Cuidadores discutem o hábito de os pais dormirem juntos ou separados dos filhos

A prática da “Cama Compartilhada”, uma das soluções da ideia da "Criação com Apego", suscita o debate a respeito das diversas maneiras de se cuidar das crianças  

Escrito por Felipe Gurgel , felipe.gurgel@diariodonordeste.com.br
Legenda: Krys Rodrigues divide a cama com o filho, Iago, desde o primeiro dia de vida da criança
Foto: Foto: Fabiane de Paula

A cena faz parte da lembrança dos pais de filhos que já passaram há algum tempo da infância: assustada com algo que viu, sentiu, sonhou, a criança levanta de sua cama e pede pra dormir com seus cuidadores. Seguindo a ideia “convencional” de família (mãe, pai e filho), bem estabelecida até hoje, essa configuração era a única possível: os adultos dormem em camas e quartos separados de suas crias, desde o começo da vida dos filhotes. 

Hoje, outras possibilidades têm ganhado a adesão das famílias (e suas diversas configurações) e a prática da “Cama Compartilhada” no cuidado com as crianças é uma delas. Para Krys Rodrigues, 40, psicóloga e doula (ofício da mulher que auxilia emocional e fisicamente outra que está em processo de parto), o arranjo foi feito assim que o filho Iago (6) nasceu. E dura até então.  

“Veio através da vivência com ele. Eu não vivi isso na minha infância. Não dividi cama com mãe, com pai, nunca fui amamentada, vivia no berço desde cedo. Era o modus operandi da minha família. Mas a gravidez me revolucionou”, conta ela, que se tornou doula e afeita às práticas da criação com apego a partir dessa experiência.  

A doula compreende que o costume de separar pais e filhos em quartos separados segue forte e sustenta que cada família precisa ter liberdade, na verdade, pra encontrar seu próprio modo de cuidar do descanso entre as partes.  

“A primeira cama compartilhada já foi no hospital. Ele ficava muito bem, e eu também. E fomos pra casa. O Iago tinha um berço, que acabei doando. Houve o puerpério, aquele cansaço pra se adaptar à nova rotina e ele só ficava calmo pertinho de mim. Não procurei a teoria antes, foi pela vivência”, reforça Krys.  

Ela lembra que teve de escutar vários alertas sobre a escolha que fez, sobretudo de sua própria mãe, dentre outras pessoas próximas que tinham experiência anterior com a maternidade. Na discussão sobre a cama compartilhada, é comum que alguém levante o risco de sufocar o bebê, dentre outras possibilidades de prejuízo à saúde física e emocional da criança. 

Krys observa que ouviu críticas sobre o risco de “acostumar mal” o filho e estimular dependência no comportamento da criança. Como cuidadora, no entanto, ela percebeu que o menino seguia n`outra direção.  

Foto: Foto: Fabiane de Paula

Ela e a mãe tiveram algumas discussões sobre essa forma diferente de criar. E, aos poucos, com o tempo, a avó foi percebendo que o Iago se tornou bem autônomo e desenvolveu bem. "Ele nunca esteve numa emergência médica ou precisou tomar um antibiótico. Foi um investimento pra saúde dele”, conta a doula, que ainda credita à amamentação prolongada um papel fundamental na vitalidade do filho.  

Divisão 

Para a psicóloga infantil Karine Martins, 35, a questão pede “equilíbrio”. Ela acha importante haver uma divisão clara, desde o começo da criação, entre o ambiente de recolhimento dos pais e o da criança. "Tem de existir a relação de marido e mulher, porque apesar de se tornarem pais, eles continuam como casal. E também precisam desse espaço de intimidade deles, e a criança precisa também perceber isso”, observa.   

Karine não vê problema se, eventualmente, o filho, acordado por conta de um pesadelo ou outros motivos, precise dormir com os pais. No entanto, a psicóloga recomenda que cada uma das partes durma separadamente, alegando que a criança precisa desenvolver o senso de individualidade. 

“É importante para que ela tenha o próprio espaço, e o casal também. Envolve muitos aspectos, inclusive para a autonomia e segurança da personalidade do filho”, reflete. 

Sobre o alerta de risco de morte súbita, sufocamento do bebê, dentre outros prejuízos pra integridade física da criança, a especialista enfatiza que o peso do adulto é bem superior ao do filho - fator que merece atenção dos pais. “Pode ocorrer um acidente às vezes até grave, em relação a essa criança. Então tem de ter esse cuidado sim, não só por conta da questão emocional, mas pela física”, distingue. 

Ponderações 

A administradora Rejane Angélica (40) adotou a cama compartilhada “em parte”. No começo, ela acomodou o filho Raul, hoje com 2 anos e 9 meses, em quarto separado, mas logo percebeu que o bebê demandava a presença dela.  

“Até três, quatro meses de idade, passei todas as noites com meu filho, no quartinho dele. Depois ele passou a dormir mais tempo, sem acordar. E aí a gente fez uma mudança de apartamento, e o Raul voltou a acordar mais vezes à noite. Daí voltei a dormir com ele”, resume a mãe.  

Para ela, a cama compartilhada é válida se os pais observarem procedimentos de segurança, como ajustar o leito de uma forma que reduza as chances de a criança cair. “Antes, sentia medo de dormir e virar sobre o bebê, mesmo seguindo todas as normas. Hoje, com minha experiência, a visão é que cama compartilhada é vida!”, atesta Rejane. 

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