Novo chargista do Diário do Nordeste transpõe para o desenho o papel de comentarista crítico

O artista visual Thyagão produz em várias frentes, com olhar aguçado, leve e satírico. Ele faz sua estreia, hoje, como novo chargista do Diário do Nordeste

Escrito por Dellano Rios , dellano.rios@svm.com.br
Legenda: Thyago teve sua primeira experiência com charges já no Diário do Nordeste
Foto: Foto: Helene Santos

Thyagão é o nome que vai assinado num sem número de ilustrações, sobre suportes diversos. Papéis, telas, paredes; originais ou reproduções. As superfícies foram se multiplicando com o tempo, assim como os instrumentos usados para fazer traços e colorir. Movimento natural, afinal, o mineiro Thyago Cabral é um veterano nessas coisas de desenho. Começou como é de hábito dos artistas do meio: foi o menino que começou a desenhar cedo ("como toda criança") e, ao contrário da maioria, não deixou a "brincadeira" de lado com o passar dos anos.

"A memória mais antiga que tenho é do meu pai desenhando um caubói. Foi a primeira imagem em que senti alguma coisa. Ele sempre fazia o mesmo personagem. Olhava ele fazendo e pensava: 'pô, mas o caubói precisa de um cavalo'. E eu mesmo fui desenhando depois. Apareceram então as histórias do personagem. O gosto dos quadrinhos veio daí", explica Thyagão.

Hoje, o caubói não teria dificuldade de encontrar companhia, de famosos e anônimos, inventados ou rearranjados pelo traço de Thyagão. Muitos deles poderão ser vistos nas páginas do Diário do Nordeste, a partir de hoje. O novo chargista do jornal estreia nas páginas de Opinião da edição impressa, nas sessões opinativas do site do Diário do Nordeste, bem como em suas redes sociais. O leitor já deve ter se deparado com as produções de Thyagão. Os personagens que cria (ou recria) já estão por aí. Não é difícil que você tenha cruzado com algum deles - ou já não viu por aí um Belchior de violão em punho, caminhando despreocupado?

"Belchior virou minha 'Monalisa'", conta Thyagão, que há alguns levou para as ruas o que fazia em estúdio. Há dez, começou a grafitar, "meio que como uma forma de terapia". "É a mesma coisa (que faz no papel ou no tablet que utiliza para produzir charges, tirinhas e cartuns). Na rua, meu trabalho é muito influenciado pelos quadrinhos", compara. E é preciso na definição: "Para mim, a parede é uma página grande".

Quadrinhos

A charge é uma produção visual localizada na interseção entre o jornalismo e as histórias em quadrinhos. Historicamente, é anterior às HQs, mas por sua natureza instantânea, que busca a compreensão rápida e inequívoca, tem um discurso mais simples e direto.

Com os quadrinhos, a charge partilha a gramática. Utiliza imagens (na maioria das vezes, desenhos), balões, onomatopeias, legendas e outros elementos. Há ainda o mais importante - o senso de narrativa. Na cena, algo acontece em determinado tempo. O tempo, entretanto, é resumido ao máximo. Uma crise política, que rende páginas e mais páginas em um jornal, é resumida em uma pequena alegoria, com um ou dois balões, lida e compreendida de pronto.

Essa complexa rede de elementos e possibilidades foram estudas por Thyagão. Duplamente: como leitor ("minhas maiores referências: Angeli, Laerte, Glauco, Fernando Gonsales...", enumera, citando a nata da gerão 80/90 do quadrinho brasileiro) e na formação em ciências sociais. As charges, claro, foram o objeto de estudo de então, por sua condição de comentário crítico do que é próprio da sociedade.

Sintetizar o dia

Com os demais textos de natureza jornalística, a charge compartilha uma ideia de pauta. E a pauta está intimamente ligada ao fato que aconteceu há pouco ou ainda deve acontecer em breve. No veículo jornalístico, o texto que se almeja é a notícia quente, recém-saída do forno.

"A charge tem um tempo", explica o chargista. "E isso é o grande desafio para quem faz. É preciso sintetizar o que está acontecendo, hoje, com elementos gráficos. Tem charge que funciona só por um dia. Outras, um pouco mais. Bem poucas, você pode ler anos depois, e compreender a crítica. Entender esse tempo da notícia, saber até quando pode a charge pode ser lançada e qual o momento ideal, é o grande desafio", esmiúça.

Legenda: Thyagão afirma que as inspirações vem das vivências pessoas, das observações e dos artistas de referência
Foto: Foto: Helene Santos

A primeira vez que Thyagão encarou o desafio foi nas páginas do Diário do Nordeste. Ilustrador, acabou com uma vaga no almoxarifado, mas não tirava o olho do departamento de artes. "Uma vez apareceu um cara da arte, o Maurício (Silva, chargista). Fiz amizade e, dali, comecei a me enfurnar por lá, a ver as coisas, aprender como fazia. E um dia ele chegou pra mim, disse que ia entrar de férias e que o substituto seria eu. Nunca tinha feito charge, mas não ia deixar a oportunidade passar". O material foi publicado na antiga coluna "...É", do jornalista Neno Cavalcante.

Foi nessa época que ele estabeleceu seu método. "Acredito na produção coletiva. O chargista tem que estar aberto às opiniões dos outros e às percepções de fora. Lógico, ela é opinativa, mas como método converso com várias pessoas, para perceber outros pontos de vistas, entender melhor os temas".

A matéria prima vem das vivências pessoais, das observações, da herança dos artistas que servem de referência e da família. "Principalmente, dos meus filhos. O dia a dia com eles, vê-los brincando uns com os outros, a forma como pensam e falam as coisas. Isso dá muitos insights".

Humor

A conversa com Thyagão é atravessada de humor, piadas, sacadas. Até as memórias passam por essa lente. O riso é comum nas charges, para ele, "porque o mundo é muito difícil". E porque o humor é um caminho eficiente para a crítica do poder. "A charge tem a função de desmascarar as figuras, de tirar uma onda com quem se acha que não pode. É aquela coisa de 'o rei está nu'".

Desempenhar essa função tem seus riscos. "Humor é um terreno minado. Você sempre pode pisar em uma bomba. Hoje, a gente tem um feedback direto, o contato com as pessoas que veem teu trabalho é mais fácil. Esse diálogo é importante, para ver até onde se poder ir", define.

Contudo, fazer rir não é um imperativo do ofício do chargista. "Não existe a necessidade de ter sempre engraçado nesse trabalho. O ponto central da charge é que tem que fazer refletir, não necessariamente com humor. Tem que fazer uma 'coceguinha' na cabeça da pessoa, no raciocínio", finaliza.

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