Minicurso Mário de Andrade: passagem do modernista por Fortaleza é abordada no Museu da Fotografia

Em passagem pela capital cearense, fez 17 retratos e usou os detalhes da corrente literária para retratar uma cidade em desenvolvimento

Escrito por Mylena Gadelha , mylena.gadelha@svm.com.br
Legenda: Jangada na Praia de Iracema em registro de agosto de 1927 feito pelo paulistano Mario de Andrade
Foto: Mário de Andrade

Além de ser um dos precursores do Modernismo e de produzir obras clássicas da literatura brasileira como "Macunaíma" e "Paulicéia Desvairada", Mário de Andrade também captou convicções de mundo por meio das lentes de uma câmera. Na fotografia, ainda que não tenha se destacado, recebeu reconhecimento desde o início do século XX, por meio de trabalhos em claro diálogo com o modernismo europeu. Aqui em Fortaleza, chegou no dia 5 de agosto de 1927, onde fez fotografias apuradas de parte da estrutura da cidade, até então em processo de desenvolvimento, e são elas que viram objeto de apreciação do 'Minicurso - Mário de Andrade', a ser realizado amanhã (16), no Museu da Fotografia Fortaleza (MFF).

Parte do acervo do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB), sediado na Universidade de São Paulo, as fotos serão apresentadas durante o evento por Rodrigo Marques, professor de Literatura da Faculdade de Educação, Ciências e Letras do Sertão Central (Feclesc), campus da Uece na cidade de Quixadá. No currículo, ele acumula anos de dedicação à obra de Mário de Andrade e um estudo profundo da relação do escritor com o retrato do País.

Entre as reflexões para percorrer o imaginário de uma cidade completamente diferente da atual, como a capital cearense é mostrada nas obras do autor, o estudioso busca explicar como Mário de Andrade pinçou referências de longe para mostrar um Brasil em crescimento. Segundo ele, o contato com nomes ligados à corrente Bauhaus e com fotógrafos experimentais como Renger-Patzsch concedeu ao trabalho do paulistano características singulares.

"Mário tentou traduzir tudo isso para uma experiência brasileira, fotografando com sua Kodak o Brasil amazônico e estados como Pernambuco, Rio Grande do Norte, Paraíba e Ceará. Assim, o conjunto destas fotos ganha sentido especial, porque reflete um projeto de País que valoriza suas peculiaridades locais sem deixar de ser moderno, pelo menos em termos de arte", afirma o professor. Esse objetivo, inclusive, sempre foi trabalhado em detalhes por Andrade dentro das obras literárias.

Referência

Do livro "O Turista Aprendiz", escrito por ele, parte o cronograma do minicurso. Na obra, as imagens capturadas nos diferentes lugares do País ganharam contexto e deram sentido às vontades expostas pelo poeta em publicações como "Dois poemas acreanos", quando falou da necessidade latente de uma conexão com o Norte. "Não vê que me lembrei que lá no Norte, meu Deus! muito longe de mim/ Na escuridão ativa da noite que caiu", escreveu em 1925. No entanto, só em 1976 reuniria todas as viagens feitas para a confecção da obra, relançada em 2015.

Lançado 31 anos após a morte de Mário de Andrade, o livro é uma junção de manuscritos, pequenas notas dos cadernos de bolso, anotações nas fotos reveladas e crônicas publicadas na época, catalogadas pelas pesquisadoras Telê Ancona Lopez e Tatiana Longo Figueiredo, para mostrar as experiências vividas por ele na década de 1920. "Era um projeto inacabado do autor, que por anos escreveu o diário. Trata-se de um experimento de escrita que mistura um relato de viagem com "viagens ficcionais" que se sobrepõem e por vezes interferem no registro do viajante", conta Rodrigo Marques. Por meio da publicação, opina o professor, Mário faz o leitor ir além: é possível sentir a alma dentro de um conteúdo hipertextual.

Capital

Ainda que a passagem por Fortaleza tenha sido quase meteórica, Rodrigo faz questão de ressaltar o olhar apurado de Mário para a transformação da cidade. No total, 17 imagens foram feitas pelo cronista e poeta, com a essência de uma "visita simples". "São fotos de um dia de turismo de um grupo paulista interessado em conhecer o País. Eles visitaram a região do Centro e foram até a Praia de Iracema, fazendo o percurso de automóvel. É uma Fortaleza para turista ver, a arquitetura acanhada dos principais prédios e a Praia de Iracema", relata o pesquisador.

Acima de tudo, ele relata, o minicurso será uma forma de perceber um espelho diferente da nossa terra. "Apesar de ele ter passado apenas um dia em Fortaleza, a camada ficcional de 'O Turista Aprendiz' dá uma atenção especial ao Ceará e aos cearenses, sobretudo no que diz respeito ao nosso caráter nômade, naquele momento, empregado nos seringais da Amazônia. É incrível como o autor de Macunaíma fala daqui, criando e contando causos e lendas do Estado em plena floresta Amazônica", finaliza.

Serviço

Minicurso Mário de Andrade

Dia 16 de janeiro (quinta), das 13h às 17h, no Museu da Fotografia Fortaleza (Rua Frederico Borges, 545, Varjota). Gratuito. Inscrições: (85) 3017-3661