Museu da Fotografia Fortaleza (MFF) se estabelece como território de formação

Espaço de debate em torno da imagem, equipamento completou dois anos de atividade em março e atende diferentes faixas etárias

Escrito por Antonio Laudenir , laudenir.oliveira@diariodonordeste.com.br
Legenda: Uma viagem profunda pela natureza africana foi possível por meio da imponente exposição "Luz e Sombra", do fotógrafo baiano Christian Cravo
Foto: NATINHO RODRIGUES

O número 545 da Rua Frederico Borges na Capital cearense tornou-se um ambiente generoso ao encontro e discussão da arte fotográfica. Essa constatação evidencia a trajetória do Museu da Fotografia Fortaleza (MFF) naquele endereço. Com dois anos de portas abertas completados no dia 10 de março, o equipamento destacou-se por ofertar uma corajosa programação dedicada ao universo da fotografia. O desafio para o futuro é ampliar ainda mais uma característica adquirida nestes primeiros meses de funcionamento, o de ser uma referência no campo educacional no Ceará.

A casa reúne mais de 400 obras que iluminam dois séculos de história da fotografia nacional e estrangeira. Resultado de um dos mais ricos acervos fotográficos do País, oriundo da Coleção Paula e Silvio Frota, o equipamento se liga com a própria gênese dessa expressão artística.

Assim como a história da fotografia, associada ao surgimento das cidades modernas, o Museu se ergue como alternativa de registro da vida, como local de acirramento das transformações pelas quais Fortaleza e o Brasil têm atravessado.

As exposições responsáveis por inaugurar o MFF contaram com a curadoria de Ivo Mesquita, que selecionou trabalhos e fotógrafos agrupados no acervo de Silvio Frota. Tratam de registros históricos, fotorreportagens, arquivos fotográficos, retratos, paisagens e crônicas visuais. Outro aspecto inseparável é a consequente diversidade de autores, brasileiros e estrangeiros, profissionais capazes de cobrir um amplo espectro da fotografia. Abordando de uma maneira ampla as múltiplas possibilidades de estudo, apresentação e interpretação da coleção como um todo, o patrimônio do Museu segue sendo disponibilizado para os mais diversos públicos de Fortaleza, do Brasil e do mundo.

Retrospectiva

No instante da inauguração, o otimismo primeiro dos organizadores contemplava a premissa da casa de consolidar o acesso da população à arte fotográfica. O Museu, assim, nascia com a firmeza de "dividir" estas peças com quem nunca esteve perto de tal experiência. De forma natural, reflexo das atividades desenvolvidas nestes 24 meses, outro tipo de consciência passou a fazer parte do cotidiano do MFF. Pensado originalmente para fotógrafos, amantes da fotografia e o público que nunca teve contato com exposições dessa natureza, o fator educacional tornou-se uma das bandeiras mais complexas e felizes do espaço.

Diversidade

Com o objetivo de fomentar o conhecimento local, o Museu também busca tornar acessível e constante a educação pela fotografia. Sua estrutura comporta espaços abertos não só à exposição, mas à discussão, difusão, conhecimento e pesquisa sobre a fotografia. Tudo isto se torna possível com o auditório, a biblioteca, exibição de filmes e vídeos além de atividades como oficinas e workshops para congregar visitantes de todas as idades, turistas, pesquisadores e admiradores das artes visuais.

Ao estabelecer uma reflexão sobre estes dois anos de funcionamento, o diretor do Museu da Fotografia Fortaleza, Silvio Frota, destaca o quanto a iniciativa ganhou novos contornos. Sobre o atual momento é firme ao apontar o quanto o foco principal da instituição ultrapassou o cotidiano das visitações regulares para se estabelecer como um farol de formação dentro de Fortaleza. "O grande foco é a parte educacional", arremata. O gestor destaca a realidade do Museu de estar presente em pontos geográficos onde a fotografia era algo raro e até hermético. Frota aponta a quantidade de crianças contempladas (ver destaque com os números) como uma das formas de compreender a evolução do Museu.

"Foram 48 mil crianças atendidas dentro das comunidades carentes, aonde levamos o Museu para estas comunidades. São projetos nos quais atendemos também asilos de idosos e outros tipos de iniciativas aliadas a universidades, escolas públicas e particulares. Esse quantitativo reflete a parceria com ONGs, associações e instituições de ensino situadas em locais considerados abaixo da linha da pobreza", afirma o idealizador.

Ampliação

Os trabalhos realizados pelo MFF em paralelo às exposições agregam os projetos "Museu na Comunidade" e "Museu no Interior", responsáveis por atuar em comunidades da capital e do interior (Maracanaú, Jericoacoara e Redenção). A ideia é levar crianças e jovens em situação de vulnerabilidade ao contato com a teoria e prática acerca do mundo da fotografia. Além destes projetos, o equipamento realiza atividades com instituições como Apae, Iprede, Edisca, Associação Peter Pan e Lar Torres de Melo.

Com a expansão do projeto Museu na Comunidade, as ações educativas fora da estrutura física do equipamento ganharam a parceria de iniciativas públicas e privadas. Ao fim de cada ano, o Museu da Fotografia Fortaleza premiará uma escola, de acordo com sua necessidade.

