"Lá no Meu Quintal", de Gabriela Romeu e Marlene Peret, mostra a arte do brincar pelo Brasil

O livro faz parte do Projeto Infâncias, existente há mais de 10 anos

Escrito por Folhapress ,
Legenda: Nas terras dos índios Guató, no Pantanal, crianças espiam o horizonte pela janela da casa. No olhar, traduzem sentimentos de desconfiança e de esperança
Foto: FOTO: SAMUEL MACEDO

O caminho sempre começa com um avião - mas, depois do desembarque, não é raro que trechos sejam vencidos de carro, ônibus ou barco. Quando finalmente chega a um interior do Brasil, onde sobram rios e matas, a jornalista Gabriela Romeu logo diz aos moradores que está em busca de descobrir e registrar suas brincadeiras. Mas, quase sempre, ouve como resposta um: "Brincadeira? Criança aqui já não brinca mais".

"Já até acostumei. Essa fala não é exclusiva das cidades grandes", diz Gabriela Romeu, que lança o livro "Lá no Meu Quintal", escrito com Marlene Peret e que investiga passatempos de crianças das cinco regiões do País. É claro que a previsão apocalíptica sobre o fim de uma infância lúdica costuma ser associada às metrópoles e à violência, à tecnologia, à pressa, ao excesso de atividades, à cobrança descabida e a outros vilões que teriam assassinado o brincar.

Mas Romeu afirma que não é bem assim, pois as crianças continuam brincando -seja nos confins do País, seja nas metrópoles. "A negação é uma ideia do adulto, que não consegue enxergar o universo da infância. Existe um véu que nos separa".

Em "Lá no Meu Quintal", a cidade paraense de Altamira, no epicentro da usina hidrelétrica de Belo Monte, é apresentada pelo menino Arawari Asurinim, que tem "uma floresta no quintal" e jura que já foi atacado por uma onça. Já no Vale do Jequitinhonha, a viagem é guiada por Milena Lopes da Silva, que brinca de pega-pega entre pés de pequi e fica com a língua verde quando come semente de jatobá.

Legenda: No Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais, garotinhas se distraem brincando de casinha. No fogão de barro, produzem "comidas" para alimentar a imaginação
Foto: FOTO: SAMUEL MACEDO

E é assim, de quintal em quintal, de criança a criança, que o livro cria um mapa ou almanaque poético dos passatempos. Romeu conta que buscou abordar o quintal em um sentido mais metafórico. "Porque eles existem também dentro de um apartamento nas cidades. As crianças criam seus quintais na varanda, no guarda-roupa, embaixo da mesa da sala", defende.

Mas há uma diferença entre capitais e interior, diz a autora. "As cidades estão ficando desquintalizadas', na medida em que há essa assepsia toda, um mundo sem quinas, completamente afofado. Isso não impede a brincadeira, mas a infância não precisa dessa proteção exagerada."

O livro mistura fotografias com ilustrações e mapas. Dessa costura surgem histórias passadas de pais para filhos, versos, cantigas e, é claro, brinquedos - de helicóptero construído com folhas a cordas de cipó e um campinho de futebol feito de pregos.

O início da pesquisa de Romeu com as crianças começou na Folha, onde ajudou a criar o Mapa do Brincar, em 2009, do projeto Folhinha, que reuniu, em duas edições, mais de 750 brincadeiras e também venceu o Prêmio Ayrton Senna de Jornalismo em 2010. Agora, ela já trabalha em um segundo livro. Em fase de pesquisa, o novo material vai contemplar só festas e tradições populares.

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