"No campo de centeio, quem somos nós?": escritor comenta relançamento de clássico da cultura pop

Obra-prima do americano J. D. Salinger ganhou reedição pela editora Todavia, lançada nesta semana; poeta Léo Prudêncio demarca relevância do livro

Escrito por Léo Prudêncio* , prudencioleo@hotmail.com
Legenda: Nova edição do livro no mercado editorial brasileiro reproduz icônica ilustração da edição americana de 1951
Foto: Ilustração: E. Michael Mitchell

Depois de ler "O Apanhador no Campo de Centeio" você nunca mais será o mesmo. Exagero? Talvez sim, talvez não. A verdade mesmo, no duro, é que toda uma geração nunca mais foi a mesma depois que Holden Caulfield ganhou vida sob a pena criativa de J. D. Salinger, o célebre autor desse clássico da cultura pop e de toda uma tradição de contracultura que afloraria no mundo nas décadas seguintes à sua publicação.

Aliás, nem Salinger foi o mesmo depois que publicou o "Apanhador". Poucos anos depois da chegada do livro às prateleiras, ele iria se confinar em seu bunker em Cornish, New Hampshire (EUA). A partir de então, não dava mais entrevistas, não publicava e só dava as caras para brigar sobre os direitos autorais de sua obra. Inúmeras edições piratas de seus livros eram lançadas e volta e meia o autor reaparecia para exigir que as mesmas fossem retiradas do mercado.

O enredo de "O apanhador" é de conhecimento público, mas, caso o leitor não conheça, vou adiantar algumas coisas. Calma, não darei spoilers. Holden é um jovem de dezesseis anos e é expulso de mais uma escola. Com receio do que irá dizer e ouvir dos pais, resolve passar um fim de semana vagando pela Nova Iorque dos anos 1940. Nesse caminhar pela cidade americana há perigos, sexo, drogas e muitas queixas.

A linguagem coloquial e o narrador em primeira pessoa te colocam frente a frente com o personagem. A técnica narrativa utilizada por Salinger mais aproxima que afasta. É certo que Holden utiliza gírias e palavrões, mas qual jovem, ou até mesmo adulto, não se pegou falando alguma palavra "feia"? Sem falso puritanismo, por favor.

Há personagens que te encantam. Como não se lembrar da irmã de Coulfied, a pequena Phoebe? Ou como não rir das descrições que Coulfied faz de seu professor de história? Os comentários dele sobre a sua visão de mundo nos fazem repensar a nossa própria condição enquanto seres perenes, comentário oportuno. E a explicação do personagem para a metáfora sobre o Campo de centeio, que explica o título do livro? Cara, que livro!

A nova edição brasileira deste clássico absoluto saiu pela editora Todavia. Ela reproduz a icônica ilustração de capa da primeira edição americana de 1951. O tradutor Caetano Galindo já nos presenteou com elogiadas traduções da obra de James Joyce e, agora, nos premia traduzindo este célebre romance de Salinger, mais um motivo caprichoso do porquê podemos ler essa reedição.

Reitero meus parabéns à Todavia, pois há um bom tempo que precisávamos de uma edição que refletisse o cuidado criador e seletivo do autor de "Centeio". A casa entendeu o perfil de Salinger e refletiu ao nos presentear com uma obra tão bem cuidada, editorialmente falando.

Eu não poderia deixar de falar sobre a mística em torno do livro. O assassino de Jonh Lennon, Marc David Chapman, diz ter feito o que fez com o ídolo Beatle após ter lido o "Apanhador". Alguns viam em Salinger um guru, rótulo odiado pelo autor. Ele repreendia quem quer que fosse ao se deparar com esse tipo de leitor. Talvez esses casos tenham mexido com a sensibilidade dele ocasionando um silêncio sem volta. Se existe uma mística em torno do "Apanhador", é claro que existe uma também para a vida reclusa de seu autor, mas isso já daria outro texto.

É certo que o mundo já não é mais o mesmo. Mas é mais certo ainda que um clássico nunca perde a sua força e voz.

* Poeta e mestrando em Crítica literária pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás - PUC/GO

O Apanhador no Campo de Centeio
J. D. Salinger
Tradução: Caetano W. Galindo
Todavia
2019, 256 páginas
R$ 59, 90

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