Homenagens ao Dragão do Mar resgatam legado do abolicionista cearense
Celebrações em torno dos 180 anos de Chico da Matilde, mantêm viva a memória por liberdade e justiça social no território cearense
A primeira narrativa de luta contra a escravidão ouvida por Francisco José do Nascimento (1839-1914) veio do mar. Quando jovem, assuntou o caso envolvendo a revolta do barco Laura II. Os escravos da embarcação que seguia de São Luís do Maranhão para o Rio de Janeiro se levantaram furiosamente contra a tripulação. Após o motim, os rebelados foram capturados na costa cearense, trazidos para Fortaleza e executados em plena praça pública no ano de 1839.
O episódio foi alçado pelo jornalista e biógrafo cearense Edmar Morel (1912-1988) como estopim da causa abolicionista para o futuro Dragão do Mar. Coincidência ou recurso de construção da imagem de herói por parte do autor, de certo, quatro décadas depois, o homem nascido em uma pequena vila de pescadores de Canoa Quebrada protagonizou o grito "No porto do Ceará não se embarcam mais escravos".
Os 180 anos de nascimento do vulto histórico é celebrado nos dias atuais como um marco na lida por justiça. Em 2019, foi louvado no templo do samba carioca pela campeã Mangueira no samba enredo "História pra ninar gente grande". "Não veio do céu, nem das mãos de Isabel. A liberdade é um Dragão no Mar de Aracati", animam os versos.
No chão natal a data é iluminada por festividades gratuitas na Capital e em Canoa Quebrada. Na Praia de Iracema, o evento "Canções de Guerra, quem sabe Canções do Mar" abraça o domingo (14) com navegação de jangadeiros e apresentações de 14 grupos de reisado, coco, toré, além de cortejo dos maracatus. Cerca de 700 brincantes homenageiam o líder abolicionista.
Para coroar o dia, Calé Alencar comanda a atração musical na companhia pontual de Edmar Gonçalves, Cyda Olímpio e Lorena Nunes. Já na segunda-feira (15), no marco zero localizado na Barra do Ceará, o projeto Conversas Flutuantes dialoga diretamente com alunos da periferia. Em pauta, o entendimento geográfico da Cidade e de suas desigualdades sociais. Uma chance de propiciar a alunos de escolas públicas da periferia um entendimento da histórica desigualdade geográfica e social de Fortaleza. "Sempre fomos um povo resistente, não só em relação aos povos do mar", aponta o professor e geógrafo Marcos Lupi.
Já em Canoa Quebrada, o Festival Cultural Dragão do Mar 2019, organizado desde a última sexta-feira (12), reúne uma série de linguagens artísticas como poesia, música, fotografia, danças populares, artesanato e artes cênicas. O destaque é a organização articulada a partir dos moradores, artistas da região e pelo Conselho Comunitário de Aracati. "O intuito é mostrar o quanto o Dragão é um personagem importante. É uma expressão local, capaz de trazer valores de união, solidariedade e fraternidade", diz a organizadora Claudia Marcon.
A principal edificação no Ceará dedicada à memória do Chico da Matilde, como também era chamado, o Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura (CDMAC) prevê a inauguração de um painel artístico e interativo durante as comemorações dos 20 anos de fundação do Centro, programada para o dia 27 de abril.
Liberdade
Em 1999, o então recém-inaugurado CDMAC recebeu o show "160 Anos-Luz/Loas a Dragão do Mar". Realizado no Anfiteatro, o evento reuniu pela primeira vez Calé Alencar, Dilson Pinheiro e Pingo de Fortaleza, com a participação do Grupo de Tradições Cearenses. Outras presenças marcantes foram o Maracatu Az de Ouro e o percussionista Descartes Gadelha.
Calé Alencar aponta o quanto a causa defendida pelo Chico da Matilde segue inspiradora para o Ceará e o Brasil. Trazer a "cultura da maritimidade" presente na MPB representa um estatuto de caminhada pela liberdade. "Falo da liberdade de uma forma mais presente na vida do ser humano. A liberdade social e política. Partimos do Dragão do Mar para nos colocarmos como cidadãos e dividir um espetáculo que defende esse conceito", completa Alencar.