Exposição "À Flor da Pele", de José Stênio Burgos, evidencia caráter político ligado ao cotidiano

Segunda exposição individual do artista plástico cearense no Museu de Arte da UFC tem abertura nesta quinta-feira (14)

Escrito por Diego Barbosa , verso@verdesmares.com.br
Legenda: Autorretrato "A Flor da Pele", que inspirou o nome da mostra

Sertanejo de Crateús, filho de mãe baiana, rebento maior do mundo. José Stênio Burgos considera-se um viajante, peregrino das paisagens alheias, também suas. É gente de engolir cada centelha de vida, não sem antes otimizar um processo de graduada digestão do entorno, que, em suas mãos, torna-se arte policromática, refletindo um universo em expansão de saberes e cores.

"Tive muitas vivências com outras terras e culturas. Acho que o cearense é um viajante nato e consegue se adaptar muito bem a outras realidades", afirma ele por telefone, logo após finalizar o processo de montagem da nova exposição no Museu de Arte da Universidade Federal do Ceará (Mauc - UFC), casa que pela terceira vez recebe uma empreitada do celebrado artista.

A primeira aconteceu em 2005, com "Epifanias", realizada em parceria com o polonês Maciej Babinski; a segunda, "Pinturas", foi em 2009, com obras contemplando uma década de trabalho.

Desta vez, o projeto intitula-se "À Flor da Pele - A Pintura Visionária de Burgos", herdando a mesma nomenclatura de um autorretrato pintado pelo cearense em 2014 e revisitado dois anos depois por ele em seu ateliê, em Icaraí de Amontada. A obra estará presente na exposição junto a outras dezenas de telas, em que se sobressaem impressões subjetivas do cotidiano, remodelado sob a lente atenta, crítica e itinerante de Stênio.

"As criações abrangem um período muito longo. Há pinturas de 2000 e outras de 2018. Mas a grande maioria delas é composta por pinturas feitas entre 2009 e 2018", esclarece, sublinhando ainda que a mostra é volumosa, ocupando três salas do Mauc.

A mesma estará disponível para visualização do público a partir desta quinta-feira (14), às 18h, quando acontece a abertura deste novo trabalho, em cartaz até o dia 26 de abril.

Laço

A curadoria da exposição é assinada pelo jornalista, professor e pesquisador Gilmar de Carvalho, resultado de uma parceria intensificada com Burgos a partir de 2004. Foi nesse ano que o renomado estudioso cearense aceitou o convite para escrever um texto sobre a exposição "Terra e céus", em cartaz, à época, em uma galeria de Porto Alegre.

Nas palavras do artista plástico, "a partir daí, participamos de vários projetos juntos. O professor é um tijolo fundamental da minha criação nesses últimos 15 anos. A curadoria dele nesse meu novo trabalho vem dessa familiaridade que ele possui com meu processo criativo, vinda de longo tempo".

De fato, no texto de apresentação de "À Flor da Pele", Gilmar passeia com uma lente de aumento pelas principais características da técnica instaurada pelo amigo e parceiro profissional, de modo a apresentar a vertente autobiográfica das pinturas de Stênio. Para ele, tal característica trata-se de um manifesto que valoriza a estética e descarta os clichês.

"A obra de Burgos é política sem ser panfletária. Ele não abre mão da beleza, ainda que busque a contundência. Retrata o cotidiano, pintando marinhas, cascudos, 'roças', brocados, a casa de praia, seus arredores e as torres eólicas, suas vizinhas", elenca, em conformidade com o que os visitantes encontrarão nas peças presentes no museu.

Legenda: Tela "Papapua, o projeto", obra do ano de 2016

Além do já citado autorretrato, será possível conferir pinturas de buquês e estandartes de flores holandesas, com paisagens vistas desde o Ateliê Papapua, em Icaraí de Amontada, no litoral cearense. Ao mesmo tempo que enumera essas minúcias da paisagem burgoniana nas telas, Gilmar também joga luz sobre outra questão importante a se considerar no legado do artista crateuense: o aspecto político ligado à rotina dos dias.

"Retratar o cotidiano é um exercício de democracia. São pessoas comuns em situações variadas. Elas têm em comum a valorização do trabalho que as irmana", escreve. "Ele é, portanto, um transgressor que se reinventa, permanentemente", conclui.

Do lado de Burgos, a resposta é concreta: "Minha pintura é política no sentido mais amplo do termo. Nela, expresso o que considero que há de melhor em mim e espero que seja um alento para todas as pessoas que estão à flor da pele como eu".

Reflexões

Aflorar as percepções sobre o núcleo criativo de Stênio exige considerar ainda a alta voltagem transgressora no que assina. As pinceladas aplicadas nas telas - geralmente grossas e fortes, com uma cartela de cores marcada por tons expressivos - emergem como um dos principais destaques nas pinturas, aspecto que dialoga com os dois lares que o artista escolheu para si: além do já mencionado ateliê na região metropolitana de Fortaleza, também a Holanda.

Legenda: Tela "Northern Ligth", de 2011

Foi lá que Burgos - graduado em Arquitetura e Urbanismo pela UFC e estudante de desenho e pintura no Estudi Chelsea, em Barcelona, na Espanha - morou durante um bom tempo, aprumando os sentidos quanto ao jeito simples de viver desse povo europeu. Aconchego levado às vistas, conforme Gilmar de Carvalho, "com uma imprevisível e silenciosa fúria".

"Ele recorre ao Mauc em favor da vida, da alegria e da beleza, para levar a pintura de volta à condição totalizante e visionária, em um mundo que derruba fronteiras". Arte, portanto, a serviço da diversidade global sob as frestas do recorte do eu.

Serviço
Exposição “À Flor da Pele - A Pintura Visionária de Burgos”
Abertura nesta quinta-feira (14), às 18h, no Museu de Arte da Universidade Federal do Ceará (Mauc-UFC) (Avenida da Universidade, 2854, Benfica). Em cartaz até dia 26 de abril. Visitas: de segunda a sexta-feira, das 8h às 12h e das 13h às 17h. Gratuito. Contato: (85) 3366-7481
 

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