De volta à terra natal, neto de Patativa do Assaré lança primeiro livro de poesias

Daniel Gonçalves da Silva lança “Ser tão Sertão - A inspiração continua”, nesta quinta-feira (9), no campus do Instituto Federal do Ceará, em Tauá

Escrito por Germana Cabral , germana.cabral@diariodonordeste.com.br
Legenda: Daniel no Memorial Patativa do Assaré. Ele é filho de Miriam, cujo pai, o poeta, teve 14 herdeiros de seu casamento com dona Belinha
Foto: FOTO: FERNANDA SIEBRA

Aos 17 anos, ele pegou um ônibus, passou três dias na estrada, e chegou a São Paulo. Cumpriu a mesma sina de tantos nordestinos cujo penar inspirou o conhecido poema de Patativa do Assaré (1909 — 2002): “A Triste Partida”, musicado por Luiz Gonzaga. Seria mais um imigrante da seca se Daniel não fosse neto do famoso poeta popular cearense. 

“Se o nosso destino 
Não for tão mesquinho, 
Pro mesmo cantinho 
Nós torna a vortá”
Patativa do Assaré (trecho de “A Triste Partida”)

No “Sul maravilha”, fez de tudo um pouco: marceneiro, garçom, copeiro e vendedor da Casas Bahia. Casou, descasou, só não teve filhos. Até que, farto da metrópole, decidiu, após uma década, pegar o caminho de volta. Desta vez, de carro próprio. 

Em Assaré, a 470 quilômetros de Fortaleza, Daniel Gonçalves da Silva trabalha no Memorial em homenagem ao avô, escreve poesias, sonetos e cordéis. Apresenta, ainda, na FM Patativa, o programa “Acorda sertão”, no qual mescla poesia e forró tradicional. O resultado dessa imersão pode ser conferido no primeiro livro. “Ser tão Sertão - A inspiração continua” será lançado nesta quinta-feira (9), no campus do Instituto Federal do Ceará, em Tauá. 

Com o nome artístico de Poeta Daniel, hoje, aos 32 anos, está convicto de que este “alegre regresso”, no início de 2014, foi uma decisão acertada. “Felicidade é um conceito. No meu conceito, eu sou feliz com esse povo, vivendo de cultura e cordel, sem fazer a cultura do mal. Eu não tenho medo de alguém pegar uma poesia minha, um cordel meu, e trabalhar ele na escola. Essa ‘Triste Partida’ vai ser trabalhada daqui a 60, 70 anos nos colégios. A gente pega o sucesso de um cantor, um grande forrozeiro, e a banda mesmo já não toca um sucesso de três anos atrás. Eu prefiro ficar com essa cultura do bem”. 

Defesa da memória

Vestindo colete de couro assinado por Espedito Seleiro, com fala pausada, mas cheio de vigor, Daniel discorre sobre a volta ao Ceará enquanto nos guia durante visita ao Memorial Patativa do Assaré, no Centro da pequena cidade do Cariri. Lá, divide as funções com três primas. Ora é monitor, ora auxilia na administração: “Preservamos essa história para nunca se acabar”. De fato. Inaugurado em 1999, três anos antes do falecimento do poeta, o museu reúne obras e acervo pessoal.

No espaço, as lembranças de Daniel brotam naturalmente. Com Patativa, o neto teve os primeiros ensinamentos no tecer das palavras: “Convivi com ele até os meus 15 anos. Excelente cidadão, artista. Eu sigo uma regra que ele tinha: falar do que eu vi e do que eu vivi. Meu avô não fez poema falando da França, da Itália, da Inglaterra. Ele fez poema falando do que ele vivia, que era a seca, o sertão, as nossas coisas, a nossa vida, o nosso cotidiano. E as críticas, né? Era óbvio, ele fazia muita crítica. E eu sigo nessa mesma linha”. 

