobre o ato criador na literatura. 

Prosa e poesia

Os dois livros estão alinhados à fase prosadora de Patti Smith. Depois de mais de uma dezena de coleções de poemas, ela lançou “Só garotos”, relato autobiográfico e de alta voltagem poética, centrado na relação de amor (para além do eros) com o fotógrafo Robert Mapplethorpe (1946-1989).

Nesses livros, a escritora parece abrir seu diário ao leitor, num equilíbrio entre as banalidades do cotidiano e a poesia em que ela vive imersa. 

Patti Smith já era uma autora publicada quando lançou seu primeiro álbum de canções, “Horses” (1975). O gênero cultuado então era outro. Lançou três coleções de poemas em 1972. Estes livros são testemunhas de quando a jovem Patricia Lee Smith tinha ambições artísticas mais altas para a palavra poética, e uma carreira na música era improvável.

Três anos depois, ela despontaria na cena punk de Nova York – a mesma de ícones do gênero, como as bandas New York Dolls e Ramones. A carreira no rock lhe deu fama que a poesia não daria. 

Legenda: Patti Smith: trabalhos cujo alcance fazem discografia e bibliografia andarem juntas
Foto: Foto: Jesse Dittmar

Mas o espírito poético de suas canções e performances a colocaram no panteão mais literário do rock, ao lado de figuras como Jim Morrison (The Doors), Lou Reed e Bob Dylan.

Na música, Patti Smith fez ver que, entre o punk e a tradição maldita da literatura, havia uma continuidade: faziam parte de uma mesma e longa tradição. A artista dos palcos nunca sufocou aquela que se manifestava nos livros. 

Discografia e bibliografia andaram juntas, ainda que Patti Smith hoje pareça mais interessada em criar na folha em branco. Seus trabalhos em estúdio mais recente, três álbuns em parceria com o Soundwalk Collective, são experimentos de poesia sonora, mais do que discos de rock.

Xamã 

“Devoção” é um livro breve, em formato de bolso. É uma reflexão em três movimentos sobre o ato de escrever. São ideias que iluminam os escritos já conhecidos da autora, em que ela olha para si e para o mundo como um lugar carregado de signos e de sinais. 

Como em “O ano do macaco” – retrato do turbulento ano de 2016 (que marcou a ascensão de Donald Trump, dentre outros males). É o relato de uma artista de sensibilidade altíssima, em contato com um mundo cada dia mais grosseiro.

O que está em cena em “O ano do macaco” e "Devoção” é um tipo misticismo. Patti Smith parece dotada dos saberes do xamanismo, fazendo uma ponte entre o mundo das coisas concretas e o dos espíritos. Acontece que a escritora não está numa paisagem natural. 

A natureza que percorre é a das cidades, com espaços recorrentes – ruas, praças, cemitérios, cafés, sua mesa de trabalho na casa que parece espartana, aeroportos, a estrada. E os espíritos são aparições de figuras que inspiram a cantora: poetas, romancistas, compositores, amigos, amores, livros e memórias. 

Devoção
Patti Smith
Tradução: Caetano W. Galindo
Companhia das Letras
2019, 144 páginas
R$ 39,90/ R$ 27,90 (e-book)

O Ano do Macaco
Patti Smith
Tradução: Camila von Holdefer
Companhia das Letras
2019, 168 páginas
R$ 49,90

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