Família Cândido, de Juazeiro do Norte, expõe temas regionais no Rio de Janeiro

O cotidiano moldado em barro por mãe, filhas e nora residentes no Cariri ganha exposição no Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular (RJ)

Escrito por Roberta Souza , roberta.souza@diariodonordeste.com.br
Legenda: Reconhecida como Mestra em Artesanato em Cerâmica pela Secretaria de Cultura do Estado do Ceará (Secult) desde 2004, a artesã Maria de Lourdes, 80 anos, cria as cenas, molda no barro e por fim colore cada peça com o sentimento que elas evocam
Foto: FOTO: JARBAS OLIVEIRA

No começo, era apenas um passatempo; uma maneira de entreter as crianças, que insistiam por brinquedos, quando o dinheiro mal dava para comprar o pão. Morar próximo ao barreiro onde o gado bebia água facilitava. De lá, dona Maria de Lourdes, matriarca da família Cândido, tirava a matéria-prima para moldar as miudezas: panelinhas e potes para as meninas; animaizinhos e vaqueiros para o menino.

Não demorou muito para essas produções despretensiosas tornarem-se a principal forma de sustento da família. E hoje, praticamente cinco décadas depois, ainda se colhem os frutos dessa criação, agora coletiva e mais aprimorada, denotando cenas do cotidiano. De Juazeiro do Norte, no Cariri cearense, mais de 50 obras viajaram até o Rio de Janeiro, onde foram organizadas em exposição, no Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular (CNFCP).

Responsável pela pesquisa e pelo texto da mostra "Maria de Lourdes Candido - Álbum de Família", Guacira Waldeck destaca a força de uma produção que vem se difundindo entre filhos, marido, netos e nora.

Marca autoral é essencial na criação de Maria de Lourdes. Mas não podemos apagar o fato de que o autor é uma construção moderna centrada no indivíduo, e as práticas criativas nas culturas populares envolvem a rede de parentesco, de vizinhança".

Legenda: Obra "Forró" (2019), de Maria das Dores Cândido
Foto: FRANCISCO MOREIRA DA COSTA/CNFCP

Distribuídas na Sala do Artista Popular (SAP), as peças da matriarca se confundem com a das descendentes Maria das Dores e Maria do Socorro, e da nora Aucilene. Isto porque certos temas (como passaram a ser identificadas as "narrativas em relevo") são comuns a todas, ainda que cada uma tenha suas preferências nesse universo. Vale ressaltar que para o Rio foi enviado um pouco de tudo, incluindo detalhes das manifestações populares que evocam a memória do Cariri, a exemplo do reisado e do maneiro-pau.

Expressão

Essa não é a primeira vez que as obras da família Cândido são expostas por lá. Algumas peças já integram o acervo do CNFCP desde os anos 1980, como recorda Guacira Waldeck. Em visita recente a Juazeiro do Norte, em março deste ano, a pesquisadora e o fotógrafo Francisco Moreira da Costa reuniram em três dias o material necessário para a mostra.

"Não é simplesmente colocar a obra pra ser contemplada, mas trazer um pouco esse outro mundo por meio dos textos e das fotos: como eles fazem pra coletar a matéria-prima, como é o lugar em que vivem", explica Guacira. E foi isso que chamou a atenção de dona Maria de Lourdes quando chegou ao Rio de Janeiro, na semana passada.

Legenda: Lambe-lambe produzido pela artesã Maria do Socorro Cândido
Foto: FOTO: FRANCISCO MOREIRA DA COSTA/CNFCP

Na abertura da exposição foi tudo muito lindo. Não esperava chegar e encontrar daquela forma. Aqui a gente bota na parede, mas não sabe decorar direito. Eles botam bem legal, é muito interessante, num espaço grande, muito bonito",

descreve a artesã, que também aproveitou a viagem para passear com a filha Maria das Dores. "Fui no Pão de Açúcar, na Praia de Copacabana, tudo lindo, minha filha!", conta entre risos.

Em poucos dias, todas as peças expostas foram vendidas, motivo de comemoração para a família, que receberá o valor correspondente. Num ritmo próprio, as Marias se preparam para enviar mais algumas obras para a loja do CNFCP. Enquanto, por aqui, a Secretaria de Cultura de Juazeiro do Norte, parceira da Associação de Amigos do Museu de Folclore Edison Carneiro na realização dessa mostra, também se organiza para promover exposição semelhante no Cariri, no segundo semestre do ano.

Legenda: Detalhes da mostra em cartaz no Rio de Janeiro que reúne obras da família Cândido
Foto: FOTO: DANIEL REIS - ACERVO CNFCP-IPHAN

Mais Ceará no Rio

A arte cearense já esteve exposta na Sala do Artista Popular, criada em 1983 com o intuito de servir como espaço de difusão de expressões culturais dessa natureza. Confira:

1984: Artistas de Juazeiro do Norte. Pesquisa e texto: Elizabeth Travassos

2010: Garrafas que guardam símbolos e sonhos: a arte em areia colorida de Majorlândia. Pesquisa e texto: César Baía

2011: Rendas nas terras de Canaan. Pesquisa e texto: Guacira Waldeck

2012: Espedito Seleiro: da sela à passarela. Pesquisa e texto: Guacira Waldeck

2016: Cerâmica tradicional de Cascavel. Pesquisa e texto: Carla Arouca Belas

2017/2018: Francisco Graciano - Arte e Vida. Pesquisa e texto: Guacira Waldeck

Serviço

Exposição "Maria de Lourdes Candido - Álbum de Família". Em cartaz até o dia 7 de julho, no Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular (Rua do Catete, 179 - Glória, Rio de Janeiro). Visitação: De terça-feira a sexta-feira, das 11h às 18h. Sábados, domingos e feriados, das 15h às 18h. Entrada gratuita.

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