Mães de crianças atendidas pelo Iprede lançam coleção de moda

No projeto Vai Maria, as roupas desenham um novo futuro para elas

Escrito por Roberta Souza , roberta.souza@svm.com.br
Legenda: Mães de crianças atendidas pelo Iprede posam com as roupas criadas por elas
Foto: foto: Voir Image

Quando fecha os olhos, Patrícia de Oliveira, 35 anos, lembra da mãe, Francisca Lúcia, em sua máquina de costura, a dizer para as filhas que era melhor não chegarem perto, porque “para ser costureira, primeiro tinham que aprender a costurar à mão”. Obediente, foi assim que ela fez as primeiras peças, ainda de forma tímida, mas disposta a aprender um ofício. Com o passar dos anos, acabou se distanciando desse sonho, resgatando-o só mais recentemente, por meio do Projeto Vai Maria.

A iniciativa do Instituto Primeira Infância (Iprede) busca profissionalizar as mães que chegam ao local para receber o atendimento dos filhos em estado de desnutrição e encontram ali outras portas abertas para a mudança. Em 2019, 12 mulheres participaram da capacitação em corte, costura, moda e criação, apoiada pelo Criança Esperança. 

Após um ano de atividade, elas lançam na próxima sexta-feira (13), por meio de um desfile na Praça da Imprensa Chanceler Edson Queiroz, a Coleção Brasilidade, com a perspectiva de deixar as roupas contarem suas histórias.

Legenda: Patrícia passa o que tem aprendido nas oficinas aos filhos, que se interessaram pela costura vendo a mãe na máquina
Foto: Foto: Fabiane de Paula

A de Patrícia, por exemplo, começa com sua mãe e continua com seus filhos: Cícero Maycon, 15 anos, Francisco Davi, 12 , Antônio Tomaz, 8, e Nicolas Rafael, 4. Todos eles precisaram do serviço do Iprede logo que nasceram e, hoje, também se veem envolvidos pelo Projeto Vai Maria. “Quando eu vi todos eles querendo seguir meu caminho, comecei a ensinar”, partilha.

Os três garotos mais novos se sentiram atraídos pela máquina de costura, enquanto o mais velho preferiu se dedicar aos desenhos, alimentando, inclusive, o sonho de ser estilista. Por enquanto, as criações vestem a própria família. Patrícia já fez capas de chuva a partir do tecido de guarda-chuvas e bolsas para os meninos irem à escola, tudo porque não tinha como comprar. “Eles adoram e, quando chegam ao colégio, os colegas ficam pedindo para trocar o material”, conta ela, orgulhosa.

A ansiedade para o desfile da primeira coleção só aumenta quando imagina subir numa passarela ao lado dos filhos, todos vestidos com a própria criação.

“Nós vencemos. É mais uma conquista. Vou poder mostrar às pessoas que não acreditavam nos meus sonhos que agora eu tenho valor”, declara emocionada.

Brasilidade

Frases como “ganhando o mundo”, “líder por natureza”, “dona de si”, “alma de luz” e “costurando sonhos”, esta última dita por Patrícia, ilustram a estampa da coleção desenvolvida pelas mães. Além disso, referências à natureza, nos desenhos de onças e borboletas, símbolos de liberdade, refletem igualmente o desejo das novas costureiras.

Legenda: Ednir da Silva posa com look completo da coleção criada e produzida por ela e outras mães
Foto: Foto: Voir Image

Para o estilista Zé Filho, que acompanhou cada passo das meninas, a palavra que resume o projeto é força. “A estampa ganha força porque é com elas; elas fazem um material com força porque é sobre elas. E é por isso que eu vejo ele ganhando o mundo. Não é só sobre sonho, é sobre fazer o negócio acontecer”, defende. “Minha inserção dentro do Vai Maria é muito pra isso: fazer com que esse mundo, que tem dentro de cada uma delas, ganhe potência dentro de uma peça de roupa”, admite.

Antes de participar da capacitação, Sabrina Samer Dantas dos Santos, 24 anos, considerava-se um pouco perdida. A mãe de Maycon, de 3 anos, definia-se como uma pessoa impaciente e não achava que conseguiria desenvolver um trabalho tão minucioso quanto o da costura até entregar-se a ele. “Agora, descobri que gosto muito de costurar e, quando eu estou estressada, isso tira meu estresse”, avalia.

Sabrina, aconselhada pela própria mãe, entende que nem todo mundo tem uma oportunidade como essa, e pretende valorizá-la diariamente. “Deus colocou minha cabeça para funcionar, porque eu tenho filho e quero vê-lo com um futuro melhor daqui pra frente”, admite. 

Legenda: O estilista Zé Filho orientou a criação das estampas e buscou incluir elementos que remetam ao cuidado e à força feminina
Foto: Foto: Fabiane de Paula

Ednir Faustino da Silva, 39 anos, deseja que todas as colegas tenham a mesma consciência que ela, Sabrina e Patrícia. A costureira funciona como uma espécie de monitora do projeto, visto que aprendeu a manusear tudo com rapidez, em cerca de duas semanas. “Eu ajudo, incentivo elas a fazerem as peças certas, porque eu já sei cortar, modelar, montar, mas nem todas sabem e eu estou lá para orientar”, observa. 

O trabalho, acredita, transformou-a como num passe de mágica e, por isso mesmo, nutre o desejo de que mais pessoas vivam essa mudança.

“Sinto-me muito feliz de ter realizado meu sonho. E eu queria que todas que têm essa oportunidade abraçassem, lutassem com garra”, diz.

Negócio social

As peças desenvolvidas por essas mulheres estarão disponíveis em um estande nos três dias da próxima edição da feira Babado Coletivo (13, 14 e 15 deste mês), na Praça da Imprensa, em Fortaleza. Todo o dinheiro obtido será revertido para a criação do negócio social Vai Maria, confecção que destinará sua renda à sustentabilidade dos próximos ciclos do projeto, além de garantir salário para todas as participantes.

“Ano passado, uma das mães fez uma pergunta cabal numa aula de empreendedorismo: Como vou conseguir economizar se eu não tenho o que economizar? Como eu vou me tornar empreendedora se eu não tenho de onde começar? A partir desta reflexão, a gente viu a necessidade de criar essa marca social para proporcionar esse pontapé”, explica o coordenador de Ações Sociais do Iprede, João Victor Furtado.

Legenda: Sabrina não acreditava que conseguiria fazer um trabalho minucioso como o da costura até entrar para o projeto. Ela diz valorizar a oportunidade diariamente
Foto: Foot: Fabiane de Paula

Para tornar esse ideal realidade, o Instituto contou com apoio de inúmeros parceiros, incluindo alguns coordenadores e estudantes dos cursos de graduação e pós-graduação da Universidade de Fortaleza. Alunos de Moda e Administração, por exemplo, estão contribuindo diretamente com o projeto.

São movimentos como este que fazem Patrícia continuar sonhando com uma confecção própria, que levará o nome de sua mãe, e na qual trabalhará com a ajuda dos filhos, quando adultos, e de outras mulheres. Feito isso, poderá dar outros passos, como adquirir uma casa para si, voando alto, como uma das borboletas estampada na coleção Brasilidade.
 

Serviço

Lançamento da coleção Brasilidades. Nesta sexta (13), às 19h, na Praça da Imprensa, bairro Dionísio Torres. As peças ficarão disponíveis num estande na feira Babado Coletivo, de 13 a 15 de dezembro, de 17h às 21h. Contato: (85) 3218-4000

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