Legenda: Daniel lançou o folheto sobre o mestre do couro Espedito Seleiro em uma das edições do projeto “Cordel na Feira de Assaré”, promovido pela Secretaria Municipal de Cultura
Foto: FOTO: FERNANDA SIEBRA

Ao seguir os passos de Patativa, já lançou quatro folhetos de cordéis: “Ao meu avô”, “Ao mestre Espedito Seleiro”, “Maria Antonieta”, sobre a consciência negra, e “O santo do povo”, em homenagem a Padre Cícero. Neste livro de estreia, retrata a linguagem do seu povo entre 45 poemas, 15 sonetos e cordéis. Dentre as poesias, “A capitá e o sertão” é simbólica por retratar a própria experiência nesses dois mundos tão díspares. 

Herança 

“Eu tenho uma regra também, meu avô tinha muito disso. Se você fez um poema com seis estrofes e uma delas não prestou, ele dizia ‘pode excluir e fazer outra. Começa do zero. Você pode até ter a mesma ideia, mas começa do zero’. Então, eu tenho muito disso. Muito poema eu rasguei porque não gostei”. 

Carregar o DNA do avô-poeta, nas próprias palavras de Daniel, é bom e ruim. “Tem a cobrança, mas ao mesmo tempo, junto a essa cobrança, tem uma porta aberta, porque se eu não fosse neto do Patativa e dissesse ‘eu lancei um cordel para Espedito Seleiro’, as pessoas iriam pensar duas vezes para ouvir meu cordel. Aí, quando falam ‘ele é neto do Patativa do Assaré’, já abre a porta, já dizem ‘eita, vamos ouvir a poesia dele, porque a poesia dele é boa’, já vai associando que é boa. Aí eu só tenho que cumprir o papel de que ela seja boa. Isso é muito bacana”. 

Enquanto em Assaré ninguém desconfia da origem dele, em São Paulo costumavam ignorar quando aquele garçom ou vendedor de móveis referia-se ao parentesco com o mais festejado poeta popular nordestino.

“Quando eu dizia que era neto do Patativa, ninguém acreditava, nem adiantava declamar nada. Eu não declamava porque o pessoal dizia que eu estava mentindo, aí eu deixava passar despercebido. No Nordeste é diferente. Quando eu chego e digo que sou neto de Patativa, alguém diz: ah quando eu estive em Assaré, eu vi tu declamando uma poesia dele, uma poesia tua, geralmente é assim”, orgulha-se Daniel.

Boa vida
 

Foram muitos perrengues no Sudeste até decidir trocar o anonimato pelo terreno fértil da poesia no Ceará. “São Paulo é a terra das ilusões. As pessoas trabalham 25 dias por mês, tiram cinco dias para pagar as suas contas. Que foi o que ele juntou nos 30 dias do mês? Não tem graça”.

Para encontrar essa graça, inspirou-se nos versos de “A Triste Partida” (“Se o nosso destino/ Não for tão mesquinho/ Pro mesmo cantinho/ Nós torna a vortá”). E justifica: “Eu voltei quando deu. Achei que fosse muito difícil viver aqui no Ceará. Eu vivia totalmente diferente. Aqui em Assaré, aos sábados e domingos, a gente vive um pouco mais. Eu trabalho no Memorial, na Secretaria de Cultura, dou palestras e tenho um programa de rádio. Aqui em Assaré, eu tenho tempo para viver; brincar, comer e para me divertir”. 

Serviço
Memorial Patativa do Assaré
De terça-feira a sábado, das 8 às 16, domingo das 9 às 12h. Rua Coronel Francisco Gomes, 82-Assaré. Acesso gratuito. Para excursões ou grupos, é sugerida a adoção de 1k de alimento por pessoa (para distribuir cestas básicas a famílias carentes da região). 
Contato: (88) 3535.1742.

Ser tão Sertão
Poeta Daniel
2019, 180 páginas
R$ 40

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