Filme "Tremor lê" tem exibição inédita neste sábado (13), na programação do aniversário de Fortaleza

Primeiro longa-metragem de Elena Meirelles e Lívia de Paiva será projetado no Cineteatro São Luiz

Escrito por Diego Benevides* , diegobenevidess@gmail.com
Legenda: Em "Tremor Iê", os corpos das personagens performam nas ruas da cidade

As transformações sociais, políticas e morais que atingiram o Brasil nos últimos anos se tornaram matéria-prima para uma leva de filmes que busca dialogar com esse cenário fragmentado. Com direção de Elena Meirelles e Lívia de Paiva, o filme "Tremor Iê" é fruto dessa imersão no debate sobre racismo estrutural e visibilidade feminina.

A narrativa olha para o passado recente para discutir o presente e projetar um futuro distópico para essa realidade dominada por "soldados de bem". Mulheres conversam sobre as manifestações populares de 2013 em Fortaleza e se escutam sobre as consequências da truculência policial na periferia. A fluidez de "Tremor Iê" possibilita a imersão nesses diálogos enquanto os corpos das personagens performam nas ruas da capital cearense.

"Assim evitamos o apagamento e o silenciamento do que a narrativa homogênea soterra. E a mistura dos tempos diz também sobre a perpetuação de estruturas de opressão que só se remodelam para continuar existindo", conta a diretora do longa-metragem, Lívia de Paiva.

"A prisão de uma das personagens do filme não é algo pontual e específico da história dela, mas parte da situação do encarceramento em massa que é regra da estrutura que formou e constitui o Brasil de perseguição e genocídio da população negra e periférica", completa Lívia de Paiva.

Luta

A atriz Micinete Lima afirma que o filme questiona a democracia controversa de hoje, sem esquecer de tragédias como o assassinato de Marielle Franco, em 2018, e a de Luana Barbosa dos Reis, morta em 2016 após espancamento por policiais militares.

"Uma democracia para quem é branco, pra quem tem dinheiro, pra quem mora numa certa parte da cidade. Pra quem mora na favela não existe democracia e não é de agora que essa fake-democracia se estrutura: então não importa se é uma mulher, se é um homem, se é um LGBT - se for um corpo negro, ele vai ser mais violentado e reprimido pela polícia. Ele vai ser assassinado por qualquer movimento brusco que ele venha a fazer, porque o crime é ter a cor negra, é ser de cor negra, é ser favelado", finaliza Micinete.

Depoimentos

“A gente buscou fazer uma coleta de memórias e sonhos, sem hierarquizar fabulação com rastro de real. A estrutura de filme ou narrativa com a qual estamos acostumados nos leva pouco a pensar, parece que estamos sempre buscando automaticamente conectar peças que formam um todo homogêneo, sem contradições ou questões.  Queríamos uma estrutura que coubesse a vida, as experiências múltiplas do corpo, da dúvida, da intuição. Como transformar em linguagem o medo do horizonte do tempo? Ou a rememoração e denúncia de episódios de opressão sem causar mais uma vez a dor e convidar de fato à sua escuta num mundo tão saturado de notícias e imagens de violência? Não importa se o que vemos é verdade ou localizar onde se situa. A partir do momento em que se conta algo e se escuta algo, existe um acontecimento no presente. E é o presente que temos, é entre nós que tornamos o passado possível porque existe a escuta, a transmissão de uma memória”. – Lívia de Paiva, diretora.


“Atualmente, a extrema direita tenta apagar e distorcer o que já aconteceu na história do País. Tem coisas que as pessoas veem, mas não se sentem afetadas, que é a violência com o povo negro, e ‘Tremor Iê’ traz isso na personagem da Janaína e em outras personagens que foram presas de forma injusta. O filme toca no que é esse racismo estrutural, de quem está sendo mais encarcerado e a quem falta liberdade de ir e vir, pensando em diversos direitos que nos são negados. ‘Tremor Iê’ vem afrontar esse padrão de ordem de democracia fajuta. Hoje isso está para além desse governo, está no ódio das pessoas que o elegeram, a população está demonstrando cada vez mais racista, mais preconceituosa e muito mais criminosa mesmo, de matar, de querer cuspir. Eu acho que a obra pode afetar dessa forma porque ela reflete nosso tempo atual, nosso hoje, nossa época. Ela traz algo meio ficcional, meio futurística e ela toca profundamente nisso da democracia não ser pra todes”. – Micinete Lima, atriz e cantora da trilha sonora

*Diego Benevides é jornalista, crítico de cinema, curador e pesquisador audiovisual. Presidente da Aceccine e membro da Abraccine.

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