Forró raiz invade Lisboa

No velho continente, brasileiros levam o ritmo do Nordeste a festivais e criam até bandas com origens em terras lusitanas

Escrito por João Lima Neto , joao.lima@diariodonordeste.com.br
Legenda: Ardyson Carvalho e Ana Paula Palmerston deixaram o Brasil para viver do forró em Lisboa.

No berço do fado, brasileiros mantêm viva a tradição da música nordestina. A santíssima trindade do forró - sanfona, zabumba e triângulo - dá voz a canções do pernambucano Luiz Gonzaga e do cearense Humberto Teixeira. Músicos, instrumentistas e cantores, que hoje lutam no Brasil para tornar o gênero um patrimônio imaterial, sobrevivem de mais de 50 festivais por toda a Europa.

Pernambucanos, mineiros e goianos tiram o sustento em euros ensinando o "dois pra lá, dois pra cá". Casas noturnas portuguesas têm como programação um dia específico para o gênero, a "Forró de quarta". O sentimento de quem vive do outro lado do Atlântico é de que o "arrasta-pé" está só começando em terras lusitanas. 

O mineiro Ardyson Carvalho é um dos que luta pela resistência ao movimento tradicional do forró em Lisboa. A história dele na Europa começou em 2012, na Itália. "Recebia convites para ministrar workshops. Às vezes, vinha mais de uma vez por ano por meio de convites de vários países. Em 2016, eu pensei: 'poxa, eu tenho um público legal. Vou ver como está esse cenário do forró na Europa'. Fui para Itália e morei três meses por lá. Dava aula e tocava. Chegou o momento que precisava me legalizar. Decidir vir para cá. Estou trabalhando e fazendo shows levando o pé de serra", ressalta.  

O impacto no número de brasileiros é um dos vetores para fortalecer a cultura nordestina na Europa. Segundo o Ministério das Relações Exteriores, Ardyson é um dos 110 mil que vivem, atualmente, em Portugal. Quem também faz parte da estatística é a goiana Ana Paula Palmerston. O sertanejo universitário é o estilo da cidade natal dela, mas foi no forró que ela se encontrou. Há menos de um mês morando em Portugal, a coreógrafa foi atraída pela qualidade de vida que a União Europeia proporciona para quem mora por lá. "Tenho um filho no Brasil e devo trazer ele para cá. O forró cresce forte". 

Aulas 

Enrique Matos, idealizador do Centro Cultural Espaço Baião, é um dos articuladores do forró em Portugal. Para se ter dimensão da atuação do músico, ele até criou uma banda com trabalho integral na Europa, a Luso Baião. Anualmente, também produz o festival anual Baião in Lisboa. Em 2018, o evento alcança a oitava edição. Para disseminar a cultura forrozeira, o mineiro leva a dança e a música em módulos para os europeus. "Existem 40 aulas disponíveis de forró, além da matriz musical com maracatu. Fazemos ainda workshops de percussão com instrumentos do forró. O vinil também é presente. Vivemos financeiramente do que os participantes pagam. Até então, nunca tivemos incentivo maior de governos. Somos digno de algo maior. O que fazemos é 100% cultura".   

Legenda: A casa noturna Titanic institui a "Forró de quarta" como dia para as práticas de aulas e festas do gênero

Nos últimos anos, a banda Luso Baião fez turnê no Brasil, quando participou do Festival Nacional de Forró em Itaúnas (ES). Tocou em cidades como São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Vitória (ES) e participou do programa "SuperStar", na TV Globo. Como DJ e professor de forró, Enrique Matos atuou em cerca de 12 países europeus, entre os quais Espanha e Holanda. 

Já imaginou um português dando aulas de forró? A situação já acontece. Na casa Titanic Sur Mer, às margens do Rio Tejo, brasileiros levam o gênero musical às quartas. O português João Regra, 30 anos, é um dos nativos que aprenderam o ritmo e põem em prática com outros estrangeiros.

"Eu trabalho no mercado financeiro, mas as aulas são uma fuga para mim. Morei em São Paulo e namorei uma menina lá. Ela chegou a me levar em uma festa que tinha forró. Tentaram me ensinar a base. Eu disse para ela não insistir pois não iria funcionar. Quando retornei para Lisboa, um amigo me falou das aulas. Comecei e a paixão foi crescendo".  

Shows 

Diego Oliveira é um dos brasileiros que conheceu o ritmo musical fora do Nordeste. Há 11 anos, vive no exterior trabalhando com o gênero.  O relacionamento com o forró começou em festas ocorridas em São Paulo. "Em uma antiga casa chamada Caviar, no auge do forró universitário em São Paulo, eu conheci as bandas Falamansa, Bicho de Pé e Arrasta Pé. Daquele momento, eu senti uma paixão por esse ritmo. Foi paixão à primeira vista. Depois desse dia, nunca mais larguei o forró". 

Com a zabumba encostada no corpo, Oliveira leva no repertório uma variação de ilustres nomes e novos compositores. "Exalto Antônio Barros e Cecéu, João Silva, Accioly Neto, Luiz Gonzaga, Dominguinhos, Elba Ramalho, Jackson do Pandeiro e, do mais atual, Mestrinho e Elton Morais".  Na avaliação do músico, o forró de raiz vem apenas sobrevivendo. "Nunca foi fácil. Ainda mais esse cenário alternativo do forró. Atualmente, não é tão midiático. É uma cena underground. Estamos em caminhos sem patrocínio". 

Diego avalia que no Brasil, o forró de raiz vem perdendo força por uma união maior de diferentes gerações. "De certa forma, existe um pouco de tristeza em mim. O ritmo é tradicional. Desde pequeno, escutava Luiz Gonzaga. Vejo que o cenário para essa música tradicional se perdeu um pouco. Hoje, perdemos espaço para o forró eletrônico e sertanejo. São a grande massa", finaliza.

Forró como patrimônio

Desde 8 de julho de 2011, a Associação Cultural Balaio Nordeste, da Paraíba, deu entrada no Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) ao processo para o registro do "Forró de raiz" como Patrimônio Imaterial Brasileiro. O processo é longo.

Para tentar agilizá-lo, foi criado o coletivo Fórum do Forró de Raiz, composto por detentores deste saber (mestres), gestores, pesquisadores, entre outras profissões e entidades afins.

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