Livro traz carta inédita em que Olga Benário revela gravidez a Luís Carlos Prestes

Escrito por filha do casal, "Viver é tomar partido" traz importante capítulo da história a partir de memórias e vasta pesquisa

Escrito por Paula Sperb , Folhapress
Legenda: A militante comunista Olga Benário: mergulho em sua trajetória revela detalhes da época em que viveu

Graças a uma campanha ao redor do mundo, com envio de correspondências ao próprio Adolf Hitler, Anita Leocádia Prestes, 83, escapou do nazismo aos 14 meses de idade.

Sem a mobilização da avó paterna, Leocádia, o melhor destino para a criança, naquele contexto, seria parar em um orfanato nazista.

O pior seria o mesmo reservado para sua mãe, a militante comunista alemã Olga Benário. Depois que Anita foi entregue à avó e à tia, Lygia, Olga foi enviada a um campo de concentração, onde morreu na câmara de gás.

A militante foi encaminhada a Hitler pelo presidente Getúlio Vargas, em 1936, que manteve preso no Brasil seu companheiro, o também militante Luís Carlos Prestes, gaúcho.

Historiadora, Anita publica um novo livro, "Viver É Tomar Partido: Memórias" (Boitempo, 2019), em que compartilha suas lembranças, mas também o resultado da pesquisa que desenvolve há cerca de 40 anos.

A obra traz duas cartas até então inéditas de Olga para Prestes, escritas em 4 de abril e 6 de julho de 1936, enquanto Olga estava presa na Casa de Detenção, no Rio de Janeiro, antes de ser mandada à Alemanha. As cartas foram escritas em francês, idioma que Prestes também dominava.

Legenda: Em entrevista, Anita Leocádia Prestes reflete o Brasil atual a partir do que seus pais vivenciaram

Resistência

As correspondências foram roubadas da sede do PCB (Partido Comunista Brasileiro) em 1945, após uma ação policial. Os documentos surgiram apenas em 2018, após irem a leilão cancelado pelo Tribunal de Justiça do Rio.

Anita entrou na Justiça para recuperar as 320 missivas. A herdeira ganhou a causa, mas o caso foi parar no STF (Supremo Tribunal Federal), e Anita ainda não recebeu todas as cartas da família. Ela conseguiu acesso a apenas duas, que constam do livro.

"Gostaria muito de te dizer uma coisa que diz respeito somente a nós dois. Mas diante das circunstâncias não me resta nada além desta possibilidade. Querido, nós teremos um filho. (Eu sinto todos os sinais que existem nesse caso, vômitos etc.)", escreveu Olga a Prestes.

Ela assina como "Maria", nome que adotou à época. Na segunda carta inédita, Olga Benário diz que queria saber se o companheiro está vivo e diz que terá forças para resistir.

Acompanhando seus relatos, que não perdem o tom formal e rigor científico - por se tratar de reminiscências, a narrativa permitiria estilo mais solto - 101 fotografias ilustram momentos históricos ali narrados.

Anita conta detalhes como o grande mapa do cenário da guerra na parede de casa, onde Leocádia e Lygia marcavam com alfinetes coloridos os movimentos das tropas, torcendo pela derrota dos nazistas diante dos soviéticos.

Já no Brasil, aos 12 anos, quase foi impedida por uma professora de cursar música para avançar seus cursos de piano. Após a formatura em química industrial, em 1964, ingressou no mestrado em química orgânica. Pesquisadora, deparou-se com sua ficha do SNI, órgão da ditadura, classificando-a como "subversiva".

Aos 83 anos, Anita, em entrevista, diz que o comunismo "tem sido usado como uma justificativa para perseguir pessoas" e não representa "perigo nenhum".

Pergunta: Como é crescer sabendo que esteve em posse de nazistas?

Anita Prestes: Nasci na prisão de mulheres. Minha mãe foi para o campo de concentração depois que eu fui devolvida. Me habituei desde pequena com a verdade porque a minha família nunca foi de dramatizar as coisas. Me ensinaram a lutar. Entendia, inclusive, que tinha gente em condições muito piores que a minha. Fui salva graças à campanha internacional. Poderia ter sido levada para um orfanato nazista. Sempre fui muito cuidada, com solidariedade tanto no Brasil como no exterior. Quantas crianças e pessoas inocentes morreram vítimas do nazismo?

P: Jair Bolsonaro e o chanceler Ernesto Araújo já disseram que o nazismo é de esquerda. Por que esse equívoco tem sido propagado?

AP: É o capitalismo desesperado diante da situação de sua própria crise, refletida na insatisfação popular, nas greves, nas manifestações, entre outros movimentos que percebemos ao redor do mundo. Precisam inventar uma história para se justificar, dizendo que o nazismo é de esquerda, que o holocausto não existiu, que o comunismo é um perigo. A realidade do comunismo é tão precária que não significa perigo nenhum.

P: No seu livro, a senhora conta que ainda criança foi perseguida por ser filha de comunistas. Uma diretora tentou evitar seu ingresso na Escola Nacional de Música. O rótulo de comunista retornou à pauta, usado contra artistas, intelectuais e políticos moderados.

AP: A diretora, naturalmente, era influenciada pela propaganda anticomunista da época. Meu pai era um demônio e eu, por consequência, um demoniozinho (risos). Essa propaganda faz a cabeça das pessoas. É isso que a gente está vendo. No golpe de 1964, alegavam que era para evitar o comunismo e contra a corrupção. Exatamente a mesma coisa de agora. Muita gente é perseguida sem ter nada a ver com comunismo. Precisam de bodes expiatórios. Comunismo é usado como uma justificativa para perseguir as pessoas.

P: A senhora foi perseguida pela ditadura militar. O que pensa sobre os elogios ao período feitos por Bolsonaro e seus apoiadores?

AP: É toda uma política para justificar repressão, para implementar medidas autoritárias. Criam essas histórias para conquistar adeptos. Através das redes sociais e WhatsApp, Bolsonaro conseguiu se eleger. O PT fez muita coisa errada, mas espalharam barbaridades que não tinham cabimento, coisas inventadas.

P: Seu pai e a senhora romperam com o PCB. Por quê?

AP: Eu até rompi primeiro porque não tinha as responsabilidades que ele tinha. Ele rompeu quando redige a "Carta aos Comunistas" em 1980, quando cobra autocrítica do partido. A gente fez muita força para ver se modificava a direção, se fariam autocrítica da política errada de "revolução em etapas". A gente chegou à conclusão que o Brasil era outro, uma nação diferente, não podia repetir aquelas teses erradas. Ele se convenceu que não tinha como mudar e decidiu não continuar dando aval.

Viver é tomar partido 
Anita Prestes 
Boitempo Editorial 
2019, 376 páginas 
R$ 44

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