Novo disco de Arnaldo Antunes, "O Real Resiste" está disponível nas plataformas digitais

A voz marcante e a vocação pós-tropicalista para a mistura de gêneros reafirmam a música de Arnaldo Antunes em seu novo álbum. O lançamento ocorreu ontem e sucede "RSTUVXZ" (2018)

Escrito por Felipe Gurgel , felipe.gurgel@svm.com.br
Legenda: Arnaldo Antunes preparou um repertório mais intimista para o disco novo. A exemplo do álbum anterior, o trabalho foi gravado em um sítio no interior de São Paulo
Foto: Foto: Márcia Xavier

Prestes a completar 60 anos de idade, Arnaldo Antunes criou um caminho sólido no cenário da música e da literatura brasileira. Compositor celebrado desde a década de 1980, poeta concreto, o artista mantém um traço inconfundível em sua expressão: a voz. Seja pelo canto, ou pela fala - algo que é notório em entrevista por telefone ao Verso, o timbre vocal de Arnaldo marca o ouvinte e dá um aperitivo seguro sobre do que se trata sua arte.

Ainda mais claro e minimalista, o artista lançou seu 18º álbum, "O Real Resiste", nesta sexta (7), nas plataformas digitais. A trajetória solo é uma das espinhas dorsais do percurso de Arnaldo na música. Sempre lembrado por integrar a formação clássica dos Titãs (1981-1992) e o trio Tribalistas (ao lado de Carlinhos Brown e Marisa Monte), o paulistano se lança no ecletismo artístico com propriedade e naturalidade.

Venho de uma geração pós-tropicalista em que essa mistura de gêneros era uma conquista meio a priori. É natural que, ao compor, eu tenha essa liberdade. Tem discos em que foquei mais num só gênero, como o 'Iê iê iê' (2009), ou esse agora, focado numa sonoridade mais uniforme. Não me sinto muito especializado, tenho essa natureza de misturar. Como ouvinte e como compositor também", reflete Arnaldo Antunes.

"O Real Resiste" reúne 10 faixas e uma lupa voltada à mensagem das letras. Sem bateria e nem percussão no registro, Arnaldo construiu uma sonoridade mais delicada, sem deixar de soar envolvente e mexer com o ouvinte na forte faixa-título (um excelente olhar sobre o momento político atual) ou na singela "Na Barriga do Vento". Nesta canção, ele divide os vocais com a filha Celeste e entrega uma crônica suave sobre a peleja de dar liberdade aos filhos.

"A Celeste estuda música, adora cantar, compõe também. E essa música fala desse amor de pai com filho. De vê-los crescendo e se preparando pra independência. Tenho 4 filhos, e tenho vivido isso", situa Antunes.

Para o artista, é natural envolver a rotina profissional e suas relações afetivas. A companheira Márcia Xavier divide a voz com ele em "Luar Arder", produção conjunta da dupla. "Ela já compôs comigo antes, e participou de outros discos. Quem toca comigo acaba ficando muito amigo. As coisas se misturam", confessa.

Todas as músicas do novo trabalho, destaca Arnaldo, são recentes. A exceção é "Devagarinho", composta ainda nos anos de 1980. A música não encontrou espaço em discos anteriores, tampouco no repertório dos Titãs. O videoclipe do single "O Real Resiste" tinha saído em novembro passado. E desde ontem, o segundo clipe do álbum, "De Outra Galáxia", também está disponível no You Tube.

"O single foi criado num estado de perplexidade com o que a gente está vivendo na política. Ele reflete isso, uma certa perspectiva de que o real resista. A fundação de uma nação se faz através da cultura, da educação, da ciência, e esses assuntos têm sido hostilizados. E a canção se expande como conceito para o amor, à natureza. O título nomeia o disco e ganha mais sentido", reflete sobre a própria obra que chega ao mercado.

Sítio

A exemplo do álbum anterior, "RSTUVXZ" (2018), "O Real Resiste" foi gravado no sítio-estúdio O Canto da Coruja, no interior de São Paulo. O espaço pertence ao músico Ricardo Prado, parceiro de Arnaldo em outros discos. Para o compositor, a experiência de gravar nesse ambiente possibilita uma imersão no trabalho que não seria possível no espaço urbano.

"Na cidade, pode tocar o telefone, chegar alguém, é uma situação mais interrompida. Lá não: a gente tem contato com a natureza, com os bichos. Dá um mergulho no lago, fica dentro do estúdio numa situação mais isolada. Propicia um mergulho. E flui muito bem: a gente gravou tudo muito rápido", recapitula.

Enxuto

Arnaldo reconhece como o novo trabalho soa mais coeso, em relação ao disco anterior. "RSTUVXZ" era uma catarse, mais "afoito" e dividido entre rocks e sambas. "E alternar rock com samba, ter esse atrito, fazia parte da ideia do disco. Esse agora traz um maior diálogo entre as canções. Valorizei as composições que se adequassem a essa formação mais enxuta, intimista", descreve.

O músico deve estreiar em março o novo show. Com o disco lançado, os ensaios com sua banda de apoio serão retomados, antes do lançamento ao vivo e da turnê de divulgação. Para 2020, Arnaldo Antunes ainda vislumbra expandir sua obra com outro lançamento literário. "Tenho um livro de poemas quase finalizado. Tá praticamente pronto, só estou fazendo alguns retoques", adianta.

Legenda: O Real Resiste/ Arnaldo Antunes/ Altafonte/ 2020, 10 faixas/ Disponível nas plataformas digitais

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