Do rock ao jazz, trio cearense reflete poesia e política em novo EP

O Motrice começou a compor há cinco anos, mas só agora tem seu primeiro repertório lançado. As músicas estão disponíveis nas plataformas de streaming a partir desta quinta (11)

Escrito por Felipe Gurgel , felipe.gurgel@diariodonordeste.com.br
Legenda: O Motrice lança um repertório baseado na saga de um personagem ambientado no futuro

Em um cenário musical cada vez mais envolvido pela pressa - pra tocar, pra aparecer, pra repercutir; chamam atenção projetos autorais que contam com a paciência de seus criadores. Formado em 2014, o trio cearense Motrice começou a compor e, só no ano passado, resolveu gravar e lançar o repertório que agora chega às plataformas digitais de streaming. 

Com influências que passeiam entre o rock e o jazz (combinados em um caldo sonoro que acaba sem soar como nenhum gênero específico), o Motrice lança um EP reunindo quatro boas faixas. Se o ouvinte fechar os olhos, pode criar suas próprias imagens na escuta, ao som de um repertório com apelo de trilha sonora, independente do teor das letras. 

No entanto, o disco se apresenta repleto de conceitos e de uma narrativa costurada pela saga de um personagem ambientado no futuro. Dessa forma, ficção, política e reflexões sobre os extremismos da atualidade ganham espaço na sonoridade de "Quem te usou?", "Hope", "Um ponto no espaço" e "Redemoinho" - as quatro faixas do repertório.

O Motrice reúne os irmãos Lucas (guitarras, efeitos, letras e voz) e André Benedecti (bateria, metalofone, teclados e voz), além de Victor Ribeiro (baixo, guitarras, teclados, voz). Em entrevista ao Verso, Lucas contou detalhes do lançamento. 

A banda existe desde 2014. Como foi esse percurso até aqui? 

Nossos encontros começaram em 2014. Mas não tínhamos pretensão de gravar juntos ou formar propriamente uma banda. Nos encontrávamos pra tirar um som. E daí foram surgindo muitas ideias de música. Devemos ter umas 10 horas ou mais de material gravado, porque costumávamos registrar tudo o que saía desses encontros. Só em 2018 tivemos a ideia de formar o projeto e começar a gravar. A ideia é ter liberdade mesmo pra criar e mostrar nosso jeito de tocar e compor, dialogando com outras linguagens artísticas. Por enquanto, estamos formando um repertório de músicas próprias para poder lançar o EP presencialmente. 

Essas composições tinham versões instrumentais antes de ganhar letra?

Sim. Os discursos foram incluídos a partir de referências que tínhamos. O do (Charles) Chaplin, por exemplo, estava numa espécie de mixtape que havia feito há pelo menos uns sete anos. A versão instrumental de "Hope" existia também, mas rapidamente ganhou a voz do Saramago.  

E sobre o conceito do disco, como isso foi elaborado? A atual situação política do País influenciou essa construção?

O conceito nasceu espontaneamente. Estava tudo ali na nossa frente, porque as quatro músicas estavam quase prontas. Só nos encontramos algumas vezes com o Caio Castelo, que coproduziu o EP, para fechar os arranjos. A situação política do país nos influenciou, sim, mas não só ela. Obras de escritores como George Orwell, José Saramago, Anthony Burgess, Aldous Huxley, entre outros, nos inspiraram para esse trabalho. 

Em 2018, quando começamos a pensar o conceito, estávamos no meio de uma eleição. Aconteciam embates muito fortes nas redes sociais e víamos crescer uma certa onda conservadora e violenta. O EP é resultado de um sentimento que tem a ver com a política num sentido amplo. "Contamos", de certa forma, uma história fictícia, mas que é uma história nossa, uma história da sociedade em que vivemos.

É o primeiro projeto musical em que você toca com seu irmão? Como é essa parceria familiar/artística?

Eu e o André praticamente tocamos juntos desde que começamos a nos interessar por música, pelos instrumentos, na nossa adolescência. Estivemos juntos em bandas de colégio, também numa banda antiga chamada "Ares Carmim". Nosso último trabalho, antes do projeto atual, são duas músicas para o curta-metragem "Damasceno e o Caixão", de direção do carioca Victor Hugo Fiuza. Foi um trabalho bem interessante, que nos inspirou. O André é um ótimo instrumentista, baterista que acompanha vários grupos de jazz na cidade, mas que também compõe.

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