Mas a novidade deste 2019 é que a operadora realizará, juntamente ao MFF, durante todo o ano, oficinas de fotografias para crianças internadas em nove hospitais com atendimento infantil. Inicialmente, a atividade atuará em hospitais do Ceará, Bahia, Amazonas Pernambuco e Belém. As atividades serão ministradas por educadores que já fazem parte desse projeto pelo Museu. No encerramento de cada oficina, será realizada uma exposição dentro destas unidades hospitalares.

Fernanda Oliveira, coordenadora do MFF, também elenca o aspecto formativo como uma das grandes forças sociais do equipamento. Fotógrafa e pesquisadora, a profissional avalia como positivo o diálogo com públicos totalmente diferenciados. Trata de uma demanda de atendimento que atravessa desde bebês de um ano de idade a idosos de até 91 anos. Trata de um cotidiano extremamente dinâmico e vivo tanto dentro como fora do Museu, evidencia.

"É justamente esse braço de diálogo com a comunidade e a cidade. Todo fim de semana temos palestras, temos oficinas. Realizamos parcerias ao longo desses anos com festivais de fotografia, encontros de imagem, festivais de moda. Do Encontro de Agosto ao Dragão Fashion, passando pelo curso de imagem contemporânea ligado à Universidade Federal do Ceará. Existe essa capacidade de dialogar em várias frentes. O Museu tem tido um movimento de expansão. Algumas coisas surgem intencionalmente, outras naturalmente. A equipe vai amadurecendo e conversando com a cidade", resgata a gestora.

Testemunhas

Curador da exposição "Orixás", do fotógrafo Pierre Verger (1902-1995), Alex Baradel explica o quanto já tinha se fascinado pelo Museu antes mesmo da inauguração da mostra pela qual ficou responsável. À frente do acervo fotográfico da Fundação Pierre Verger, o pesquisador aponta duas características pontuais da instituição estabelecida em Fortaleza.

"Quando visitei percebi a importância do equipamento. É um espaço físico grande, com condições de exposição muito boas e um local realmente dedicado à fotografia não só no Nordeste, mas no Brasil. Outros grandes equipamentos, como o Museu da Imagem e do Som (MIS), de São Paulo, por exemplo, não é só ligado a fotografia. Outro fator mais importante ainda é a posição que o MFF tem em Fortaleza de tentar disponibilizar o acesso, não só para um público acostumado a ir a museus. Eles vão atrás de gente que não costuma frequentar esses lugares. Trata de uma política educativa muito forte, de ir nas escolas públicas, sensibilizar e formar jovens", argumenta.

Atuando na realização de oficinas ao longo destes meses de funcionamento, Thiago Braga traz a perspectiva de quem atua como educador na área. Para o entrevistado, o MFF se firma pela visão englobadora, sem distinguir público específico, no qual se espalha de maneira afável e acessível. "O Museu tem esse programa de levar o tema para as periferias, de ampliar de uma maneira mais democrática. Hoje em dia é imprescindível".

Fernanda Oliveira completa o balanço sobre os primeiros anos de vida do Museu apontando que essa casa é consequência do compartilhar, de provocações e reflexões sobre a imagem já presentes na Capital cearense dos últimos 20 anos. A questão da interdisciplinaridade é outro traço generoso do equipamento. Dialogar com outros públicos e linguagens surgiu como um incentivo primordial. A fotografia, assim, não chega a ser a linguagem exclusiva. Ela é o caminho. Um passo para pensar questões de mundo e valores. Nada mais correto e intenso para um Museu nomeado de Fortaleza.

Adentrar a América Latina

Legenda: Cotidiano da sociedade peruana será apresentado em próxima mostra
Foto: Museu da Fotografia Fortaleza (MFF)

Nestes dois anos de labuta, Silvio Frota estipula alguns marcos responsáveis pela consolidação do Museu da Fotografia Fortaleza (MFF). Além da fortificação do setor educacional e dos bons números de pessoas contempladas pelas ações da entidade, o gestor aponta a exposição "Mind Games" como um momento especial.Aberta ao público em setembro de 2018, é a primeira mostra internacional do Museu e reuniu a arte do aclamado fotógrafo norte-americano Roger Ballen.

Cerca de 60 obras estão no acervo inédito no Norte e Nordeste, englobando quatro décadas de trabalho do artista. A próxima temporada, garante, vai trazer a Fortaleza o universo dos Irmãos Vargas. São as mesmas imagens da mostra "Estúdio de Arte Irmãos Vargas - A fotografia de Arequipa, Peru 1912/1930", que teve rápida passagem pela Pinacoteca do Estado de São Paulo em 2010. O acervo foi adquirido e deve ser apresentado ao público em maio deste ano.

"Será a primeira vez que produziremos uma mostra composta totalmente pela nossa coleção. É um acervo lindo, do século passado, que revela a sociedade peruana e daí vamos ver como organizar a parte de palestras e ações ligadas ao tema. Mais duas exposições estão engatilhadas, mas é segredo, vamos soltando aos poucos", assume o diretor do MFF.

Serviço
Museu da Fotografia Fortaleza (MFF) - Rua Frederico Borges, 545, Varjota. Visitas: quarta a domingo, de 12h às 17h. Gratuito. Contato: (85) 3017.3661.

 

 

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