Cartas escritas para família são um dos trunfos da biografia de Fagner 

Além da personalidade forte, o texto revela fragilidades do artista no início da carreira; confira trechos das cartas

Escrito por Felipe Gurgel , felipe.gurgel@diariodonordeste.com.br
Legenda: Na primeira metade da década de 1970, Fagner deixou de conciliar os estudos com a carreira artística
Foto: Fotos: Acervo Raimundo Fagner

Na biografia “Raimundo Fagner: quem me levará sou eu” (Editora Agir), as cartas do cantor endereçadas à família dão um tom mais sensível à narrativa do livro. Escrito do final da década de 1960 à primeira metade dos anos de 1970, o material é um dos trunfos da edição da jornalista Regina Echeverria, autora do livro recém-lançado.  

Pelo texto das cartas, o leitor conhece o que se passava com o cearense diante da mudança do Ceará para Brasília (DF), e depois para o Rio de Janeiro (RJ). A expectativa dos pais para que Fagner emplacasse no estudo superior (enquanto o artista almejava a carreira musical), os primeiros conflitos com parceiros como Belchior e a aproximação com Elis Regina, dentre outras situações envolvendo Fagner e seus 20 e poucos anos; estão descritas no conteúdo.   

Em Fortaleza, o lançamento da obra acontecerá nesta terça (16), às 18h30, na Livraria Cultura (Aldeota), com a presença de Fagner e da autora. O evento é aberto ao público.  

Indagado se em algum momento teve receio de se expor através do conteúdo das cartas, Fagner responde que, nesse ponto, não teve ingerência na edição, embora a biografia seja autorizada. “Me disseram que tinha essas cartas (na pesquisa do livro), então vai. Se eu escrevi, sempre fui muito atrevido. Nesse aspecto, desde os programas de televisão, aquela história de eu chamar o fotógrafo pra me fotografar, essas coisas aconteciam muito”, sintetiza o cantor. 

Colorido 

Regina Echeverria percebe que as cartas deram um “bom colorido” para o livro. Para os biógrafos, a autora enfatiza, esse tipo de material é um “prato cheio”. “E tava tudo guardado com a Marta (Lopes, irmã do cantor e organizadora do acervo Raimundo Fagner). Na hora que vi isso, eu fiquei doida, porque tinha coisas importantíssimas que ele disse para os pais. E é uma coisa datada, né? Achei bárbaro”, observa a jornalista.  

Legenda: Fagner viveu até os 20 anos no Ceará, e depois se mudou para Brasília

Pelas cartas, Fagner tentava convencer os pais de que estava se dedicando aos estudos na Universidade de Brasília (Unb). Porém, em paralelo, a carreira artística, na realidade, já tomava a maior parte do tempo do cantor na capital federal, e sobretudo no Rio de Janeiro, a partir de 1971.  

“É difícil, né? Para um menino que deu trabalho na escola, e daí a família cria uma expectativa grande. Só que ele já tinha o destino dele traçado. Uma coisa que é incontrolável”, aponta Regina Echeverria. 

Legenda: Fagner venceu o Festival de Música Jovem do CEUB, em Brasília (DF), com "Mucuripe"

Confira trechos das cartas

(Sobre a primeira vez que Fagner saiu do Ceará. O artista passou 45 dias viajando de ônibus, de Fortaleza a Buenos Aires, na Argentina) 

Rio de Janeiro, 16 de fevereiro de 1969  Papai e querida Mamãe, abraços.  Esperando que esta encontre todos gozando de saúde, escrevo para dar algumas notícias. Neste exato momento estou num hotel no centro do Rio de Janeiro, pagando muito pouco e comendo muito bem em qualquer restaurante da cidade.  Já rodei vários lugares e conheci muita coisa: Juazeiro da Bahia, Petrolina, Feira de Santana, Salvador, o interior de Minas Gerais, que é a coisa mais bonita do mundo, Petrópolis, Teresópolis etc. e agora estou aqui no Carnaval e a cidade toda ornamentada. Toda vez que vamos tomar café da manhã ou um lanche, o Claudio Pereira me obriga a tomar leite e outras coisas que não gosto, porque diz ele que eu sou o caçula da excursão e ele é o meu responsável.

(Em meados de 1971, Fagner escrevia para comunicar ao pai a mudança de Brasília - onde cursou Administração na Unb – para o Rio de Janeiro)  

Já estou de férias. Passei em todas as matérias e na próxima semana vou para o Rio. Pretendo ficar lá alguns meses e possivelmente vou me transferir no próximo ano. Já concluí quase todo o 1o ano e só faltam duas cadeiras para passar para o 2o. Vou ficar com o Belchior e o Jorge Mello num apartamento que eles alugaram, portanto, não precisa se preocupar que tenho certeza de que tudo vai dar certo, estou fazendo tudo com cautela.
 

(A carreira no Rio de Janeiro começava a decolar e a autora relata que “nem todo mundo parecia feliz com o sucesso de Fagner. Ele conta, em carta de 12 de novembro, sua estranheza diante do comportamento do conterrâneo Belchior”). 

Ele anda meio espantado com as novidades, pois não esperava que tudo fosse acontecer tão forte e tão depressa. Anda meio encabulado comigo, sente-se meio por baixo. Andou fazendo uns troços meio chatos. Os convites que chegam são muito mais para mim. Ele anda com a cara no chão. Eu tenho é muita pena dele, das imbecilidades que faz 

(Elis Regina tinha expectativa pelo encontro com o compositor cearense, antes de conhecê-lo. Fagner escreveu, com orgulho, sobre o reconhecimento dela e de outras figuras da MPB) 

Já estou com esse pessoal da maior importância. Ronaldo (Boscôli) e Elis estão gostando muito de mim. É como se fossem meus pais. Ela cita meu nome em todas as entrevistas, dizendo que sou a revelação deste ano. O Ivan Lins está me ensinando música e, apesar da fama, se mostra como irmão. Os meninos com quem morei ficaram com uma certa inveja e foram se afastando pouco a pouco.
 

Serviço  
Lançamento do livro “Raimundo Fagner: quem me levará sou eu” 
 
Com sessão de autógrafos para o público. Nesta terça (16), às 18h30, na Livraria Cultura (Shopping Varanda Mall, Av. Dom Luís, 1010, loja 8, Aldeota). Acesso gratuito. Contato: (85) 4008.0800 

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